Acórdão nº 854/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 854/2022

Processo n.º 810/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do despacho proferido em 13 de julho de 2022, que não admitiu o recurso interposto para este Tribunal.

2. Por acórdão prolatado em 4 de abril de 2022, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente o recurso interposto pela ora reclamante da decisão proferida pelo Juízo Central Criminal de Guimarães - J1, em 29 de outubro de 2021, que o condenou pela prática, em autoria material e como reincidente, de um crime de detenção de arma proibida, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 75.º, n.ºs 1 e 2, e 76.º, n.º 1, do Código Penal, e artigos 2.º, n.º 1, alíneas p) e s), 3.º, n.ºs 1 e 6, 8.º, n.º 2, alínea a), e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de dois anos e dois meses de prisão.

Inconformado, o ora reclamante arguiu, em 18 de abril de 2022, a nulidade do acórdão, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão datado de 23 de maio de 2022, indeferido o incidente.

3. O ora reclamante interpôs, então, recurso para este Tribunal, através de requerimento com o seguinte teor:

«Nos autos de recurso à margem referenciados, vem o arguido A.,

notificado do douto Acórdão prolatado em 23 de Maio de 2022, interpor recurso do mesmo para o Venerando TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nos termos do artigo 70º n.º 1 al. b) da Lei 28/82 de 15/11, com a redação que lhe foi dada pela Retificação n.º 10/98, de 23/05, para o que está em tempo e tem legitimidade - cfr. artigos 70º, n.º 1, alínea b), 72º e 75º da citada Lei 28/82 com aquela alteração.

O presente recurso funda-se no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º acima invocado, sendo certo que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido - quer a quo, quer ad quem - em termos de estar obrigado a dela conhecer - cfr. artigo 72º, n.º 2 da mesma Lei Orgânica.

Ao presente recurso são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de agravo - cfr. artigo 69º da Lei 28/82.

O recurso sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo - cfr. artigo 69º e seguintes da Lei 28/82.

Termos em que deve o recurso ser admitido».

4. Por considerar que o requerimento não obedecia aos requisitos previstos no artigo 75.º-A, da LTC, o Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Guimarães, através de despacho proferido a 27 de junho de 2022, convidou o ora reclamante a suprir tais deficiências, concretamente indicando a(s) norma(s) cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada, a norma ou princípio constitucional que considerava violado, bem como a peça processual na qual a questão da inconstitucionalidade fora previamente suscitada nos autos.

5. A tal convite o reclamante respondeu nos seguintes termos:

«Nos autos de recurso à margem referenciados, vem o arguido A.,

Convidado a apresentar os elementos em falta no requerimento apresentado nos presentes autos, com a ref: 212404, vem aperfeiçoar aquele, apresentando os referidos elementos:

O Venerável Tribunal ad quem fez e faz no Acórdão prolatado em 04 de Abril de 2022, uma interpretação inconstitucional do disposto nos artigos 379º, n.º 1, alínea c) ex vi 425º, n.º 4, do Código Processo Penal, entendendo que não tem que se pronunciar sobre todas as questões concretas suscitas pelo recorrente, o que viola o disposto nos artigos 32º, n.º 1 e 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos.

Mais se refere que o requerente suscitou a questão de inconstitucionalidade supra referida no requerimento interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães nos presentes autos no dia 18.04.2022, com a ref: 209951.

Pelo exposto devem ser supridos os vícios supra apontados ao douto Acórdão e, a final, deverá ser procedente o recurso interposto, nos termos propugnados, assim se fazendo Justiça.

O recurso interposto para o Venerando TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, foi interposto nos termos do artigo 70º n.º 1 al. b) da Lei 28/82 de 15/11, com a redacção que lhe foi dada pela Rectificação n.º 10/98, de 23/05, sendo que o fez em tem e tendo legitimidade para tal - cfr. artigos 70º, n.º 1, alínea b), 72º e 75º da citada Lei 28/82 com aquela alteração.

O recurso em causa funda-se no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º acima invocado, sendo certo que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido - Tribunal ad quem - em termos de estar obrigado a dela conhecer - cfr. artigo 72º, n.º 2 da mesma Lei Orgânica.

Ao presente recurso são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de agravo - cfr. artigo 69º da Lei 28/82.

O recurso sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo - cfr. artigo 69º e seguintes da Lei 28/82.

Termos em que deve o recurso ser admitido».

6. Por despacho proferido pelo Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Guimarães, em 13 de julho de 2022, o recurso não foi admitido.

Lê-se em tal despacho:

«5. Isto posto, e tendo o arguido A. esclarecido que a questão de (in)constitucionalidade foi por ele suscitada no âmbito do dito requerimento de 18/04/2022, aludido em 4.d), há que aferir da admissibilidade, ou não, do presente recurso para o Tribunal Constitucional.

Vejamos.

No nosso sistema de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, isto é, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.

Com efeito, quando a questão da conformidade das decisões judiciais com a Constituição não tenha a ver e não dependa da constitucionalidade da norma ou normas jurídicas que as suportam ou de que fazem aplicação, a tutela ou garantia

contenciosa dessa conformidade constitucional fica exclusivamente confiada à responsabilidade dos tribunais comuns.

Conforme entendimento reiterado e uniforme do Tribunal Constitucional, no caso de recurso de constitucionalidade interposto nos termos da al. b), do nº 1, do Art0 70º, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LTC), para além da condição primordial traduzida no "objeto normativo", constituem ainda seus requisitos cumulativos a prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa "durante o processo" e "de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer" (cf. nº 2 do Art.º 72º da LTC), bem como a aplicação, na decisão recorrida, como ratio decidendi, da norma tida por inconstitucional pelo recorrente, na concreta interpretação correspondente à dimensão normativa delimitada no requerimento de recurso.

Ora, como se viu, através do presente recurso, sustenta o arguido A. que este tribunal da Relação "fez e faz no Acórdão prolatado em 04 de Abril de 2022, uma interpretação inconstitucional do disposto nos artigos 379º, n.º 1, alínea c) ex vi 425º, n.º 4, do Código Processo Penal, entendendo que não tem que se pronunciar sobre todas as questões concretas suscitas pelo recorrente, o que viola o disposto nos artigos 32º, n.º 1 e 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos.".

Sucede, porém, que essa questão não foi por ele suscitada no recurso interposto para a Relação, pelo que a necessária e imprescindível autonomização e enunciação dos critérios normativos que o recorrente pretende ver sindicados pelo Tribunal Constitucional não foram feitas em momento processual prévio à prolação da decisão recorrida, de modo processualmente adequado perante o tribunal que a proferiu, em termos de este estar obrigado a conhecer da questão de inconstitucionalidade.

Com efeito, e como já se referiu no despacho de 16/05/2022, supra aludido em 4.b), que não admitiu o (primeiro) recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional, "(...) no recurso (que consta de fls. 3963/3986) que interpôs do acórdão da 1a instância [que o condenou pela prática, em autoria material e como reincidente, de um crime de detenção de arma proibida, na forma consumada, p. e p. pelos...

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