Acórdão nº 682/14.6JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelHELENA LAMAS
Data da Resolução23 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1.1 A decisão No Processo Comum Colectivo nº 682/14.6JABRG do Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., submetido a julgamento, foi o arguido AA (além do mais) : 1. Condenado pela prática de um crime de burla nas comunicações p. e p. pelo art. 221º nº 1, nº 2 e na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €20,00.

  1. Condenado pela prática de um crime de falsidade informática p.e p. pelo art. 3º nº 1, 2 e 4 da lei do Ciber Crime, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova dirigido à consciencialização do desvalor da conduta e a uma interiorização da necessidade legal e moral de ver o seu trabalho tributado 3. Absolvido da prática dos crimes de acesso ilegítimo p. e p. pelo art. 6 da Lei do Cibercrime e crime de branqueamento p. e p. pelo art. 386º-A nº 1 al. c) e nº 3 do CP.

  2. Condenado no pagamento de € 1900,00 ao Estado correspondendo à vantagem patrimonial que, através do facto ilícito típico, foi adquirido pelo arguido, nos termos dos artigos 110.º, n.º 1, al. b) e n.º 4 do Código Penal, sem prejuízo dos direitos do ofendido, nos termos do nº 6 daquele preceito.

    Mais foi julgado improcedente o pedido de declaração de perda das vantagens obtidas pelo arguido.

    1.2.O recurso 1.2.1. Das conclusões do Ministério Público Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido, restrito à matéria de direito, na parte em que absolveu dos crimes de Acesso ilegítimo e de Branqueamento de capitais e consequente absolvição quanto à requerida perda alargada de vantagens.

  3. A partilha ou difusão de internet, mesmo que desacompanhada da descodificação dos canais de TV, integra o crime de Acesso ilegítimo (art. 6º da Lei do Cibercrime).

  4. Aceder a um serviço de internet e vender esse serviço por vários consumidores sem estar autorizado integra a prática dos crimes de Acesso ilegítimo de Burla informática e nas comunicações.

  5. Existe concurso efectivo entre o crime de Burla informática (art. 221º do CP) e o crime de Acesso ilegítimo (art. 6º da Lei do Cibercrime), sendo diferentes os bens jurídicos protegidos.

  6. Mesmo que se entenda que o concurso é aparente, a condenação pelos dois crimes em relação de consunção serve para fundamentar a existência de crime de Acesso ilegítimo, sendo este crime do catálogo da Lei 5/2002 e, consequentemente fundamenta a declaração de perda alargada de vantagens do crime.

  7. O crime de branqueamento de capitais consuma-se com o mero depósito da vantagem do crime, desde que o autor saiba a origem dela e aja com a vontade de a dissimular; e sendo crime do catálogo da lei 5/2002 fundamenta também a declaração de perda alargada de vantagens do crime (a este respeito, veja-se em especial o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 27/05/2019, supra citado).

  8. Não exige prova que a abertura da conta tenha tido o propósito exclusivo de esconder a origem dos valores que o arguido havia recebido.

  9. Pelo que, dando como provado o crime de Acesso ilegítimo, ou tão só o crime de Branqueamento de capitais, dois crimes do catálogo da Lei 5/2002, deveria ter sido declarada a perda alargada de bens no valor do património incongruente de €50.167,13, ou caso se entenda que este valor carece de reformulação, ser ordenado o reenvio parcial para sua correcta determinação (arts. 1º, als. i) e m) e 12º da Lei 5/2002 e art. 426º, n.º 1 do CPP).

  10. Mesmo que assim não se entenda, não sendo possível a perda alargada de bens (Lei 5/2002), sempre seria de decretar a perda clássica, nos termos do art. 110º do C. Penal, o que se requer subsidiariamente.

  11. Pelo que o douto acórdão recorrido violou os art. 6º da Lei do Cibercrime, art. 221º e 368º-A do C. Penal, art. 374º, n.º 2 do CPP e arts. 1º, als. i) e m) e 12º da Lei 5/2002, de 11/01.

  12. Isto, apesar do presente recurso ser restrito a matéria de direito, ou seja, pugna-se pela condenação com os factos tal como provados nesta parte, mas V. Exas. melhor decidirão.

    Nesta medida, revogando parcialmente o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outro que condene o arguido também pelos crimes de Acesso ilegítimo e de Branqueamento de capitais e consequentemente na requerida perda alargada de vantagens, farão V. Exas., a costumada e esperadaJUSTIÇA.

    1.2.2. Respondeu o arguido, tendo concluído da seguinte forma : I. Dos factos apurados em 1ª instância resulta que o arguido difundia o sinal de internet por fibra que lhe era fornecido, primeiro, pela O... e, depois, pela B..., nos termos do contrato de prestação de serviços de fls. 321 e seguintes dos autos.

    1. O arguido, ao redistribuir o sinal de internet que adquiriu e pagou licitamente, não acedeu, de modo ilegítimo, nem tinha de aceder, a um qualquer sistema ou rede informáticos e/ou aos dados confidenciais neles contido.

    2. Se ilícito houvesse, consubstanciado na partilha do acesso à internet via wi-fi, o mesmo seria de ordem contraordenacional e não criminal, não sendo aqui aplicável o artigo 20º do RGCO, invocado pelo Recorrente.

    3. Os crimes de acesso ilegítimo e de burla informática e nas comunicações tutelam o mesmo bem jurídico (a integridade e segurança dos sistemas informáticos).

    4. A doutrina, citada na motivação, tem avalizado o entendimento da existência de um concurso aparente entre o crime de burla informática e nas comunicações e o crime de acesso ilegítimo a sistema informático.

    5. Os factos que consubstanciam a prática do crime de acesso ilegítimo configuram factos prévios, não puníveis, na medida em que a prática da burla informática pressupõe, em regra, o acesso ilegítimo a um sistema informático, sendo este um ato de execução do crime de burla informática.

    6. O arguido, com a conduta espelhada nos factos apurados, ao partilhar o sinal de TV, cometeu o crime de burla informática e nas comunicações e não, também, o crime de acesso ilegítimo a sistema informático, ocorrendo no caso uma relação de concurso aparente, por consumpção, entre ambos os crimes.

    7. O crime de acesso ilegítimo, punido com pena mais leve, é consumido pelo crime de burla informática, tal como foi decido no acórdão a quo.

    8. O Recorrente não impugnou a decisão proferida quanto à matéria de facto, pelo que em face da não prova dos elementos constitutivos do crime de branqueamento de capitais, o arguido não podia deixar de ser absolvido da prática desse crime.

    9. A norma incriminadora indicada na douta acusação (artigo 386º-A, nºs 1, alínea c), e 3 do CP) exigia a verificação de um elemento subjetivo adicional (intenção de dissimular a origem ilícita da vantagem ou a intenção de evitar que o autor ou participante das infrações previstas no nº 1 seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal), que a acusação não logrou provar.

    10. Em face da absolvição dos crimes de acesso ilegítimo a sistema informático e de branqueamento de capitais que a douta acusação imputava ao arguido, não há aqui lugar à aplicação do regime de perda ampliada de bens.

    11. A consumação do crime de acesso ilegítimo pelo crime de burla nas comunicações não pode habilitar o Tribunal a repristinar aquele crime para efeitos de aplicação do regime da perda ampliada de vantagens.

    12. O crime consumido deixa de ser punível, sem que daí resulte qualquer lacuna de punibilidade, estando esta sempre assegurada pela punição do crime consumens.

    13. O artigo 1º, nº 1, da Lei nº 5/2002, quando interpretado no sentido de permitir a aplicação do regime nele contido nos casos em que o crime de acesso ilegítimo a sistema informático, previsto no artigo 1º, nº 1, alínea m), em relação de concurso aparente com o crime de burla informática e nas comunicações, previsto no artigo 221º do CP, é consumido por este, é inconstitucional por violação do princípio da legalidade previsto no artigo 29º, nº 1, da CRP.

    14. Se o legislador quisesse incluir o crime de burla informática e nas comunicações no catálogo de crimes previsto no artigo 1º da Lei nº 5/2002 tê-lo-ia seguramente feito e se não antes, pelo menos, quando fez incluir ali o crime de acesso ilegítimo a sistema informático, quando publicou a Lei nº 30/2017, de 30.05, o que não fez.

    15. O Tribunal recorrido condenou o Recorrido no pagamento ao Estado do montante de € 1.900,00, valor correspondente à vantagem patrimonial que adquiriu através do crime, correspondente à denominada “perda clássica”.

    16. O Recorrente não impugnou a decisão que fixou naquele valor a vantagem obtida com a prática do crime (ut itens 19 e 38 dos factos provados), inexistindo fundamento para alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido nessa sede.

    17. O douto acórdão recorrido não merece qualquer censura ou reparo, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.

      IV O Pedido NESTES TERMOS e X melhores de direito aplicáveis, requere-se a V. Exas. se dignem julgar totalmente improcedente, por não provado, o presente recurso,mantendo, por conseguinte, o douto acórdão proferido nos autos, com as legais consequências.

      Assim decidindo, farão V. Exas. HABITUAL JUSTIÇA! 1.2.3.

      O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia quanto ao crime de acesso ilegítimo, e de que existe contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – cfr. a alínea b) do artigo 410º do C.P.P..

      1.2.4.

      Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência.

    18. OBJECTO DO RECURSO De acordo com o disposto no artigo 412º do C.P.P. e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. 1ª série-A de 28/12/95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respectiva motivação.

      Contudo, há questões de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT