Acórdão nº 11/21.2T8CDN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução13 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório “EDP DISTRIBUIÇÃO - ENERGIA, S. A.”, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da R.: «(…) a pagar à Autora, a título de indemnização por factos ilícitos, a quantia de € 6.844,50 (seis mil, oitocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor, contados desde a data da citação da Ré até efectivo e integral pagamento» (cfr. fls. 9 v.º do processo físico).

Alegou, para tanto, no essencial: - residir a R. no local de consumo n.º 1382720, correspondente à instalação de consumo de energia elétrica sita em ..., ..., ..., ..., desde, pelo menos, 30/09/2007, uma vez que foi titular ali de um contrato de fornecimento de energia elétrica que teve início em 30/07/2007 e cessou em 08/09/2011; - tal instalação é atualmente abastecida de energia elétrica por força de um contrato de fornecimento – com início em 16/10/2014 e que ainda se mantém em vigor – celebrado entre o comercializador a operar no mercado livre “EDP Comercial - Comercialização de Energia, S. A.” e a R.; - Em 16/09/2014 foi efetuada uma vistoria – numa altura em que a R. não era titular de qualquer contrato de fornecimento de energia elétrica para o local –, através de equipa técnica da A., tendo os técnicos verificado que o contador estava ligado sem contrato (isto é, auto-ligado), o que consubstancia um crime de furto, por ter ocorrido procedimento voluntário destinado a possibilitar a fruição de energia elétrica de forma ilimitada e sem qualquer medição (o contador foi violado, mediante manipulação das ligações); - o DCP (dispositivo de controlo de potência) é um equipamento pertença da A., destinado a controlar e limitar a potência que é disponibilizada à instalação, sendo que o facto de o mesmo se encontrar fora de serviço permitia à R. consumir energia sem controlo ao nível de potência, usufruindo-a de forma ilimitada; - a manipulação e adulteração do contador, permitiu a ilícita apropriação de energia elétrica, contra a vontade da A., sem qualquer pagamento, prejudicando esta e enriquecendo a R., a qual, por si só ou com a ajuda de outrem, efetuou a ligação direta da rede pública de distribuição à sua instalação particular, usando a energia consumida em seu proveito; - o processo-crime movido contra a R. foi arquivado, subsistindo, porém, os danos decorrentes da conduta ilícita da R., correspondentes a um período de utilização abusiva, perfazendo o montante peticionado, que a R. não pagou, apesar de interpelada para o efeito, sendo que se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil a que alude o art.º 483.º, n.º 1, do CCiv..

A R. contestou, invocando a prescrição e defendendo-se por impugnação, âmbito em que alegou: - já ter decorrido o prazo prescricional; - desconhecer, ou não ser verdadeira, no essencial, a factualidade alegada pela A.; - ser proprietária de uma casa na ..., que não é sua primeira habitação, sendo que nunca procedeu a qualquer violação ou adulteração, tanto mais que a casa não é habitada – apenas a R. se desloca ali, esporadicamente, para passar fins de semana –, e sendo ainda que o processo-crime resultou arquivado.

Pugnou pela total improcedência da ação.

Respondeu a A., em matéria de exceção, concluindo pela sua total improcedência.

Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que se considerou nada obstar ao conhecimento de meritis, com relegação para final do conhecimento da deduzida matéria de exceção e com dispensa de definição do objeto do litígio e dos temas da prova.

Procedeu-se à realização da audiência final, com produção das provas, seguida da prolação de sentença, na qual a ação foi julgada totalmente improcedente, com a consequente absolvição da R. do pedido.

Da sentença vem a A., inconformada, interpor o presente recurso, incidente sobre a decisão da matéria de facto e de direito, apresentando alegação e as seguintes Conclusões ([1]): «1. Desde logo, a Autora, aqui Recorrente, não se conforma com a decisão que versou sobre a matéria de facto, porquanto, foi dado como provado um facto que não deveria ser assim considerado e não foram dados como provados factos que o deveriam ter sido.

  1. Nos presentes autos foi decidido dispensar a elaboração de despacho nos termos e para os efeitos do art.º 596º, n.º 1 do CPC, tal como resulta da própria sentença.

    Dos factos que deveriam ter sido dados como provados e não o foram 3. É entendimento da Recorrente que, fazendo uma criteriosa análise e conjugação da prova documental e testemunhal carreadas para os autos deveria ter-se considerado também como provado, na sentença proferida, os seguintes factos: 1) que a energia electrica se encontrava ligada na instalação através de uma auto-religação ilícita no cabo de rede aérea; 2) e que os equipamentos de contagem são deixados no local de consumo com o propósito de despistar comportamentos fraudulentos.

  2. Sendo que, a especificidade do procedimento fraudulento que despoletou estes autos, ou seja, que ocorreu uma auto-religação ilícita no cabo da rede aérea que fornecia energia para a instalação sita na ..., deverá dar-se por provada pela conjugação dos depoimentos credíveis e irrepreensíveis de todas as testemunhas da Autora/Recorrente acima transcritos (em concreto dos técnicos que executaram a vistoria), com o documento junto sob o doc. n.º 3 (o auto de vistoria).

  3. Não só, como foi genericamente dado como provado, pelo Tribunal a quo, que ocorreu uma fraude nos equipamentos da instalação.

  4. Para além disto, também o Tribunal deveria ter considerado como provado que os equipamentos de contagem (contador, DCP, etc.) são deixados nos locais de consumo com o propósito de despistar comportamentos fraudulentos, 7. pois assim foi concretamente explicado pela testemunha BB aquando do seu depoimento.

    Do facto que foi dado como provado e não o deveria ter sido 8. Acresce que, o Tribunal a quo deu como provado que a casa da ... não é habitada.

  5. Ora, com o devido respeito, este facto não deveria ter sido dado como provado, 10. porquanto o Tribunal firmou a sua convicção, para assim decidir, nos depoimentos de CC e de DD e no facto de ser a posição processual da Ré/Recorrida.

  6. Mas, na verdade, dos depoimentos das testemunhas indicadas resulta algo diferente, ou seja, que ainda que a referida habitação não seja habitada de forma permanente, desde data não concretamente apurada, a mesma é habitada/frequentada ainda que esporadicamente, como habitação de fim-de-semana/férias pela Ré/Recorrida, o que até é confessado por esta, como melhor concretizaremos mais adiante.

    Dos factos dados como não provados que mereciam decisão diversa da acolhida na sentença aqui em sindicância 12. Por sua vez, entende a Recorrente, mais uma vez em resultado da conjugação de prova documental (documento n.º 1 junto com a petição inicial), com prova testemunhal (nomeadamente dos depoimentos de EE e de CC, cujos excertos acima transcritos), 13. bem como da confissão da Recorrida, em sede de contestação (artigo 8º), 14. que, para além do facto provado em 7 (dos factos provados) - de a Ré/Recorrida ter sido titular de um contrato de fornecimento de electricidade, para a instalação aqui em crise, entre 30.07.2007 e 08.09.2011 15. terá que ser dado como provado que celebrou, também para esta instalação, em 16.10.2014, um novo contrato de fornecimento de energia electrica, com o comercializador Goldenergy, que se encontra actualmente em vigor.

  7. Já no que, em concreto, diz respeito ao facto de ter sido considerado como não provado que a Ré/Recorrida, só por si ou com a ajuda de outrem, ou de alguém a seu mando, efetuou a ligação direta da rede pública de distribuição à instalação particular identificada no facto provado supra sob o no 5, apropriando-se de energia elétrica que consumiu em seu proveito, 17. E sem nos perdermos aqui com o que se afigurará por interpretação e aplicação correcta da respectiva legislação, 18. Entende a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo, e que o mesmo tem que ser dado como provado, 19. em face do que decorre do n.º 2 do art.º 1º do Decreto-Lei n.º 328/90 de 22 de Outubro: “2 - Qualquer procedimento fraudulento detectado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia eléctrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor. “ – negrito e sublinhado nosso – e porque a Ré/Recorrida não logrou afastar a presunção.

  8. Mas também porque, resulta confessado pela Recorrida (artigos 3º e 12º da sua contestação), ficou apurado no processo-crime, que contra a mesma correu termos e foi corroborado pela testemunha CC, que aquela é a proprietária do imóvel correspondente à instalação aqui em crise, 21. E ainda porque, resulta provado, pelos depoimentos de BB e do técnico FF que a ligação abusiva fornecida energia exclusivamente, para o indicado imóvel (propriedade da Ré/Recorrida.

  9. Veja-se, a título de exemplo, que o entendimento da Recorrente é o que consta do Acórdão proferido no proc. n.º 558/19.0T8ETR.P1, em 08.06.2021, pelo Tribunal da Relação do Porto, in www.dgsi.pt, bem como do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27.03.2017, também in www.dgsi.pt.

  10. Por fim, como acima já mencionado pela Recorrente, foi dado, a nosso ver erradamente, como provado que a casa da ... (onde foram apurados os factos) não é habitada, tendo sido ainda dado como não provado que a Ré se desloca ao imóvel onde foram detectados os factos ilícitos, ainda que esporadicamente, para ali passar fins-de-semana ou “efectuar limpezas”.

  11. Ora, antes de mais, haverá que referir aqui novamente que, no artigo 12º da contestação a ali Ré, aqui Recorrida expressamente refere: “Apenas se desloca esporadicamente ali para passar fins de semana, ou efectuar limpezas, contando-se...

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