Acórdão nº 01761/15.8BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO X RELATÓRIO XO DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.104 a 130 do processo físico, a qual julgou procedente a presente impugnação intentada pela sociedade recorrida, "B..., S.A.", tendo por objecto a liquidação adicional de I.R.C. e respectivos juros compensatórios, sendo relativa ao ano fiscal de 2011 e no valor total de € 9.587.535,39.

XO recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.145 a 164-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões: a-A Fazenda Pública não se conforma que o Tribunal “a quo” tenha considerado que não se aplica a limitação prevista no art. 45° n.° 3 do CIRC às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do art. 18° n.° 9 al. a) do CIRC.

b-O sentenciado não tomou em consideração a natureza dos ativos financeiros que estão na origem das perdas por justo valor, ou seja, desconsiderou o sentenciado que o regime legal previsto na al. a) do n.° 2 do art. 57° da Lei n.° 53-A/2006, veio permitir que uma concreta parte dos ativos das sociedades sejam mensurados ao justo valor, em oposição ao custo histórico, ou valor de aquisição, conforme vigorou até à entrada em vigor do referido regime legal.

c-Ou seja, até à ocorrência desta alteração legislativa, as perdas por justo valor não eram simplesmente aceites como custos fiscais, a partir daí veio admitir-se que as variações patrimoniais dos ativos e passivos financeiros mensurados pelo justo valor, nomeadamente, as perdas por justo valor, em participações inferiores a 5% do capital social, pudessem concorrer para a formação do lucro tributável.

d-Posteriormente, visando a adaptação do CIRC ao SNC, através do Dec. Lei n.° 159/2009, o art. 18° n.° 9 al. a) do CIRC, veio admitir que os ajustamentos resultantes da aplicação do justo valor sejam considerados ganhos por aumentos de justo valor ou perdas por redução do justo valor.

e-Contudo, afigura-se que o legislador, ao ter previsto sob a al. a) do n.° 9 do art. 18° do CIRC, que concorrem “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, os “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, tenha pretendido, nesse caso, pôr fim ao tratamento desigual das variações positivas e negativas, previsto no n.° 3 do art. 45.° do CIRC.

f-Dado que, somente desta forma é concretizado um tratamento mais equitativo das perdas decorrentes de todas as operações que envolvem partes de capital, de forma, a não distinguir, apenas as resultantes de transmissão onerosa.

g-“In casu”, a regulamentação especial e a geral completam -se ou complementam-se, pois, não obstante a perda seja aceite nos termos da al. a) do n.° 9 do art. 18° do CIRC, tem, ainda, na mesma, de passar pelo crivo do art. 45° n.° 3 do CIRC.

h-É certo ainda que, aquando a introdução do n.° 9 do art. 18° do CIRC (pelo DL n.° 159/2009, de 13/07), o n.° 3 do ex art. 42° do CIRC (atual art. 45°), que já existia no CIRC, não foi alterado, pelo que o mesmo se aplicaria em termos idênticos à situação de reconhecimento financeiro quando dissessem respeito a instrumentos de capital próprio.

i-Pois atente-se que, o n.° 3 do art. 45° do CIRC limita-se a considerar todas as perdas relativas a partes do capital ou outras componentes do capital próprio, sem qualquer ressalva das perdas por justo valor de quaisquer instrumentos financeiros através de resultados, considerados fiscalmente relevantes nos termos do CIRC, como refere o art. 5° n.° 1 do Dec. Lei n.° 159/2009.

j-Dos parágrafos 76 e 77 da Estrutura Conceptual do SNC resulta que “A definição de gastos engloba perdas assim como aqueles gastos que resultem do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) da entidade. (...)” e no CIRC, após as alterações preconizadas pelo Dec. Lei n.° 159/2009, os conceitos “custos e perdas” são simplesmente substituídos por “gastos” no CIRC (art. 8° n.° 2 al. f) do identificado diploma legal).

k-Afigura-se que o art. 45° n.° 3 do CIRC inclui todas as perdas relativas às partes de capital, quer a diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas, quer outras perdas potenciais, como por exemplo, os gastos resultantes da aplicação do justo valor.

l-Não se nos afigura relevante a consideração feita pela lei fiscal entre gastos e perdas a propósito das duas normas em apreciação, porquanto na noção de gastos e da enunciação, a título exemplificativo dos mesmos descritos nas diversas alíneas do art. 23° do CIRC se refere a gastos e perdas, pelo que a mera referência a perdas feita no n.° 3 do art. 45° do CIRC não permite a conclusão de que não pretende abranger tais gastos, sob pena de todos os gastos previstos no n.° 9 do art. 18° do CIRC se encontrarem excluídos daquela limitação de dedutibilidade, o que não foi notoriamente o pretendido pelo legislador fiscal ao mencionar tais perdas.

m-A decisão arbitral proferida pelo CAAD, no processo n.° 96/2016-T, de 26/10/2016, confirma este entendimento, conforme, sinteticamente, se reproduz: “100. Ora, da simples interpretação dos textos normativos relevantes, na sua redação à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital, e, bem assim, as perdas associadas à alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor (as quais, nos termos do artigo 46.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRC, não são consideradas como mais-valias) cabem no âmbito do artigo 45.°, n.° 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor (no período de tributação em análise).” n-Ainda sem conceder, as decisões proferidas pela jurisprudência arbitral (CAAD - processos n.°s 87/2016 -T, de 29/10/2016, e 25/2015-T, de 24/09/2015, e ainda o voto de vencido dado no processo n.° 30/2015-T, de 11/12/2015) defendem que se “sobrevaloriza a dicotomia dos termos “gastos” e “perdas”, pois “no processo de adaptação aos novos conceitos do SNC, é possível identificar diversas imprecisões terminológicas” e “se o legislador tivesse pretendido dar um tratamento diferente às perdas resultantes da aplicação do justo valor não poderia deixar de ter alterado a redacção da norma em conformidade”.

o-Discorda-se ainda do sentenciado, por se afigurar que a opção pelo justo valor, com a consequente não aplicação da limitação prevista no art. 45° n.° 3 do CIRC, não afasta de forma alguma as razões de prevenção da fraude e evasão fiscal, que foram algumas das preocupações do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico-fiscal o ex art. 42° n.° 3 (atual art. 45°) do CIRC, pela Lei n.° 32- B/2002, para além ser uma medida de moralização, neutralidade e de consolidação orçamental, e que as manteve ao alterar a redação daquele preceito através da Lei n.° 60-A/2005.

p-Conforme ficou melhor demonstrado na alínea 14) das alegações, e seguindo os entendimentos dos autores ali referidos, a mensuração pelo justo valor revela incertezas, com reflexos na realidade económica, e com repercussões nas receitas fiscais, além de que a subjetividade inerente à contabilização pelo justo valor gera uma maior dificuldade do controlo da sua operacionalidade para efeitos fiscais.

q-Acrescidamente, atente-se ainda ao conteúdo do decidido no Tribunal Arbitral: “- A certeza e objectividade do valor encontrado no mercado, ainda que regulado, não é de todo imune a manipulações, como é comprovado por episódios de que a imprensa internacional tem feito eco; - O limite de 5% na detenção de participações previsto para consideração do justo valor, permite aplicação do preceito a avultados investimentos, com consequências imprevisíveis para as receitas fiscais, nomeadamente em período de crise financeira e bolsista; - Mantém-se situações, mesmo nos casos de aplicação de valores considerados objectivamente determinados no mercado, em que se aplica a solução de tratamento desigual dos resultados negativos e positivos previstos no art. 45°, n° 3, como seja o das situações de alienação em mercado regulamentado, em que as perdas se reflectem no lucro tributável apenas no momento da realização, como nos casos de participação superior a 5% ou da opção pela não aplicação da NCRF 27 (cf. nota 9).” (Decisão do CAAD proferida no proc. n.° 25/2015-T, supra melhor identificada).

r-A interpretação, segundo a qual, as perdas por justo valor aqui em causa, se subsumem no âmbito de previsão do art. 45° n.° 3 do CIRC, preconiza, por um lado, um tratamento mais igualitário relativamente às mais e menos-valias, uma vez que, sob certas circunstâncias, estas contribuem para o apuramento do lucro tributável em apenas 50% do seu valor, e, por outro lado, concretiza um tratamento mais equitativo das perdas decorrentes de todas as operações que envolvem partes de capital, de forma, a não distinguir, apenas as resultantes de transmissão onerosa.

s-As variações negativas pelo justo valor apenas concorrem para o lucro tributável em 50% do seu valor, nos termos do art. 45° n.° 3 do CIRC, conforme alguns autores conhecedores do “thema” têm manifestado.

t-“Pela leitura daquele preceito, e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os activos financeiros ora em análise, apenas relevarão para efeitos fiscal em metade do seu valor.” (“O Justo Valor e o Código do IRC”, constante nas págs. 201 e 202 da Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, Número 4...

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