Acórdão nº 0538/14.2BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

AA, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, em 11 de maio de 2022, que julgou improcedente impugnação judicial, apresentada, no seguimento de formação de ato de indeferimento tácito de reclamação graciosa, contra atos de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes aos anos de 2012 e 2013, no valor de € 5.665,41.

O recorrente (rte) produziu alegação e concluiu ( Na sequência de convite, do relator, para serem sintetizadas/reduzidas as conclusões, inicialmente, formuladas.): « a) A sentença recorrida erra ao entender o poder jurisdicional de exercício da imperii jurisdiccio como podendo existir sem que a jurisdição não corresponda a uma concretização funcional do poder de soberania do Estado, atribuído constitucionalmente ao órgão constitucional “Tribunais” e que nenhum outro órgão a pode exercer, nos termos dos art.ºs 110.º e 111.º da CRP; b) Ao contrário do entendido na sentença recorrida, o objecto da jurisdição exercida pelo órgão de soberania “Tribunais” não constitui a prestação de um qualquer serviço a quem a eles acede, no exercício do seu direito constitucional de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.º 20.º da CRP; c) A decisão do tribunal externa o exercício do seu poder de soberania e mediante a jurisdiccio ou função jurisdicional administra a justiça do caso, em nome do povo: em ponto algum da sua natureza constitucional é possível vislumbrar que essa função se concretize no exercício de uma qualquer actividade económica ou a título oneroso, mesmo que de tipo subjectivo; d) A Constituição prevê a existência de diversas categorias de tribunais, no seu artigo 209.º, n.ºs 1 e 2, destrinçados em função da hierarquia dentro da parcela material da jurisdição específica atribuída em cada ordem de tribunais, da natureza da matéria abrangida na jurisdição, do seu carácter institucional, da natureza da sua matéria e do respectivo valor da causa: todos eles são, todavia, órgãos soberanos e independentes e apenas estão sujeitos à lei e julgam segundo a lei (art.º 203.º da CRP), afora a ressalva de a lei, nos tribunais arbitrais voluntários, poder estabelecer que o tribunal arbitral possa julgar a causa com base na equidade (cfr. art.º 39.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária n.º 63/2011, de 14 de Dezembro); e) Ao proceder à enunciação das diferentes categorias dos tribunais, a Constituição, nos art.ºs 202.º e 209.º, não estabeleceu qualquer diferença de natureza das parcelas de soberania atribuídas a cada uma dessas categorias de tribunais, sendo todos eles órgãos de soberania com competência para a administrar a justiça em nome do povo sobre as matérias incluídas na sua função jurisdicional específica, ao contrário do que está pressuposto no arrazoado da sentença recorrida; f) A sentença recorrida incorre em grave erro de interpretação jurídica ao converter os tribunais administrativos e fiscais institucionais do Estado em únicos órgãos de soberania para o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas e fiscais (art.º 212.º, n.º 3 da CRP), embora acabe, incongruentemente, por admitir que os tribunais arbitrais em matéria tributária, sobre as matérias sobre as quais podem decidir, se possam considerar como órgãos que exercem a função jurisdicional através dos juízes arbitrais; g) Este entendimento da sentença recorrida assenta no errado pressuposto de o legislador ordinário - ao exercer a competência legislativa constitucional sobre a organização e competência das categorias dos tribunais competentes para o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas e fiscais -, não poder institucionalizar, a título alternativo ou complementar, os tribunais arbitrais em matéria tributária, mas estando antes obrigado a prosseguir um sistema de unicidade de organização da categoria dos tribunais administrativos e fiscais que sejam órgãos titulares de poder de soberania; h) Ora, o certo é que a previsão dos tribunais administrativos e fiscais enquanto tribunais institucionais do Estado para o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas e fiscais apenas obriga a que os mesmos sejam os órgãos preponderantes do sistema dos tribunais para o conhecimento desses litígios; i) Um dos limites constitucionais objectivos da institucionalização dos tribunais é o de que o poder de soberania, alternativa e subsidiariamente exercido, nunca pode estar enfeudado a qualquer actividade económica, seja ela exercida por quem for, por afrontar directamente os princípios constitucionais da independência e a subordinação imediata à e na aplicação da lei; j) Sendo a soberania do Estado una e indivisível e residindo a mesma no povo que a exerce segundo as formas previstas na Constituição (art.º 3.º, n.º 1 da CRP), entre as quais se contam os tribunais arbitrais em matéria tributável, não é possível, ao contrário do que aventa a sentença recorrida, ver nos serviços administrativos prestados pelo centro de arbitragem – o CAAD – de apoio logístico ao funcionamento do tribunal arbitral em matéria tributável, a existência de uma qualquer prestação de serviço de administração de justiça entre o juiz árbitro e o referido centro de arbitragem; k) O CAAD é apenas um órgão, de utilidade pública e sem fins lucrativos, sob a forma de instituto de direito privado, que presta outros serviços aos acedentes à justiça arbitral tributária (que pode ser ele próprio), serviços esses de coadjuvação auxiliar ao funcionamento dos tribunais arbitrais em matéria tributária, nos termos possibilitados pelos art.º 202.º, n.º 3 e 165.º, n.º 1, alínea p) da CRP; l) Não existe entre o CAAD e os juízes arbitrais em matéria tributária (cfr. art.ºs 6.º e 11.º do RJAT) qualquer relação que traduza a existência entre eles de uma organização ou de actividade económicas, de produção, de comercialização ou de prestação de serviços que seja autónoma ou desconexada da sua função de coadjuvação na administração da justiça; m) A concepção da actividade dos juízes dos tribunais arbitrais, ao procederem à condução, tramitação e decisão do processo de arbitragem enquanto traduzindo a prestação de um serviço cujo adquirente é o CAAD – como vê a sentença recorrida – equivale a admitir que o CAAD adquire, por força dos honorários que o juiz arbitral recebe e que provêm da taxa de justiça recebida por aquele centro para tal fim, a parcela de soberania decorrente das decisões proferidas por eles, mormente a sua imperatividade e coactividade, mesmo perante o Estado, quando este sai vencido; n) A sentença recorrida deixou-se, erradamente, impressionar com o facto de os honorários dos árbitros lhes serem entregues pelo CAAD, mas desconsiderando totalmente que os mesmos têm por única fonte legal e financeira a taxa de justiça da arbitragem cuja cobrança lhe foi autorizada pelo legislador, no art.º 12.º do RJAT, sendo que “o seu valor, fórmula de cálculo, base de incidência objectiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa” e tem por escopo único suportar, sem intenção estatutária da obtenção de quaisquer lucros, os gastos institucionais decorrentes da tramitação do processo arbitral e os honorários dos juízes-árbitros; o) A taxa de arbitragem cobrada pelo CAAD, a que alude o art.º 12.º do RJAT, só, pode ser entendida, numa parte, enquanto contravalor das prestações prestadas pelo CAAD referentes aos serviços que ele presta directamente no processo arbitral, como sejam os gastos com o seu pessoal, papel, equipamentos, comunicações e notificações, etc. e, noutra parte, como um encargo directamente destinado ao pagamento dos honorários dos juízes-árbitros que compõem o tribunal arbitral; p) Essa sua natureza está expressa no fato de a taxa de arbitragem apenas ser devida pela constituição do tribunal arbitral (art.º 12.º do RJAT,) e não pela apresentação do pedido de arbitragem no CAAD, e obedecendo a sua fixação aos elementos expressos na lei, resulta evidente que ela tem, directa e imediatamente, em vista o pagamento dos honorários dos juízes-árbitros e dos encargos administrativos ou logísticos que a tramitação institucional do processo arbitral; q) Ao contrário do suposto pela sentença recorrida, o arrazoado do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/86, de 12 de Setembro, publicado no Diário da República n.º 210/1986, Série I, de 12-09-1986, cuja posição foi seguida nos outros arestos identificados, que foi convocado pela sentença recorrida, não nega o fundamento constitucional de que os tribunais arbitrais (em matéria tributária) são órgãos de soberania que administram justiça em nome do povo; r) A questão a que respondem é outra, qual seja a de saber quais os órgãos de soberania que exercem a função jurisdicional em termos constitucionalmente estatutários, ou seja, quais os tribunais judiciais ou estaduais que existem permanentemente para dar cumprimento à garantia dos cidadãos do acesso aos tribunais e à administração da justiça e a cuja organização e competência se refere a Constituição nos art.ºs 202.º a 214.º e cujo estatuto dos magistrados está também enunciado constitucionalmente; s) Quando proferem decisões sobre a tramitação do processo arbitral, sobre questões interlocutórias que nele se coloquem ou conhecem do mérito da causa, no processo, os juízes arbitrais em matéria tributável designados nos termos do RJAT não realizam, ao contrário do defendido pela sentença recorrida, uma prestação de serviços, a título oneroso, e na qualidade de sujeito passivo de IVA e agindo como tal, e os honorários que recebem não são um contravalor, mesmo subjectivo, do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT