Acórdão nº 134/18.5JAVRL-N.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução09 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 134/18.5JAVRL, a correr seus termos pelo Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em que são arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN e OO, estando arrolados como testemunhas os agentes encobertos com os nomes fictícios ou de código “PP”, “QQ”, “RR” e “SS”, quer o Sr. Director da Unidade de Prevenção e Apoio Tecnológico da Polícia Judiciária (UPAT), quer o Ministério Público, requereram que os mesmos fossem ouvidos na audiência de discussão e julgamento com recurso à videoconferência, com distorção de voz e imagem, nos termos do disposto no Artº 4º, nº 4, da Lei nº 101/2001, de 25 de Agosto.

*2.

Porém, tal requerimento foi indeferido pelo despacho de 03/11/2022 da Mmª Juíza Presidente do Tribunal Colectivo, cuja cópia consta de fls. 17 / 19 Vº, nos seguintes termos (transcrição [1]): “Dos pedidos de audição dos agentes encobertos por teleconferência com a cara tapada e a voz descoberta Por requerimento com a refª ...57 veio o Sr. Director da Unidade de Prevenção e Apoio tecnológico da Polícia Judiciária (UPAT) requerer ao Tribunal que os agentes encobertos com os nomes fictícios PP, QQ, RR e SS fossem ouvidos em audiência de julgamento, com recurso à videoconferência com distorção de voz e imagem, informando que existe naquela Polícia sala com meios técnicos para esse efeito.

Para sustentar o seu pedido alega o seguinte: “No âmbito da sua actividade (os agentes encobertos) intervêm em várias situações de elevado grau de complexidade e perigosidade, relativa à sua segurança e intervêm no seio de organizações criminosas.

Deste modo, a presença física na audiência de julgamento representa um risco acrescido pois a audiência sendo pública não se restringe apenas aos arguidos em inquérito, mas a qualquer indivíduo, que deste modo fica a conhecer sem margem para dúvidas os responsáveis pela investigação (...)” Notificado o requerimento da PJ aos demais sujeitos processuais, veio o arguido AA (refª ...54) opor-se ao requerido uma vez que não são alegados quaisquer factos concretos que justifiquem a inquirição das testemunhas naquelas condições mas meras generalidades, não estando cumpridos os pressupostos previstos nos artigos 4º e 5º da Lei nº 93/99 de 14 de Julho.

Também o arguido EE, em requerimento com a refª ...09, veio opor-se ao requerido com os mesmos fundamentos, invocado igualmente uma ilegitimidade da PJ para requer a inquirição dessa forma (cfr. artigo 6º da citada Lei de Protecção das Testemunhas em Processo Penal).

Por sua vez, em 17/10/2022 o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “Uma vez que a sessão da audiência de julgamento na qual se irá proceder à inquirição dos agentes encobertos irá decorrer com exclusão da publicidade, o que o Tribunal irá determinar face ao que dispõe o artigo 4º nº 4 da Lei nº 101/2001 de 25 de Agosto e 87º nº 1, segunda parte, do Código de Processo Penal, convido as referidas testemunhas a, no prazo de 3 dias, especificarem em requerimento autónomo e por si subscrito, as concretas razões pelas quais pretendem ser inquiridas por videoconferência, com a cara tapada e a voz distorcida”.

Ao despacho em causa, respondeu o Sr. Director da UPAT, em 19/10/2022 (refª ...97) dizendo que “as razões que fundamentam a audição dos agentes encobertos com distorção de voz e imagem respeitam ou visam garantir a integridade física e segurança dos agentes encobertos, bem como dos elementos integrantes do respectivo agregado familiar” e refere ainda “relativamente ao convite do Tribunal, para que sejam os próprios agentes encobertos em requerimento autónomo a explanarem a sua motivação, cumpre acrescentar que conforme decorre da Lei nº 37/2008 de 6 de Agosto, a policia judiciária, abreviadamente designada por PJ, corpo superior de policia criminal organizado hierarquicamente (negrito do subscritor) na dependência do Ministério da Justiça e fiscalizado nos termos da lei, é um serviço central da administração....” Cumpre apenas esclarecer, para que se perceba o teor da referência no ofício da PJ, que a citada Lei foi revogada pelo Decreto-Lei nº 137/2019, de 13 de Setembro mas no artigo 1º estabelecia “A Polícia Judiciária, abreviadamente designada por PJ, corpo superior de polícia criminal organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça e fiscalizado nos termos da lei, é um serviço central da administração directa do Estado, dotado de autonomia administrativa”.

Por requerimento com a refª ...44 veio novamente o arguido EE reiterar a existência de ilegitimidade da PJ bem como a ausência de qualquer justificação concreta para a audição doa agentes encobertos nas condições solicitadas.

Por sua vez, veio o Magistrado do Ministério Público em 24/10/2022 exarar nos autos a promoção com o seguinte teor: “P. que as testemunhas (agentes encobertos: PP, QQ, RR e SS) indicadas no Despachos de Acusação/Pronúncia sejam inquiridas, através de teleconferência com a distorção de voz e imagem, de molde a salvaguardar a integridade física dos agentes encobertos assim como dos respectivos familiares, aliás, como já havia sido requerido pelo Exo. Director da UPAT., artigo 4º, da Lei nº 101/2011, de 25 de agosto”.

E mais uma vez, por requerimento com a refª ...33 veio o arguido EE invocar a falta, na promoção do MP, de invocação de circunstâncias concretas que justifiquem a citada medida e em igual sentido se pronunciou o arguido FF nos seus requerimentos com a refª ...31 e ...44.

Também o arguido AA renovou os seus fundamentos de oposição face à promoção do MP (refª ...43).

Cumpre apreciar.

No nº 4 do artigo 4º da Lei 101/2001, artigo este sob a epígrafe “Protecção de funcionários e terceiro” preceitua-se: “No caso de o juiz determinar, por indispensabilidade da prova, a comparência em audiência de julgamento do agente encoberto, observará sempre o disposto na segunda parte do nº 1 do artigo 87º do Código de Processo Penal, sendo igualmente aplicável o disposto na Lei 93/99, de 14 de Julho.”.

Ora, remetendo, como remete, aquele nº 4 em bloco para aquela Lei nº 93/99, ou seja, para toda a disciplina desse diploma, está vedado ao intérprete distinguir onde o legislador não o fez (Ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus).

Ora a Lei nº 93/99 de 14 de Julho - Lei de Protecção de Testemunhas em Processo Penal - e os pressupostos aí previstos nos seus artigos 4º a 6º é portanto aplicável ex vi o referido artigo 4º nº 4 da lei nº 101/2001 de 25/08 e sempre o seria sem a mencionada remissão legal, ex vi do disposto no artigo 139º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal e, ainda, porque a figura do agente encoberto se deve considerar como estando compreendida no conceito de testemunha adoptado na alínea a) do artigo 2º da citada Lei 93/93, de 14 de Julho, conceito de testemunha esse que é muito mais abrangente do que o utilizado pelo Código de Processo Penal.

Assim sendo, e tendo sido requerida a inquirição dos agentes encobertos pelo Magistrado do MP em sede de acusação, a requerida audição com ocultação da imagem e distorção da voz e bem assim por teleconferência só se justificaria se se verificassem os seguintes pressupostos previstos: i.

no - artigo 4º nº 2 (com base em factos ou circunstâncias que revelem intimidação ou elevado risco de intimidação da testemunha, o que poderá ser decidido oficiosamente, a requerimento do MP, do arguido, do assistente ou da testemunha) ii.

no nº 1 do artigo 5º (ponderosas razões de protecção da testemunha) e o nº 2 do artigo 6º da mencionada Lei 93/99 (indicação pelo requerente MP, arguido ou testemunha - das circunstâncias concretas que justifiquem o recurso à teleconferência e, se for caso disso, à distorção da imagem e do som) Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/09/2004, Proc. nº 6063/2004-5, disponível em www.dgsi.pt que aqui seguimos de perto.

Tais requisitos parecem-nos perfeitamente aceitáveis considerando o primado que a lei processual confere à imediação e concentração e não se pode prescindir dos mesmos na inquirição dos agentes encobertos, uma vez que a Lei nº 101/2001 remeteu em bloco para lei de protecção das testemunhas, não se limitando a referir que, automaticamente, os depoimentos dos agentes encobertos se fariam por teleconferência, com cara tapada e voz distorcida, atenta a simples qualidade de agente encoberto. A lei determinou a aplicação imediata da exclusão da publicidade prevista na segunda parte do nº 1 do artigo 87º do Código de Processo Penal mas não presumiu que por força dessa qualidade de agente encoberto, a testemunha em causa estaria em perigo de vida ou perigo para a sua integridade física.

Ora, no que concerne ao primeiro dos preditos requisitos (factos ou circunstâncias que revelem intimidação ou elevado risco de intimidação da testemunha - que são as constantes do artº 4º da referida Lei 93/99 -), nada há nos autos que permita configurar algo donde se possa concluir que, por causa do contributo do agente encoberto para a prova dos factos que constituem objecto do processo, fica o mesmo em perigo a vida, ou a integridade física ou psíquica, ou a liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado, do requerente ou de seus familiares ou de quaisquer pessoas que lhe sejam próximas.

No que respeita ao segundo dos referidos requisitos, há a anotar que não foram, nem no requerimento da PJ ou do MP, indicadas circunstâncias concretas que justifiquem o recurso à teleconferência, mas, apenas meras referências genéricas às expressões contidas na lei, como se a inquirição destas testemunhas da mencionada forma, fosse a regra e não a excepção.

Ademais a PJ, não sendo um sujeito processual, não tem legitimidade para fazer o referido requerimento nos termos do disposto nos citados artigos 4º e 5º da nº Lei 93/99 de 14 de Julho, mas ainda que se lhe conferisse essa legitimidade ao abrigo...

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