Acórdão nº 80/19.5GASJP.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2022
Magistrado Responsável | ANA CAROLINA CARDOSO |
Data da Resolução | 13 de Dezembro de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acórdão deliberado em conferência na 5ª seção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra 1. Relatório A arguida/assistente AA interpôs recurso da decisão que rejeitou o requerimento de abertura de instrução no processo n.º 80/19....
, do juízo de instrução criminal da Comarca ... (Juiz ...).
1.1. Recurso da arguida (conclusões): «1. A recorrente foi notificada pelo tribunal via postal registada do conteúdo da acusação e que dispõe do prazo de vinte dias contados a partir da data da notificação e nos termos do art. 287 do CPP, para requerer a abertura de instrução e SE NADA REQUERER DEVERÁ ENTÃO comparecer no juízo de proximidade a fim de ser ouvido em audiência de julgamento; 2. Nestes termos e respeitando a notificação do tribunal, a recorrente requereu nos vinte dias seguintes a ter recebido a mesma, a abertura de instrução que consta dos autos, fê-lo no dia 28.10.2021, pagando multa processual do art. 107-A do CPP, logo tempestivamente- que vai junto.
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De facto e de direito, a assistente/arguida respeitou o teor e prazo atenta a notificação, pelo que o requerimento de abertura de instrução é tempestivo.
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Na sentença em crise do Tribunal de instrução que julgou o requerimento de abertura de instrução intempestivo, está aceite que existe lapso na notificação pelo oficial de justiça, e que a mandatária equivocada por tal notificação que a induziu em erro veio a apresentar requerimento de abertura de instrução, mas que tal não confere à recorrente o direito a requerer a abertura de instrução.
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Ora, o erro é do tribunal, não da assistente ou da mandatária.
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Nos termos do artigo 157, n.º 6 do CPC os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.
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Esta norma constitui emanação do principio da segurança jurídica e da proteção da confiança e do principio da transparência e da lealdade processuais, indissociáveis de um processo justo e equitativo.
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A regra do art. 157, n.º6 do CPC aplicasse ao processo penal por força do art. 4.º do CPP, significando que a parte não pode ser prejudicada por erro da secretaria judicial, implica que o ato da parte que cumpriu a notificação que lhe foi dirigida não pode EM QUALQUER CASO ser recusado ou considerado nulo, dado que foi praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria judicial, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido, pois que essa contrariedade foi ditada pela própria secretaria judicial.
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Nestas situações é entendimento generalizado da doutrina e jurisprudência (por ex. acórdão do STJ no processo 88/16.... e acórdão do TC n.º 719/04) que o prazo assim indicado para a pratica de um ato processual, se o foi pela secretaria judicial que não o corrigiu sequer em qualquer momento, tem a conformidade de ser permitido à parte apresentar o ato processual ,ademais atento o concreto teor da notificação aqui em causa.
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A assim não se entender, estar-se-á a violar também o art. 2.º e 20.º da CRP, deve-se confiar nos atos dos funcionários judiciais praticados no processo enquanto agentes que são do tribunal e enquanto os mesmos não forem revogados ou modificados, é o principio da confiança ínsito no principio do Estado de direito democrático.
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O tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação da lei, violando o disposto nos artigos 157, n.º6 do CPC, art. 4.º do CPP e artigos 2.º e 20.º da CRP» 1.2.
Na resposta apresentada, o Ministério Público pugna pela manutenção da decisão recorrida, concluindo que: “Apesar de não existir qualquer decisão judicial ou qualquer suporte legal para concessão de novos prazos, como bem sabia a ilustre mandatária da assistente, esta tentou trazer pela janela aquilo que deixou fugir pela porta”.
1.3.
O Exmo. Juiz a quo sustentou a decisão recorrida, referindo, nomeadamente: “A recorrente, repete-se, foi oportuna e regularmente notificada do teor do despacho final proferido pelo Ministério Público, conformando-se com o mesmo.
E quando foi notificada, já em fase de julgamento, do recebimento da acusação e nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 313.º e 315.º do Código de Processo Penal, é que imaginou que, afinal, o seu direito de requerer a abertura de instrução havia sido repristinado, apenas por que dali se fez constar, por flagrante equívoco, mais alguns dizeres… O princípio da segurança jurídica ficaria sim abalado se a recorrente, no caso, pudesse requerer a abertura de uma fase processual já ultrapassada.
A recorrente em rigorosamente nada foi prejudicada.
” 1.4.
No parecer a que alude o art. 416º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a Exma. Procuradora-geral Adjunta acompanhou a resposta do Ministério Público, rematando da forma que segue: “E assistiria razão à assistente, não se tivesse dado o caso de ter sido notificada uma primeira vez para o fim que agora pretende – a abertura de instrução.
Notificação essa que não continha, então, qualquer lapso ou acrescento indevidos.
Porém, a notificação que põe em causa foi feita no âmbito e para os fins do disposto no artigo 313.º do código de processo penal, sendo que nela se fez incluir, para além do mais, e por manifesto lapso, um primeiro parágrafo onde se indicava um prazo de 20 (vinte) dias para requerer a abertura de instrução.
A assistente bem sabia que o ali escrito a mais estava incorreto, em razão da primeira notificação recebida.
Há, assim, clara intenção de obter benefício, não legítimo, pela via de um lapso evidente.
Nestas circunstâncias, e como bem promovido e decidido no processo, aquele lapso não lhe pode conferir um novo direito a requerer a abertura de instrução.
” * 2. Questões a decidir no recurso O objeto do recurso encontra-se limitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo da necessidade de conhecer oficiosamente a eventual ocorrência de qualquer um dos vícios referidos no artigo 410º d...
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