Acórdão nº 109/07.0TBPCR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelTERESA PARDAL
Data da Resolução22 de Março de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO.

JR e esposa GM intentaram a presente acção declarativa com processo sumário contra MMR alegando, em síntese, que, por escritura pública de 11 de Maio de 2001 doaram um imóvel à sua filha, ora ré, com reserva de usufruto para os doadores e por conta das suas quotas disponíveis, com o encargo de a donatária lhes prestar assistência na doença, designadamente dispensando-lhes acompanhamento necessário, quer na sua residência, quer nas deslocações para receber assistência e tratamento médico, sendo que a ré, que à data da escritura residia com os autores no imóvel em causa, ausentou-se para França em Maio de 2006 e nunca mais prestou qualquer assistência aos autores, seus pais, apesar de estes terem necessitado e continuando a necessitar de auxílio para o acompanhamento médico e tratamento das várias doenças de que sofrem, o que é do conhecimento da ré, pelo que o comportamento desta integra uma violação das obrigações impostas aquando da celebração da escritura e constitui fundamento de resolução da doação ao abrigo do artigo 966º do CC, mesmo porque os autores nunca teriam aceite efectuar esta doação se soubessem que a ré não cumpriria os encargos a que a condicionaram, o que também é do conhecimento da ré, que não cumpriu os cumpriu e intencional e definitivamente e assim facultou aos autores a possibilidade de resolução, nos termos dos artigos 432º e 801º do CC.

Concluíram, pedindo que seja declarada resolvida a doação e em consequência que se ordene a restituição do prédio ao património dos autores e o cancelamento de todos os registo que tenham sido feitos com base na referida escritura.

Não foi apresentada contestação, na sequência da citação edital da ré e da citação do Ministério Público, nem, posteriormente, pelo cônjuge da ré MT, que veio a ser chamado para intervir ao lado desta.

Saneados os autos, procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

* Inconformados, os autores interpuseram recurso, que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo.

Os recorrentes alegaram, formulando as seguintes conclusões: 1- O facto de na escritura de doação com encargos não constar expressamente o direito de resolução não impede o doador de a resolver com base em incumprimento culposo dos encargos, devendo, para tanto, atender-se às circunstâncias do caso concreto e ao que foi efectivamente contratado entre as partes.

2- Quando se refere no art. 966 do CC que “o doador ou os seus herdeiros também podem pedir a resolução da doação da doação fundada no não cumprimento dos encargos, quando esse direito lhes seja conferido pelo contrato” tal apenas significa que do contrato celebrado entre as partes deve poder resultar o direito à resolução (ou seja, extinção do contrato por incumprimento culposo ou impossibilidade absoluta), não resultando daí que tal efeito tenha de constar expressamente do texto do contrato ou do documento que o formaliza.

3- Se o legislador quisesse que o direito de resolução constasse expressamente do texto do contrato tê-lo-ia dito referindo-se a “documento”, tal como sucede nos arts 1549 e 1723 alínea c) do Cód. Civil.

4- Salvo melhor opinião, entendem os autores que o art. 966 do CC não exige que o direito de resolução conste do documento escrito que formaliza o contrato, bastando que face ao contrato celebrado tal direito possa ser exercido nos termos gerais.

5- Por outro lado, entendem os autores que a exigência de o direito de resolução constar do documento ou texto do contrato visa proteger terceiros adquirentes, por forma a que estes tenham conhecimento de que a doação poderá ser resolvida, situação que os afectará.

6- O disposto no art. 966 do Cód. Civil ao estabelecer que o doador ou os seus herdeiros também podem pedir a resolução da doação quando esse direito lhes seja conferido pelo contrato deve ser interpretado restritivamente, aplicando-se apenas nas relações com terceiros, mas já não nas relações imediatas, ou seja, entre o doador e o donatário, à semelhança, aliás, do entendimento que vem sendo preconizado na interpretação do disposto no artigo 1723 alínea c) do C.C.

7- Quando se estiver apenas no domínio das relações imediatas, ou seja, quando estiver apenas em causa a relação contratual entre o doador e o donatário e o incumprimento dos encargos, não há razão para a exigência de que o direito de resolução conste do documento ou texto do contrato, até porque, a maioria das vezes, tal imposição pode deteriorar ou minar a relação de confiança mútua que está na génese da celebração da doação com encargos.

8- Numa situação de doação com encargos, estando apenas em causa o cumprimento dos encargos estabelecidos no contrato e continuando o prédio na esfera patrimonial do donatário, o direito de resolução deve ser apreciado à luz das regras que disciplinam o cumprimento/incumprimento dos contratos, independentemente de o direito de resolução constar ou não do texto do contrato.

9- Exigir que o direito de resolução conste do documento ou do texto para que o doador possa resolver a doação com base no incumprimento culposo dos encargos assumidos e aceites pelo donatário, quando o prédio ainda não se tenha transmitido para terceiro, constitui e constituirá, muitas vezes, uma situação de injustiça, ética e moralmente censurável e que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e bons costumes, que o Direito não pode permitir.

10- Conforme consta da escritura pública de fls… dos autos os autores declararam doar à ré a raiz da sua casa...

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