Acórdão nº 1/23 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. José João Abrantes
Data da Resolução06 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 1/2023

Processo n.º 1243/2022

1ª Secção

Relator: Conselheiro José João Abrantes

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Nos presentes autos, que correm termos na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, sob o número 2089/22.2YRLSB, o Ministério Público requereu a extradição para a República do Paraguai do cidadão natural desse país A., ora Recorrente – atualmente detido preventivamente em Estabelecimento Prisional – para efeitos de procedimento criminal, nos termos do artigo 50.º, n.º 2, da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de agosto (doravante designada por “LCJ”).

1.1.1. Procedeu-se à audição do Extraditando, nos termos do artigo 54.º da LCJ, tendo este declarado opor-se ao pedido de extradição e não renunciar ao benefício da regra de especialidade (cfr. fls. 34 e 35).

1.1.2. O Extraditando deduziu oposição ao pedido de extradição, cujos fundamentos foram contraditados pelo Ministério Público, ao abrigo do artigo 55.º, n.ºs 1 e 3, da LCJ.

1.1.3. Por despacho de 27 de setembro de 2022, a Desembargadora Relatora indeferiu as diligências de prova requeridas pelo Extraditando (cfr. artigo 57.º, n.ºs 1 e 2, da LCJ; e fls. 162).

1.1.4. Por acórdão proferido em 6 de outubro de 2022, o TRL decidiu autorizar a extradição do Extraditando para a República do Paraguai para aí ser julgado pela prática de um crime de homicídio doloso consumado, p. e p. pelo artigo 105.º da Lei Penal da República do Paraguai, com pena máxima abstratamente aplicável de 20 anos de prisão, e de dois crimes de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 26.º e 27.º da mesma Lei Penal da República do Paraguai, com a mesma pena (cfr. fls. 177 a 1187).

1.1.5. Inconformado, o Extraditando interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual veio a ser julgado improcedente, por acórdão 16 de novembro de 2022 (cfr. fls. 244 a 247).

Do referido aresto consta a seguinte fundamentação:

“[…]

O Direito

Questões a decidir:

a) Omissão de pronúncia.

b) Incumprimento do disposto no artigo 44.º/2/d) Lei 144/99.

c) Factos de verificação impossível.

1. AA, é a pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal pela Autoridade Judiciária da República do Paraguai, onde corre o processo n.º ...12, como Acta de imputation n.º 2 de 9 de Janeiro de 2103 -fls. 91 -, pela indiciada prática de factos ocorridos no dia 4 de Novembro de 2012, cerca das 02:30 horas, no Bairro ..., frente ao parque de merendas municipal, na cidade ..., departamento de ..., no Paraguai, consistentes em ter disparado uma arma de fogo, pistola, calibre 9 mm, contra CC, cidadão paraguaio, solteiro, de 24 anos de idade, DD, paraguaio, e EE , ..., maior de idade, todos domiciliados no Bairro ... da cidade ..., com o propósito de lhes retirar a vida, o que conseguiu relativamente ao primeiro, tendo as outras duas vítimas ficado feridas com gravidade.

2. A oposição que deduziu ao pedido de extradição foi julgada improcedente pelo acórdão do TRL de 6.10.2022, que decidiu autorizar a sua extradição para a República do Paraguai, para aí ser julgado pela prática de um crime de homicídio doloso consumado, p. e p. pelo artigo 105.º da Lei Penal da República do Paraguai, com pena máxima abstratamente aplicável de 20 anos de prisão, e de dois crimes de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo disposto nos artigos 26.º e 27.º da mesma Lei Penal da República do Paraguai, com a mesma penalidade.

3. Neste recurso suscita as seguintes questões: a) omissão de pronúncia; b) incumprimento do disposto no artigo 44.º/2/d) Lei 144/99 e c) factos de verificação impossível.

*

a) Omissão de pronúncia.

4. Diz o recorrente que no requerimento de oposição mencionou que a família do requerido é perseguida no Paraguai e no sul do ..., do que já resultou o assassinato do seu pai e do seu irmão mais velho, razão pela qual o requerido e o seu irmão sobrevivo tiveram que refugiar-se em ..., presumindo o arguido que este mandado possa ser um reflexo dessa demanda pela exterminação dos homens da família. Que o acórdão apenas se pronunciou acerca do risco de vida do arguido no .... Daí a omissão de pronúncia.

5. Dispõe o art. 379.º/1/c, CPP, que a sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, norma aplicável aos processos de extradição (art. 3.º/2, CPP). A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de outubro de 2012, processo n.º 2965/06.0TBLLE.E1, disponível em www.dgsi.pt ); conforme se assumiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de setembro de 2019 (Processo n.º 881/16.6JAPRT.P1.S1), ao STJ não compete conhecer de toda a argumentação aduzida, mas apenas chamar à colação os fundamentos para decidir das questões pertinentes e, se assim for, não existe qualquer nulidade de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.

6. O núcleo das questões a decidir numa situação de extradição passiva resulta do art. 32.º e 55.º, Lei 144/99. A alegação de que a família do requerido é perseguida no Paraguai e no sul do ..., do que já resultou o assassinato do seu pai e do seu irmão mais velho, razão pela qual o requerido e o seu irmão sobrevivo tiveram que refugiar-se em ..., sem qualquer outra concretização e sem sequer o mínimo indício probatório não passa de mera alegação. Não se sabe se a família do requerente e em que circunstâncias é perseguida e por quem, nem o requerente alegou factos para o tribunal poder aquilatar a validade da sua alegação. Se o requerente entende que é perseguição a ação da justiça do Paraguai, com base em factos tipificados como crime, não estamos perante perseguição, mas ação legítima da justiça estadual. A sua alegação «presumindo o arguido que este mandado possa ser um reflexo dessa demanda pela exterminação dos homens da família», pela sua gravidade, não se compadece com a ausência de qualquer concretização factual no sentido do tutelado pelo art. 6.º Lei 144/99; nada concretizando o arguido, não passa de mera alegação, insuscetível de averiguação. Sobre o requerido impendia o ónus de alegar factos bastantes para fundar e caracterizar a invocada perseguição, dado que não se trata de facto notório, de conhecimento público internacional. Só há questão a decidir se o recorrente suscitar pelo modo processualmente adequado uma questão, o que não ocorre, pois contentou-se o recorrente em concluir sem alegar os respetivos pressupostos. Sendo a alegação conclusiva insuscetível de averiguação, não foi omitida na decisão recorrida pronúncia sobre questão a decidir.

b) Incumprimento do disposto no artigo 44.º/2/d) Lei 144/99.

7. Diz o recorrente que o Estado requerente incumpriu o disposto no artigo 44º, n.º2, al. d) da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, no que toca ao envio das copias dos textos legais relativos à prescrição. Diz essa norma, sob a epígrafe «conteúdo e instrução do pedido de extradição», que ao pedido de extradição devem ser juntos os elementos seguintes (…) cópia dos textos legais relativos à prescrição do procedimento penal ou da pena, conforme o caso. Segundo o recorrente o Estado requerente não enviou copia legal do artigo 5º da Constituição Nacional, referido no artigo 102º, n.º 3 do Código Penal Paraguaio, que menciona, imprescritíveis os crimes previstos no artigo 5.º da Constituição Nacional. O que, no entender do recorrente, impede a apreciação cabal do regime jurídico vigente no Estado requerente da extradição, impedindo que o Estado Português, bem como o arguido, tomem conhecimento se aqueles crimes pelos quais o Estado do Paraguai requer a extradição se encontram ou não prescritos, ou melhor, se são ou não imprescritíveis.

8. O TRL reputou suficiente a informação enviada pelo que nada justificava um pedido complementar. Mesmo a existir uma qualquer omissão no procedimento instrutório pré decisório tal não configura nulidade. Ocorre que o pedido foi instruído com elementos suficientes para decidir a pretensão do Estado requerente. Acresce, como saberá o requerente, o art. 5.º da «Constitución de la República de Paraguay», conforme se colhe nos sítios https://siteal.iiep.unesco.org/sites/default/files/sit_accion_files/py_3054.pdf https://www.bacn.gov.py/CONSTITUCION_ORIGINAL_FIRMADA.pdf , ao dispor que «El genocidio y la tortura, así como la desaparición forzosa de personas, el secuestro y el homicidio por razones políticas son imprescriptibles » não se aplica ao caso pois a ação imputada ao requerente não tem na sua base «razones políticas» e o prazo normal de prescrição ainda não se escoou.

c) Factos de verificação impossível

9. Finalmente, diz o recorrente que o documento de fls. 159 refere dois documentos inexistentes nos autos, bem como alude a factos de verificação impossível. Sem razão, porém. A suficiência dos elementos constantes dos autos de extradição é patente, obedecendo ao estatuído no art. 23.º da Lei 144/99, conforme já referido. Quanto ao «documento A.I N.29, com data de 18 de janeiro de 2010», referente à revelia do requerente nos autos, constando do mesmo uma data anterior à da prática dos factos, encurtando razões, diremos o seguinte:

a) O documento onde se refere a data questionada é uma tradução;

b) Se o recorrente melhor ponderasse e atentasse na cópia (fls. 99) que serviu de base à...

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