Acórdão nº 855/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 855/2022

Processo n.º 1118/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são reclamantes A. e B. e reclamado o Ministério, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do despacho proferido em 18 de outubro de 2022, que não admitiu o recurso interposto para este Tribunal.

2. Por acórdão proferido em 22 de junho de 2022, o Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente o recurso interposto pelas ora reclamantes do acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 2 de março de 2022, tendo por objeto a dosimetria das penas aplicadas. Este acórdão, por sua vez, julgou improcedente o recurso interposto do acórdão proferido em primeira instância, que condenou a recorrente A,, pela prática de dois crimes de furto simples, na forma tentada, oito crimes de furto qualificado, um crime de roubo simples, cinco crime de roubo qualificado, sendo dois na forma tentada, na pena única de dez anos de prisão, e a recorrente B., pela prática de um crime de furto simples na forma tentada, seis crimes de furto qualificado, um crime de roubo simples, na forma tentada e cinco crimes de roubo qualificado, dois na forma tentada, também na pena única de dez anos de prisão.

2.1. Inconformadas, as ora reclamantes arguiram a nulidade, por omissão de pronúncia, do referido acórdão, suscitando a inconstitucionalidade do artigo 125.º do Código de Processo Penal, por permitir a utilização como prova de dados de localização por GPS dos veículos por elas utilizados, e peticionando ainda a remessa dos autos à 1.ª instância para a elaboração de novo acórdão, expurgado dos meios de prova alegadamente “afetados” por tal inconstitucionalidade, na sequência de publicação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19 de abril.

2.2. Através do acórdão de 28 de setembro de 2022, o Supremo Tribunal de Justiça julgou integralmente improcedente a reclamação, indeferindo a nulidade e o pedido de envio dos autos à 1.ª instância.

3. As ora reclamantes interpuseram, então, recurso para este Tribunal, fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, através de requerimento com o seguinte teor:

«C., recorrente B. e A., arguidas no processo à margem referenciado e aí melhor identificado, não se conformando com o Douto Acórdão proferido por este Colendo Tribunal, vem do mesmo interpor RECURSO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 75.º-A da LTC.

O presente RECURSO deverá ser admitido a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo (artigo 78.º, n.º 4 da LTC), porque interposto por sujeito dotado de legitimidade (artigo 72.º, n.º 1 al. b) e n.º 2 da LTC) de decisão recorrível (artigo 70.º, n.º 1 al. b) da LTC

A questão de constitucionalidade suscitada é a seguinte:

Suscitar a INCONSTITUCIONALIDADE do artigo 125º do CPP, por permitir a utilização, como prova, de dados de localização por GPS dos veículos utilizados pelos arguidos:

1. Na decisão condenatória foram utilizados como meio de prova, ao abrigo do disposto no artigo 125º do CPP, dados de localização por GPS de vários veículos alugados pelos arguidos junto de empresas de rent-a-car.

2. Tal sucede, pelo menos, com os casos relativos aos NUIPC 32/18.2GICTB, 49/19.0GBAW, 77/19.5GAENT e 309/19.0GBMFR;

3. Tais dados, particularmente relevantes em termos probatórios quanto aos NUIPC 77/19.5GAENT e 309/19.0GBMFR, foram conservados pelas empresas de rent- a-car onde os veículos, equipados com sistema de localização por GPS, foram alugados e permitiram reconstituir os percursos efectuados pelos arguidos.

4. Recentemente (já após se encontrarem pendentes os recursos interpostos perante este Supremo Tribunal), foi publicado o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022, onde se decidiu o seguinte:

Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição;

Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.

5. A Lei 32/2008, de 17 de Julho, no seu artigo 2º, nº 1, al. a), define «Dados», como os dados de tráfego e os dados de localização, bem como os dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador,

6. Os dados relativos à localização de um veículo que é utilizado por um cidadão, que o aluga para o utilizar durante um determinado período, porque conservados e comunicados pelas empresas proprietárias dos veículos, e porque restritivas de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, designadamente, do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar e o direito a uma tutela judicial efectiva, não podem deixar de se enquadrar no conceito de «dados» para os efeitos determinados no citado aresto.

7. Dito de outro modo, os dados de localização conservados e transmitidos pelas empresas de rent-a-car, porque igualmente restritivos de direitos, liberdades e garantias, não podem deixar de merecer semelhante tutela do Direito,

8. Devendo ser-lhes aplicável o entendimento seguido pelo Tribunal Constitucional a propósito da declaração de inconstitucionalidade das normas da Lei 32/2008, de 17 de Julho.

9. Como tal, estribados no entendimento e fundamentos seguidos pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 268/2022, desde já se invoca a inconstitucionalidade da norma do artigo 125º do CPP, quando interpretado no sentido de permitir a legalidade, como meio de prova, dos dados de localização por GPS, fornecidos pelas empresas de rent-a-car, e que permitiram a reconstituição dos percursos efectuados pelos veículos alugados, por violação dos artigos 18º, 2, 26º, 1 e 35º, 1 a 4 da Constituição.

10. Tal inconstitucionalidade foi invocada perante este Colendo STJ.

Pelo exposto, REQUER que se considere validamente interposto recurso da decisão deste Tribunal da Relação de Lisboa, seguindo-se os ulteriores termos, sendo que as respectivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal ad quem, de acordo com o disposto no artigo 79.º da LTC e no prazo aí previsto».

4. O recurso de constitucionalidade não foi admitido com base na seguinte fundamentação:

«[...]

As recorrentes vieram, agora, interpor recurso do acórdão proferido por esta Secção, em 28/09/2022, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art. 75.º-A, da LTC, invocando a inconstitucionalidade da norma do art. 125.º, do C.P.P., quando interpretada no sentido da legalidade, como meio de prova, dos dados de localização por GPS, fornecidos pelas empresas de rent-a-car e que permitiram a reconstituição dos percursos efetuados pelos veículos alugados pelas mesmas, por violação do arts. 18.º n.º 2, 26.º n.º 1 e 35.º n.ºs 1 a 4, da C.R.P.

Ora, constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto no art. 70.º n.º 1 b), da LTC, a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo(s) recorrente(s).

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