Acórdão nº 1016/22.1T8VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Janeiro de 2023
Magistrado Responsável | JERÓNIMO FREITAS |
Data da Resolução | 23 de Janeiro de 2023 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
APELAÇÃO n.º 1016/22.1T8VFR.P1 Recurso de Contra-ordenação laboral 4.ª SECÇÃO I.
RELATÓRIO I.1 A sociedade O..., Lda., notificada da decisão administrativa proferida pela ACT – Centro Local de Entre Douro e Vouga, aplicando-lhe a coima de 29 UC’s, correspondente a €2.958,00, pela prática da contra-ordenação muito grave, com reincidência, prevista e punível pelo artigo 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02 e artigo 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08 (falta de registos dos 28 dias anteriores à fiscalização), acrescida da sanção acessória de publicidade da decisão condenatória - nos termos do artigo 562.º, n.º 1, do CT-, bem assim considerando como responsáveis solidários pelo pagamento da referida coima AA e BB, enquanto representantes legais daquela (art.º 551.º n.º3, do CT), dela discordando deduziu impugnação judicial.
Para sustentar a impugnação alegou, no essencial, o seguinte:
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A defesa escrita que apresentou na fase administrativa deverá ser reapreciada.
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O auto de contra-ordenação é nulo, porquanto revestindo a natureza de uma verdadeira acusação, não contém a narração sintética dos factos, a motivação da prática e as circunstâncias relevantes para a determinação da sanção aplicada.
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A recorrente não praticou os factos que lhe são imputados.
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Organiza o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Cap. II do Regulamento CE n.º 561/2006, de 15-03 e no Regulamento CEE n.º 3821/85, de 20-12, o que engloba ainda acções de formação ministradas aos condutores.
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Procede igualmente a controlos regulares sobre as actividades dos seus motoristas, por forma a garantir o cumprimento das normas.
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O condutor em causa tinha formação.
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O condutor é ainda gerente da recorrente, conduzindo de forma esporádica.
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Não possuía nem podia possuir os discos de tacógrafos que se refere estarem omissos, nem tinha uma declaração emitida por si próprio.
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De qualquer modo, a culpa é diminuta, não retirou a recorrente qualquer benefício económico da prática da infracção, nem houve prejuízo para terceiros.
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A coima aplicada é excessiva e desproporcional.
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A recorrente agiu sem culpa e sem consciência da ilicitude do facto.
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A coima deve ser especialmente atenuada ou substituída pela admoestação.
Arrolou prova testemunhal.
O recurso foi recebido, tendo sido designada data para realização do julgamento.
I.2 Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte: - «Nestes termos, julga-se o presente recurso de impugnação improcedente e, em consequência, decide-se manter a decisão administrativa de condenação da arguida O..., Lda. na coima de 29 UC, pela prática da contra-ordenação, prevista e punível pelos artigos 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02 e 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, assim como na sanção acessória de publicidade da decisão.
*Custas a cargo da arguida/recorrente (cfr. artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e artigos 93.º, n.º 3 e 4 e 94.º, n.º 3, ambos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10), fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
*Notifique.
Cumpra o disposto no artigo 45.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14-09.
Proceda ao depósito (artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10).
(…)».
I.3 Discordando desta decisão a arguida interpôs recurso, o qual foi admitido e fixados o efeito e modo de subida adequados. Apresentou as respectivas alegações, sintetizando-as nas conclusões seguintes: 1. No caso Sub Judice o Tribunal a quo confunde a condição de sócio gerente com a condição de condutor; 2. Considera seja sócio gerente é responsável pela alegada infração; 3. E considera que como condutor a sua alegada infração, por si assumida é da inteira responsabilidade da aqui Recorrente.
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Ora não poderá ser aceite tal argumento.
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Como Sócio gerente, não estando assim sujeito às disposições sociais comunitárias no domínio dos transportes rodoviários e do AETR.
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O Ac. do STJ de 29.09.1999, publicado na CJ-STJ, tomo III, pág. 248, discutindo a compatibilidade das funções de gerente com as de trabalhador.
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Como condutor é detentor de formação de todo o conhecimento necessário para o exercício da condução de veículo pesados de mercadorias.
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A recorrente arguida cumpriu o dever jurídico, que sobre si impendia, de organizar o trabalho de modo a que o motorista pudesse cumprir com a obrigação de trazer consigo e apresentar aos agentes de controlo os registos relativos à condução, no próprio dia e nos anteriores.
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A arguida ministrou formação profissional adequada ao motorista para que este exercesse as suas funções de modo a cumprir a lei e deu-lhe ordens expressas para que circulasse com os discos do tacógrafo.
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A não apresentação destes ao agente de controlo não é imputável à empregadora, mas sim ao próprio motorista, que não cumpriu as ordens expressas dadas em concreto por aquela.
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Deverá a Sentença Recorrida ser substituída por outra, nomeadamente pela absolvição da Recorrente.
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O Tribunal "a quo" e a existir alguma infração que fosse aplicada à pessoa que conduzia no momento da fiscalização.
Conclui pugnando pela procedência do recurso, sendo revogada a aplicação da coima e a arguida absolvida.
I.4 Notificado do requerimento do recurso e respectivas alegações, o Ministério Público não apresentou contra-alegações.
I.5 Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (art.º 416.º do CPP), pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, na consideração, no essencial, do seguinte: -«Na douta decisão recorrida definem-se os parâmetros de intervenção do sócio gerente que também é trabalhador da sociedade arguida - cfr. Ac. TRÉvora de 29 de Novembro de 2018, no qual se sumariou que “i) o conceito de condutor previsto na legislação comunitária e nacional é amplo e abrange qualquer pessoa que conduza o veículo, independentemente da natureza do vínculo jurídico existente entre condutor e a empresa. ii) a empresa é responsável pela contraordenação se o condutor do veículo for seu sócio-gerente e só deixará de ser responsabilizada nos casos previstos na lei.”.
Quanto à medida da coima considerando os factos provados, temos que a coima foi fixada atenta a culpa e a ilicitude e demais circunstâncias concretas do caso, no âmbito de contra-ordenação muito grave, prevista e punível pelo artº. 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02 e artº. 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, pelo que o decidido e sua sanção acessória de publicidade da decisão deve ser mantido.
Do exposto decorre que a sentença recorrida observou o princípio da legalidade dos delitos contra-ordenacionais que contribuem para a concretização dos objetivos de melhoraria das condições de trabalho e segurança dos trabalhadores.
Improcedem as conclusões formuladas.
[..]» I.6 Foi cumprido o disposto no art.º 418.º do CPP, remetendo-se o processo aos vistos e o projecto de acórdão por via electrónica, após o que se determinou a sua inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (art.ºs 403, nº 1, e 412º, n.º 1, do CPP), a questão colocada para apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, em razão do seguinte: i) Por ter confundido a condição de sócio gerente com a condição de condutor, considerando-o responsável pela infracção [conclusões 1, 2, 5, 6]; ii) Por ter considerado a arguida responsável pela contra-ordenação [conclusões 3, 7, 8, 9, 10 e 11].
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FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO 1. Factos provados: 1) A arguida, O..., Lda., pessoa colectiva n.º ..., tem sede na Rua ..., ..., ... ....
2) Representam legalmente a arguida, enquanto sócios-gerentes, AA e BB.
3) A arguida tem como objecto social o comércio por grosso e a retalho de batatas, adubos, pesticidas e outros produtos agrícolas, comércio por grosso de produtos alimentares e transportes rodoviários de mercadorias.
4) Em acção de fiscalização realizada pela GNR, no dia 01 de Março de 2021, pelas 11h40m, na AE A1, saída da Feira, sentido S/N, Santa Maria da Feira, verificou o guarda autuante que a arguida matinha ao seu serviço CC, com o NIF ..., conduzindo o veículo tractor de mercadorias, de matrícula ..-..-RD, propriedade da arguida.
5) Naquela data, hora e local e no acto de fiscalização, verificou o Sr. Guarda autuante que o condutor do veículo não se fazia acompanhar de todos os registos utilizados no tacógrafo respeitantes aos 28 dias anteriores, apresentando apenas a folha de registo do dia da acção de fiscalização.
6) Não foi exibido cartão de condutor, apesar de o condutor afirmar ser seu possuidor, ou qualquer impressão referente aos 28 dias anteriores.
7) O veículo encontrava-se equipado com tacógrafo analógico.
8) O condutor tem a função de gerente da sociedade arguida e afirmou apenas conduzir nas folgas ou falhas dos motoristas, variando o número de conduções por mês.
9) CC é detentor de certificado de formação profissional referente ao curso de formação profissional de «Tacógrafos – Tempos de Condução e Repouso», realizado em 12/10/2019, com a duração de 7 horas.
10) A arguida tem antecedentes contra-ordenacionais registados:
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Por decisão de 04/04/2018, no âmbito do processo de contra-ordenação laboral n.º 021800175, foi condenada, pela prática da infracção prevista no artigo 20.º, n.º 5, alínea c) da Lei n.º27/2010 (contra-ordenação muito grave), em 11/09/2017, na coima de €2.040,00.
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Por decisão de 16/03/2018, no âmbito do processo de contra-ordenação laboral n.º 021800142, foi condenada, pela prática da infracção prevista no artigo 20.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 27/2010...
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