Acórdão nº 4113/11.5TCLRS.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR TABORDA LOPES
Data da Resolução20 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório Massa Insolvente de… intentou acção declarativa com processo comum contra S…, LDA., J…, P… e M… peticionando a sua condenação no pagamento de €590.801,80 (sendo €463.389,22 de capital e o restante em juros vencidos), acrescida dos juros vincendos, contados à taxa legal.

Em síntese, alegou a Autora que fez à primeira Ré fornecimentos no valor do capital peticionado (facturas com vencimento a 180 dias), valor que não foi liquidado.

Quanto aos restantes Réus é peticionado o mesmo valor, com fundamento no artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais, por serem os três gerentes da primeira Ré e terem praticado diversos actos de gestão danosa da Ré, que a levaram a uma situação de incapacidade de satisfazer as suas obrigações, com prejuízo para a Autora.

Citados, os Réus vieram contestar: - o Réu P… defendendo a prescrição das verbas peticionadas e a ilegitimidade da Autora para a acção por não se verificarem os pressupostos do artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais e pedindo a sua absolvição do pedido; - o Réu M… defendendo a prescrição das verbas peticionadas e a ilegitimidade da Autora para a acção por não se verificarem os pressupostos do artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais e pedindo a sua absolvição do pedido.

Dispensada a realização de Audiência Prévia foi feito o Saneamento da acção decidindo-se: - absolver a Ré S… da instância, nos termos do artigo 38.º , n.º 1, do Código de Processo Civil, por falta de verificação dos pressupostos de coligação enunciados no artigo 36.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma (por a Autora, para tal notificada, ter declarado pretender que a causa prosseguisse para a apreciação do pedido que formula contra os demandados pessoas singulares); - ser improcedente a arguição de ilegitimidade defendida pelos RR. P… e M…; - ser improcedente a arguição da prescrição; - fixar o objecto do processo (“Averiguar se sobre os RR. impende a obrigação de reparar a A. em razão da inobservância culposa pelos mesmos das disposições legais e contratuais destinadas à protecção dos credores sociais” e “Em caso afirmativo, apurar o montante da reparação devida”); - fixar os temas da prova.

Realizou-se a audiência de Julgamento sendo proferida Sentença, na qual se conclui com o seguinte dispositivo: “Termos em que se julga a acção improcedente e em consequência se:

  1. Absolve os RR. do pedido.

  2. Condena a A. no pagamento das custas.

    Registe e notifique”.

    É desta decisão que vem interposto recurso por parte da Autora, a qual apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:

    1. Andou mal a sentença proferida pelo tribunal a quo ao absolver os Recorridos do pedido formulado pela Recorrente.

    2. Os factos provados e o direito aplicável implicavam uma decisão diversa, que condenasse os Recorridos.

    3. A Recorrente pediu a condenação dos Recorridos a pagarem-lhe a quantia de 590.801,80€ entre capital e juros vencidos, acrescidos dos juros vincendos, em virtude de os ditos Recorridos terem praticados atos de gestão danosa, em violação culposa das disposições legais e contratuais destinadas à proteção dos credores sociais, que levaram a que não fosse paga a dívida de empresa S… da qual eram gerentes, à referida Recorrente.

    4. A Recorrente entende que os Recorridos deviam ter apresentado a empresa à insolvência, deviam ter convocado uma assembleia de sócios em virtude de a empresa ter perdido metade do capital social, e bem assim considera que distribuíram de forma ilícita bens sociais da sociedade aos sócios quando esta estava em situação de falência técnica.

    5. Sucede que o tribunal a quo decidiu absolver os Recorridos, por entender inter alia que não se verificavam os pressupostos da sua responsabilização como gerentes, desde logo porque a sociedade não estava insolvente, também por não se ter provado que os gerentes omitiram o dever de convocar a assembleia geral nos termos do artigo 35.º do CSC em virtude de perda de metade do capital social, e ainda porque não se apurou o instrumento que levou à retirada do dinheiro da sociedade para os sócios.

    6. O Tribunal a quo considerou que a empresa S…, Lda. (de ora em diante abreviadamente “S…”), da qual os demais Réus eram gerentes, não se encontrava nem encontrou em algum momento da sua existência em situação de insolvência, nem os 2º, 3º e 4º Réus omitiram o dever de a apresentar à insolvência.

    7. A sentença considera que apesar de ser verdade que a S… nunca teve meios financeiros próprios, património ou ativos suficientes para solver a totalidade das suas dívidas, tal não significa que estivesse impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, porque os factos apurados não permitem determinar a expressão, momentaneamente e ao longo dos anos, dos débitos vencidos no quadro geral da dívida, e também porque não há dados que evidenciem a impossibilidade de cumprimento das obrigações pela empresa perante os seus credores.

    8. A sentença afirma ainda que o cumprimento por parte das empresas das suas obrigações não tem necessariamente de ser alcançado com a afetação de recursos do próprio património, podendo as mesmas socorrer-se de financiamento ou outros meios de aporte de fundos à tesouraria, nada tendo sido alegado nem nada se sabendo quanto à inviabilidade da S… no período de 2004 a 2008, lançar mão de tais mecanismos para assegurar o cumprimento dos seus débitos.

    9. Sucede que de acordo com os factos provados, a empresa teve, com exceção do ano de 2006, sempre resultados operacionais negativos, sendo que mesmo nesse ano a situação líquida não passou a positiva, considerando os resultados transitados, tudo conforme factos provados 11), 14), 19), 24), 31), 32) e 38), tendo inclusivamente o passivo da empresa atingido em 2008 valor superior a 2 milhões de euros.

    10. Como aliás a sentença reconhece expressamente, a empresa nunca dispôs de meios financeiros próprios, património ou ativos suficientes para solver a totalidade das suas dívidas, e o relatório pericial levado a cabo no processo às contas da empresa refere expressamente que a mesma se encontrava em falência técnica logo em 2005 (resposta ao quesito 15), o mesmo em 2007, com tendência para se agravar (resposta ao quesito 32), não havendo nenhuma melhoria depois disso.

    11. O Réu M… reconheceu a falência técnica da empresa logo em 2005 no seu depoimento de parte (vidé ata da audiência de julgamento datada de 16 de setembro de 2020 (ref.ª 145756056)), sendo que aliás os números consistentemente negativos são reconhecidos como verdadeiros pelos dois Réus que depuseram no tribunal.

    12. De acordo com a lei, um devedor encontra-se em situação de insolvência quando se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, e no caso de pessoas coletivas também quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis.

    13. Não foi feita qualquer contraposição no processo às conclusões da falência técnica plasmadas no relatório pericial e reconhecidas pelos Réus, e salta à vista que uma empresa com dividas a fornecedores na ordem de 2.045.483,07€ e apenas 498.000,00€ de créditos de clientes, está mais do que insolvente, principalmente quando nessa altura (2009) já nem sequer tinha praticamente qualquer atividade, pois as vendas não ultrapassaram os 11 mil euros (facto 39), e ainda, de acordo com o facto provado 51) a empresa em 2009 estava somente a liquidar stocks no sentido de fechar a operação.

    14. A expressão da dívida à Autora é substancial face às dívidas globais a fornecedores da S…, na ordem dos 25%, o que indicia só por si a situação de insolvência da empresa, e contradiz o que a sentença refere no que respeita à expressão da dívida reclamada no quadro geral do passivo da empresa.

    15. Uma empresa com prejuízos consistentes durante todo o período da sua atividade, que não paga uma dívida superior a 500 mil euros, está claramente insolvente, e o relatório pericial assume claramente a falência técnica da empresa, não tendo sido posto em causa por nenhuma das partes.

    16. Não faz sentido a consideração da sentença relativamente à possibilidade de a empresa se socorrer de outros meios que não os próprios para pagar dividas, seja porque não o fez, seja porque de qualquer modo não existem quaisquer meios de crédito disponíveis para uma entidade claramente insolvente.

    17. De acordo com tal raciocínio, uma entidade nunca estaria insolvente porque poderia sempre recorrer ao crédito.

    18. Se fosse ónus da Recorrente provar a inviabilidade da S... lançar mão desses mecanismos para assegurar o cumprimento dos seus débitos no período em referência, estaríamos claramente a entrar no campo da prova diabólica.

    19. A Autora entende que apenas tem de provar que a empresa está insolvente de acordo com os critérios estabelecidos na lei, e tudo aquilo que ficou provado nos autos parece ser mais do que suficiente.

    20. A sentença contradiz-se de forma insanável quando a fls. 16 quando refere que os factos provados determinam a dívida da S... à Recorrente, também que os Recorridos sempre foram gerentes da sociedade, e igualmente que a mesma sociedade esteve sempre numa situação financeira deficitária do principio ao fim da sua atividade, mas afinal não se encontrava insolvente, por causa da possibilidade de obter credito, e porque não se conseguia determinar a expressão certa e determinada da divida dos autos no passivo da empresa ao longo dos anos.

    21. Aquilo que a sentença referiu no ponto imediatamente acima identificado traduz precisamente a verificação dos pressupostos da insolvência duma empresa, ao contrário do que a própria sentença refere mais abaixo.

    22. A sentença não apresenta qualquer fundamentação válida para a sua conclusão sobre este ponto, entrando em total contradição, e violando o estabelecido no artigo 615º do CPC.

    23. O entendimento da jurisprudência nacional acerca da verificação dos pressupostos da situação de insolvência corrobora a tese da...

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