Acórdão nº 661/19.7JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelDONAS BOTTO
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 661/19.7JAPRT.P1 Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto O arguido AA vinha acusado da prática de dois crimes de Violação, p. e p. nos artigos 164.º, n.º 1 a), agravado pelo artigo 177.º, n.º1 b) e n.º 7, ambos do Código Penal, relativamente ao ofendido BB; quatro crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. nos artigos 171.º, n.º 3 a), agravado pelo artigo 177.º, n.º 1 b) e 7, ambos do Código Penal, relativamente ao ofendido CC; um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p. e p. nos artigos 22.º e 171.º, n.º2 e n.º 5, agravado pelo artigo 177.º, n.º 1 b) e 7, todos do Código Penal, relativamente ao ofendido CC; um crime de violação, e p. no artigo 164.º, n.º 1 a), agravado pelo artigo 177.º, n.º 1 b) e 7, ambos do Código Penal, relativamente ao ofendido DD; e um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos artigos 143.º, n.º1, 145.º, n.º 1, a), e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, c), todos do Código Penal, relativamente ao ofendido DD; Realizado o julgamento e respectiva produção de prova foi o arguido condenado em concurso real pela prática de dois crimes de violação relativamente ao ofendido BB, nas penas parcelares de 2 anos e de 2 anos e 4 meses de prisão, improcedendo a agravação prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 177.º do Código Penal; pela prática de um crime de trato sucessivo de abuso sexual de criança, relativamente ao ofendido CC, na pena de parcelar de 10 meses de prisão, improcedendo as agravantes da alínea b) do n.º 1 e nº 7 do artigo 177.º do Código Penal, por via da convolação jurídica da prática dos quatro crimes de abuso sexual de crianças pelo quais vinha acusado; pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, relativamente ao ofendido CC, na pena parcelar de 12 meses de prisão; e em cúmulo jurídico aplicar-lhe a pena única de 4 anos de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, mediante regime de prova aí elencado; Absolver o arguido da prática de um crime de violação, p.e p. no artigo 164.º, n.º 1 a), agravado nos termos do artigo 177.º, n.º 1 b) e 7 , ambos do Código Pena relativamente ao ofendido DD, assim como absolver o arguido do crime de ofensa à integridade física agravada praticado contra o mesmo ofendido.

* Inconformados com esta decisão, dela vieram interpor recurso o MP e a Assistente, alegando em síntese: - O Ministério Público impugna a matéria de facto relativa à absolvição, invocando o vício do erro notório na apreciação da prova, e a improcedência das agravações dos crimes praticados pelo arguido relativamente aos ofendidos BB e CC.

Quanto à impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada na parte absolutória do acórdão recorrido, entende o recorrente que deveriam ter sido dados como provados os factos dados como não provados no acórdão recorrido e elencados nas alíneas h), i ), l), m) o ), p), q).

Segundo o recorrente, é esta a prova que impunha uma decisão diversa em termos de fixação da matéria de facto dada como provada e não provada: -o teor das declarações do menor DD para memória futura, nas quais o mesmo consegue localizar os factos no tempo e espaço, descrever o modo de execução da conduta de que foi alvo e qual o seu autor; - o depoimento da testemunha EE, prima do ofendido DD, quando refere que se apercebeu que o seu primo tinha medo do arguido; que questionando sobre o motivo desse medo o mesmo terá dito que o arguido lhe foi “ao cuzinho”; que contou o que se passou ao diretor do colégio; que o mesmo sonha como AA e diz o seu nome de noite; - o depoimento da testemunha FF, irmã do ofendido DD, que ouviu directamente de um amigo do seu irmão e da gravação feita pela sua prima o que tinha acontecido com ele; e verificou que anda a ser acompanhado por psicologia e psiquiatria; -o depoimento da testemunha GG, mãe do ofendido DD, que confirmou ter ouvido o seu filho dizer que o arguido lhe terá “ido ao cuzinho”.

-o teor da perícia médico-legal de psicologia realizada ao ofendido, nomeadamente, que « o menor além de outros acontecimentos de circunstâncias sexualmente abusivas relatou os acontecimentos de que tinha sido vítima por parte do arguido AA ainda que o mesmo expresse uma narrativa parca, sem detalhe ou ajustado enquadramento espácio-temporal, o que tal não deve servir a conclusão de que o depoimento não terá ocorrido: não obstante as limitações de DD referidas na perícia em apreço, tal não deve servir a conclusão de que o evento não terá ocorrido”.

* Na impugnação de direito, considera que o tribunal a quo não teve em conta a verificação da agravante prevista na alínea b) do n. º1 do artigo 177.º do Código Penal, que dispõe que as penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas se a vítima se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela, ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento de tal relação.

Entende o recorrente M.ºP.º que o ofendido DD e as restantes vitimas, viviam numa relação de coabitação, dado que todos eles se encontravam institucionalizados na Fundação ..., partilhando todos eles os mesmos espaços, com à vontade e livremente, o que facilitou a prática criminosa, aproveitando-se o arguido dessa proximidade, invocando o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de Março de 2022.

***A Assistente GG, em representação do seu filho menor DD, impugna a matéria de facto nos mesmos termos que o fez o MP.

******* Da Decisão recorrida, na parte que aqui nos interessa, resulta o seguinte: Factos dados como provados pelo Tribunal: 1. O arguido AA nasceu a .../.../2002 e residiu, em regime de acolhimento residencial, na Fundação ..., com instalações sitas na Rua ..., concelho ..., desde meados de 2008 até 18-02-2020, data em que ficou sujeito à medida de coação de prisão preventiva no âmbito dos presentes autos. 2. A referida medida cessou os seus efeitos em 13-04-2020, data em que o arguido passou a integrar o agregado do seu progenitor.

  1. O ofendido BB nasceu a .../.../2005 e, desde 22/08/2013, reside, também naquele mesmo regime de acolhimento, na Fundação ..., a quem compete a respetiva representação legal.

  2. Por sua vez, o ofendido DD, nascido a .../.../2010, residiu igualmente sob o regime de acolhimento residencial na referida instituição, entre o primeiro trimestre de 2018 e 29/08/2019, data em que foi transferido para a ....

  3. Pelo menos desde 03-12-2020, passou o menor DD a residir com a sua mãe, GG, a quem compete a respetiva representação legal, no Bairro ..., ..., em ....

  4. O ofendido CC, nascido a .../.../2008, reside em regime de acolhimento residencial na mesma Fundação ..., desde 14/09/2017, a quem compete a respetiva representação legal.

  5. Em data não concretamente apurada do mês de janeiro de 2019, durante a noite, no interior das instalações da Casa de Acolhimento ..., o arguido dirigiu-se junto do ofendido BB, à data com 13 anos de idade, que se encontrava ao fundo de um corredor, deitado sobre um colchão que ali havia colocado diretamente no chão.

  6. Aí chegado, o arguido deitou-se naquele mesmo colchão, ao lado do ofendido BB e ordenou ao ofendido BB que retirasse as calças e cuecas e se deitasse no colchão de barriga para baixo, afirmando que, caso a isso se opusesse, o pisava e o agredia com murros no corpo, pelo que, este, amedrontado, acabou por obedecer.

  7. De imediato, o arguido despiu totalmente as suas calças e cuecas, colocou-se por trás e em cima do ofendido, de frente para as suas costas e, aproveitando o seu ascendente de força física, agarrou-lhe os braços com as suas mãos, manietando o ofendido BB e impedindo que este se conseguisse libertar, apesar dos seus esforços nesse sentido.

  8. Ato contínuo, o arguido introduziu o seu pénis erecto no ânus do ofendido BB, contra a vontade deste, e apesar de este se debater fisicamente para se libertar, o arguido efetuou, com a zona pélvica, movimentos contínuos de trás e para a frente, e manteve coito anal como mesmo, desconsiderando os pedidos do ofendido BB para o libertar e parar.

  9. Em dia não concretamente apurado do mês de Fevereiro de 2019, entre as 12h00 horas e as 14h00 horas, o arguido, aproveitando a ausência do monitor da instituição Fundação ... que tinha ido buscar o almoço, dirigiu-se ao campo de futebol daquela instituição onde estava o ofendido BB, sozinho, a jogar futebol.

  10. Uma vez nesse local, o arguido mandou o ofendido BB dirigir-se para uma zona recatada do parque e após confirmar que mais ninguém ali se encontrava, baixou as calças e cuecas do ofendido, despindo-o da cintura para baixo e, com o uso de força física, encostou-o à parede, colocando-se atrás deste, de frente para as suas costas.

  11. Em seguida, o arguido baixou também as suas calças e cuecas abaixo da zona dos joelhos e introduziu o seu pénis erecto no ânus do ofendido, contra a vontade deste, efetuando, com a zona pélvica, movimentos contínuos de trás para a frente, e manteve coito anal com o mesmo, enquanto exercia força sobre o ofendido de modo a impedi-lo de se libertar, 14. Em datas não concretamente apuradas, no período compreendido entre setembro de 2018 e 6 de junho de 2019, o arguido, num número não inferior a quatro e não superior a seis ocasiões diferidas no tempo, sentou-se num sofá, na Casa de Acolhimento ..., e chamou o ofendido CC, à data com dez anos de idade, para que se sentasse ao seu lado, o que este fez.

  12. Nessas circunstâncias, o arguido colocou as suas mãos nas nádegas do ofendido CC, apalpando-as sobre as calças que aquele trazia vestidas.

  13. Sendo que em datas não concretamente apuradas, mas também ocorridas entre Setembro de 2018 e 6 de Junho de 2019, nas demais circunstâncias referidas em 14 e 15, supra e em algumas dessas ocasiões o arguido pediu ao ofendido CC para lhe tocar e mexer no seu pénis e também lhe chegou a pedir colocar o seu pénis no interior da boca do ofendido, o que este recusou.

  14. Sabia o...

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