Acórdão nº 1472/21.5T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução12 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO AA intentou ação especial para atribuição da casa de morada de família contra BB pedindo que se reconheça que a autora e o réu viveram em união de facto desde o ano de 2005 até fevereiro de 2021 e que se proceda à atribuição judicial da casa de morada de família – fração autónoma ..., ..., do prédio em regime de propriedade horizontal sito no Bloco ..., n.º 22 do Bairro ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...69.º e descrito na CRP ... sob o n.º ...27... – à autora, mediante sujeição às regras do arrendamento para habitação e definindo as condições do contrato nos termos da alegação constante da petição inicial.

Teve lugar a tentativa de conciliação, sem êxito.

Foi proferido despacho que considerou extemporânea a contestação apresentada pelo réu, não produzindo efeitos nos autos.

Ao abrigo das normas relativas aos processos de jurisdição voluntária, foi admitida a prova oferecida pelo réu e designou-se dia para tomada de declarações às partes e inquirição das testemunhas.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, reconheceu que a autora e o réu viveram em união de facto desde o ano de 2006 até fevereiro de 2021, julgando improcedente a ação quanto à atribuição do direito de arrendamento à autora.

A autora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões:

  1. A decisão da qual se recorre fere o sentido de justiça do cidadão comum e mina, enfim, a confiança que a comunidade deve depositar nos tribunais e na justiça.

  2. De facto, ao não se atribuir à autora/requerente a casa de morada de família, mediante sujeição às regras do arrendamento, deixando-a lançada à sua sorte - sabendo-se ter sido esta diagnosticada recentemente com Leucemia Linfocítica Crónica (ponto 8 dos factos provados), padecer de uma incapacidade permanente de 64% (ponto 15 dos factos provados), não ter qualquer família no concelho ... (ponto 16 dos factos provados), convidada a abandonar a casa pelo cônjuge com o qual tinha uma relação de mais de 15 anos (pontos 1, 2 e 11 dos factos provados), o qual iniciou uma nova relação amorosa após o diagnóstico da doença da autora (ponto 9 dos factos provados) - está a desafiar-se o justo sentir comunitário, postergando-se os mais básicos valores humanos.

  3. Não obstante os factos dados como provados serem elucidativos da situação de carência da autora e da premência desta em manter-se na casa na qual habita desde 2006 (ponto 3 dos factos provados), o certo é que a decisão não dedica uma única linha a essa indesmentível carência ou premência da autora, limitando-se a concluir friamente que “trabalhando a autora no concelho ... e não tendo como refere qualquer respaldo familiar em ..., a opção de residir mais perto do seu local de trabalho iria permitir uma poupança em despesas com as referidas deslocações” – pág. 9, in fine, da sentença.

  4. A M.ª Juiz do Tribunal a quo preconiza assim que a autora se mude para o concelho ..., numa fase tão difícil da sua vida, deixando o seu entorno habitual na cidade ..., mesmo sabendo, como resulta do doc. ... junto com o requerimento inicial, que a mesma se encontra a ser seguida regularmente no serviço de Hematologia Clínica do CH... em ....

  5. Para o Tribunal a quo o facto de o réu ter a fracção registada em seu nome e pagar a respectiva prestação do empréstimo constituiu critério decisivo para, como se diz na sentença, “fazer pender a balança” para o lado deste.

  6. Ora, se o registo/propriedade da casa em nome de um dos cônjuges fosse critério decisivo, não faria sentido prever-se no artigo 1793.º n.º 1 do Código Civil que pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta seja comum quer própria do outro”.

  7. Aliás, do julgamento resultou claro e transparente que a casa ficou unicamente registada em nome do réu porquanto à data da respectiva aquisição, o que aconteceu em 2006/09/11 (ponto 4 dos factos provados), a autora, não obstante já viver com o réu como se de marido e mulher se tratassem (pontos 1, 2 e 3 dos factos provados), ainda se encontrava a tratar do seu divórcio, que apenas viria a concretizar-se em 10/09/2007 (ponto 6 dos factos provados).

  8. Esta matéria foi alegada nos artigos 21.º, 22.º e 23.º do requerimento inicial, não tendo merecido acolhimento ou sequer espaço de análise na sentença recorrida, a despeito dos elucidativos esclarecimentos prestados pela autora em declarações de parte, e sabendo-se que o alegado no requerimento inicial neste sentido não foi sequer alvo de contestação pelo réu, tanto assim que por despacho de 21-04-2022, a contestação apresentada foi julgada extemporânea, não produzindo efeitos nos autos.

  9. É certo que a prestação do empréstimo da compra da casa foi sempre assegurada pelo réu, que tinha um salário superior ao da autora (ponto 17 dos factos provados), para não dizer bem superior, como emana proficientemente das declarações fiscais desde 2005 até ao presente, juntas com o requerimento inicial sob doc. ....

  10. Diga-se, apesar de ter elementos bastantes para balizar o salário do réu, desde logo por recurso às declarações fiscais juntas aos autos, a M.ª Juiz deu laconicamente como não provado que “o réu aufere uma retribuição mensal na ordem dos 2.000 €”.

  11. Se, concentrando-nos, por brevidade, apenas nos anos mais recentes, nos ativermos à análise dos anos fiscais de 2018, 2019 e 2020, temos que o réu declarou auferir nesses anos, como rendimentos de trabalho dependente,16.693,57€, 18.998,35€ e 19.192,09€, respetivamente, ao passo que a autora declarou auferir 7.849,33€, 8.741,40€ e 7.954,98€ no mesmo período.

  12. Ora, uma vez que o Tribunal deu como provado no ponto 12 dos factos provados que a autora aufere a retribuição mínima mensal garantida – o que se presume ter sido dado como provado tendo por base as aludidas declarações de rendimentos, como discorrido no 4.º parágrafo da pág. 6 da sentença – deveria, pela mesma lógica, ter dado como provado, pelo menos, que o réu declarou auferir nos anos de 2018, 2019 e 2020, como rendimentos de trabalho dependente,16.693,57€, 18.998,35€ e 19.192,09€, respetivamente.

  13. Assim se requer, pois, seja aditado aos factos provados um novo facto, sob n.º 19, com a seguinte redação: 19. O réu declarou auferir nos anos de 2018, 2019 e 2020, como rendimentos de trabalho dependente,16.693,57€, 18.998,35€ e 19.192,09€, respetivamente n) Podendo assim concluir-se que o réu aufere rendimentos anuais que quase triplicam os rendimentos da autora.

  14. Encontrando-se assente que a autora aufere a retribuição mínima mensal garantida, que atualmente se cifra em 705 euros (ponto 12 dos factos provados), suportando despesas mensais com alimentação, vestuário e...

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