Acórdão nº 2710/19.0T8GMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO Nos presentes autos de ação especial de insolvência que AA instaurou contra Â..., Lda., com sede na Rua ..., ..., Parque Industrial ..., freguesia ..., ... Guimarães, requerendo que esta fosse declarada insolvente, por sentença proferida em 30/09/2019, transitada em julgado, declarou-se a requerida em estado de insolvência.

Em 15/11/2019, a administradora da insolvência juntou aos autos o relatório a que alude o art. 156º do CIRE, onde, além do mais, se lê que, até ao momento, a administradora “não logrou localizar qualquer bem. Considerando que a soma dos valores supra indicados será superior a 5.000,00 euros, entende a administradora que os presentes autos deverão prosseguir para liquidação do ativo da insolvente, para venda dos bens elencados (quando localizados) e cobrança dos valores alegadamente em dívida”. Propôs que “(…) seja deliberado o encerramento do estabelecimento a fim de se extinguirem as obrigações declarativas e fiscais e ser efetuada a consequente cessação de atividade junto da Administração Fiscal”.

Em 30/11/2019 realizou-se a assembleia de credores para apreciação do identificado relatório, em que se proferiu despacho determinando a abertura do incidente de qualificação da insolvência, se procedesse à imediata liquidação da massa insolvente e concedeu-se prazo à administradora da insolvência para apresentar parecer quanto à qualificação da insolvência.

Aberto o incidente de qualificação da insolvência, a administradora juntou, em 28/01/2020, relatório em que emitiu parecer no sentido de que a insolvência da devedora fosse qualificada como culposa, nos termos do disposto no art. 186º, n.º 2, als. a), h) e i) do CIRE.

Para tanto, alegou, em síntese, que a gerência da requerida, apesar de instada para o efeito, por diversas vezes, não colaborou com a A.I. no esclarecimento da situação dos seus bens, na identificação do local de laboração, na indicação da data efetiva de término da atividade, na clarificação e identificação das contas bancárias tituladas pela insolvente, na obtenção dos dados contabilísticos desta.

As últimas contas depositadas pela devedora na Conservatória do Registo Comercial datam de 2016/06/20 e são referentes ao ano de 2015.

Não foram depositadas as contas de 2016, 2017 e 2018.

A devedora disponibilizou as declarações de IRC e as IES submetidas nos anos de 2016 e 2017, tendo apresentado o resultado líquido de 2.104,97€ em 2016, e de 192.218,23€ em 2017.

Em 2018 não entregou qualquer declaração de IES ou IRC – modelo 22 -, não obstante ter tido trabalhadores ao serviço, o que demonstra ter tido atividade.

Desde maio de 2016 até julho de 2018, desempenhou as funções de contabilista certificada da insolvente BB, que renunciou ao cargo em 2018/07/30, e reiterou tal renúncia em 2019/07/01, mas continuou a constar como contabilista em exercício da insolvente no site da Finanças, por esta não ter nomeado novo contabilista certificado, na sequência da citada renúncia.

Os motivos de tal renúncia prendem-se com o facto de se ter constatado no site do Banco de Portugal a existência de várias contas bancárias, das quais nunca foi dado conhecimento à contabilidade.

Em resultado dessa omissão de informação, não foram encerradas as contas do ano de 2018.

A devedora não cumpriu o dever de apresentação à insolvência, uma vez que os primeiros incumprimentos daquela, no montante de 93.056,35€, se reportam ao ano de 2016, e a insolvência foi requerida por uma trabalhadora, no ano de 2019.

A gerência da devedora fez desaparecer os bens desta, designadamente, maquinaria e viaturas, as quais não entregou à administradora da insolvência, apesar das insistências feitas.

Em 04/02/2020, o Ministério Público emitiu parecer em que propõe a qualificação da insolvência da devedora como culposa, nos termos do disposto no art. 186º, n.º 2, als. a), h) e i) do CIRE, basicamente com os mesmos fundamentos fácticos e jurídicos alegados pela administradora da insolvência no antecedente parecer/relatório e requereu que fosse afetada por essa qualificação a gerente desta, CC.

Citada a requerida CC, deduziu oposição em que impugnou a facticidade alegada nos pareceres emitidos pela administradora da insolvência e pelo Ministério Público e impugnou os documentos a eles anexos, sustentando não ser gerente de facto nem de direito da sociedade devedora, desconhecendo totalmente a situação desta, uma vez que se limitou a consentir que a sua mãe utilizasse os seus dados pessoais para titular uma empresa, sem ter noção do que isso significava, sendo estudante do ensino superior.

Concluiu pedindo que se julgasse improcedente o presente incidente de qualificação da insolvência como culposa.

Em 29/05/2020 notificou-se, via Citius, a oposição apresentada pela requerida CC à administradora da insolvência.

Por requerimento entrado em juízo em 10/06/2020, a administradora da insolvência juntou aos autos “aditamento ao parecer e respetiva proposta”, em que alega factos adicionais e emite parecer no sentido de que “todos os gerentes, tanto de facto como de direito, sejam afetados, a saber: gerente de facto e de direito: CC, NIF (…); gerente de facto: DD, NIF (…); e gerente de facto: EE (…)”, e juntou aos autos uma série de documentos.

Ainda por requerimento entrado em juízo em 10/06/2020, a administradora da insolvência respondeu à oposição apresentada pela requerida CC, mantendo o seu parecer inicial no sentido de que a insolvência da sociedade devedora fosse qualificada como culposa e que a requerida fosse afetada por essa qualificação, sustentando que a facticidade por esta alegada na oposição é irrelevante para os identificados efeitos, dada a qualidade da requerida de gerente de direito da sociedade devedora.

Em 01/07/2020 notificou-se o Ministério Público da oposição apresentada pela requerida CC, que não respondeu.

O aditamento ao parecer junto aos autos pela administradora da insolvência em 10/06/2020 e os documentos que instruem esse aditamento não foram notificados pelo tribunal a quo à sociedade devedora, à requerida CC, nem ao Ministério Público.

Em 01/07/2020, a 1ª Instância proferiu despacho saneador tabelar, fixou o valor do presente incidente de qualificação da insolvência em 30.001,00 euros, fixou o objeto do litígio (O MP e a Administradora Judicial invocam: A) O preenchimento da alínea a) do n.º 2 do art. 186º do CIRE; B) O preenchimento da alínea h) do n.º 2 do art. 186º do CIRE; C) O preenchimento da alínea i) do n.º 3 do art. 186º o CIRE), os temas da prova (Se a insolvente e os seus gerentes de facto ou direito: A) Destruíram, danificaram, inutilizaram, ocultaram, ou fizeram desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; B) Incumpriram em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;”: verifica-se que as contas de 2018 não foram encerradas, por terem sido detetadas pela contabilista, contas tituladas pela Insolvente, sobre as quais não foi disponibilizada qualquer informação pela gerência (motivo pelo qual a contabilista renunciou às respetivas funções), tendo incorrido esta no incumprimento de manter contabilidade organizada, com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da Devedora.

  1. Incumpriram, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º.”: até ao presente não foi pela Insolvente entregue à Administradora os documentos contabilísticos requeridos, não foram entregues os bens pertencentes à Insolvente, não obstante os diversos pedidos e insistências, pelo que, considera a Administradora que está a ser incumprido, de forma reiterada, os deveres de apresentação e de colaboração), conheceu dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e, ao abrigo do disposto no art. 139º, al. a), do CIRE, determinou a audição da administradora da insolvência em sede de audiência final.

Contudo, nesse mesmo despacho, a 1ª Instância decidiu o seguinte: “(…) veio depois da apresentação do parecer e recentemente a senhora Administradora Judicial, justificadamente apresentar aditamento, no qual solicita que além da requerida, sejam também constituídos requeridos os mencionados gerentes de facto.

Propõe assim a Administradora que todos os gerentes, tanto de facto como de direito, sejam afetados por esta qualificação, nomeadamente: Gerente de facto e de direito: CC, com o NIF ...59, Gerente de facto: DD, com o NIF ...07, e Gerente de facto: EE, com o N... ...04.

O Tribunal atendendo à superveniência do conhecimento dos factos e à sua relevância para a descoberta da verdade material, admite este aditamento ao parecer, o qual deve ser notificado à requerida, ao MP e aos demais credores.

Deverão igualmente ser citados os referidos gerentes de facto DD e FF, para podendo e querendo, se defenderem das acusações que lhes são imputadas”.

Nessa sequência, procedeu-se à citação, por cartas registadas com aviso de receção, expedidas em 20/07/2020, dos requeridos FF e DD, para deduzirem, querendo, oposição, nos termos do art. 188º, n.º 6 do CIRE.

O mencionado despacho proferido em 01/07/2020, foi notificado, via Citius, em 20/07/2020, à sociedade devedora, à requerida CC, à administradora da insolvência e ao Ministério Público, sendo este último por termo de notificação.

Por requerimento de 24/07/2020, a sociedade devedora e a requerida CC vieram declarar opor-se ao aditamento ao parecer e proposta apresentada pela administradora da insolvência, alegando, em suma, que apenas em face do despacho de saneamento tomaram conhecimento do aditamento e do seu conteúdo; trata-se de ato que a lei não prevê e que viola os princípios da estabilidade da instância...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT