Acórdão nº 17760/20.5T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelLUÍS FILIPE SOUSA
Data da Resolução20 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO AA, Lda. instaurou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra RR, LDA. pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de €44.297,74 acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.

Regular e pessoalmente citada, a Ré apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção.

Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

* Não se conformando com a decisão, dela apelou a autora, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES: «1 – Em sede de matéria de facto apurada em sede de julgamento foram dados como não provados factos que ora urge alterar e conceder como provados, a saber: “2. A avaria registada pelo veículo ficou a dever-se a defeito de fabrico.” 2 - À Autora era, de facto, impossível alegar, em concreto, qual o defeito de fabrico de que padecia o veículo! Contudo, entende a Recorrente que foram alegados e provados fatos suficientes para o tribunal a quo ter chegado à (inevitável) conclusão de que o veículo padecia de um vício de fabrico.

3 - O veículo padecia de um vicio no motor, o qual impedia o seu normal funcionamento e que veio a originar a avaria nos cilindros nº 2 e 7, tal como resulta claro dos seguintes factos provados: - 6. Em Maio de 2019, o Dr. PT – então possuidor do veículo - deslocou-se ao concessionário e oficina reparadora autorizada da Ré na cidade do Porto (e doravante aqui designada por “JJ”), devido à luz de motor do veículo que se encontrava acesa, assinalando uma qualquer avaria; - 9. Alguns dias passados, em viagem do Porto para Lisboa, a referida luz de motor voltou a acender.

- 10. De imediato, o Dr. PT contactou a JJ através de chamada telefónica, tendo-lhe sido dito pelos profissionais que poderia prosseguir a viagem.

- 11. Aquando da viagem de regresso para o Porto, a viatura começou a perder força e o seu funcionamento tornou-se irregular e deficiente.

- 12. Por isso, o Dr. PT solicitou de imediato a respetiva assistência em viagem do seguro do veículo, tendo este sido deslocado através de pronto-socorro e entregue na JJ do Porto em 20/05/2019.

- 13. A JJ comunica ao Dr. PT que existia uma avaria no motor do seu veículo e que, em concreto, os cilindros n.º 2 e n.º 7 estavam danificados.

4 - No presente caso, os factos-base dados como provados, nomeadamente os pontos 6), 9), 10), 11), 12) e 13), permitem o juízo inferencial da existência do defeito de fabrico, não sendo possível extrair (salvo devido respeito por opinião contrária) ilações em sentido diverso como fez a sentença recorrida.

5 – O veículo em questão é de uma marca de elevada reputação e que, pelo seu preço, no mercado automóvel é considerado de gama alta, circunstâncias que não podem deixar de criar elevadas expectativas de segurança e fiabilidade.

6 - A avaria de dois cilindros do motor numa viatura com as características do presente caso e em período de garantia, evidencia, (manifestamente) que desde o início esta viatura apresenta defeitos que determinam a limitação da sua circulação.

7 – Os problemas emergentes das dificuldades probatórias devem ser resolvidos com recurso às presunções judiciais, ou defendendo a atenuação no grau de convicção exigido pelo julgador, atentas as dificuldades e desigualdades entre as partes, sendo um dos exemplos a prova dos defeitos na responsabilidade do fabricante.

8 - No presente caso o tribunal a quo deveria ter chegado ao “factum probandum” (o defeito de fabrico que a viatura apresentaria) através de presunções judiciais, também ditas presunções simples ou hominis, que derivam das regras da vida e das máximas da experiência e estão na base da chamada prova indirecta, de primeira aparência ou indiciária.

9 - Com base na prova produzida constante dos autos e nos factos dados como provados, é lícito em sede de recurso reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do art.º 607º, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil.

9 – Ao decidir conforme decidiu, o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, sendo que se indica que os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados constam do número 2) dos factos não provados que deve ser considerado como provado.

10 – Sem conceder, da matéria dada como provada, verifica-se que a Recorrida incumpriu o dever imposto pela garantia do fabricante, nomeadamente, ao não efectuar um diagnóstico atempado e adequado na sequência do alerta luminoso que foi denunciado por duas vezes pelo adquirente do veículo.

11 - Ao darem indicações ao adquirente do veículo de que poderia continuar a circular com o mesmo, apesar dos alertas luminosos de avaria de motor, os funcionários da Ré actuaram (no mínimo) sem a diligencia que lhes era imposta! 12 - E conforme se retira da própria fundamentação da sentença recorrida “...sendo certo que o dano no motor já corresponde a uma consequência da avaria que não foi diagnosticada ou reparada adequadamente logo que surgiu”.

13 - Ao actuar da forma como ficou provada nos autos, duvidas não restam que a Ré incumpriu culposamente uma obrigação contratual, devendo ser responsabilizada pelos danos causados no motor do veículo, independentemente de se tratar de defeito de fabrico! 14 – O tribunal a quo desconsiderou (sem qualquer fundamentação) tal incumprimento contratual por parte da Recorrida.

15 - Conforme decisão proferida pelo Ac. Relação de Guimarães de 16/12/2021: No quadro especial de um contrato de garantia a oportuna apatia ou ilegítima recusa do garante acaba por falsear o objetivo do negócio e desequilibrar o jogo das prestações consignado, isto é, o programa contratual. (in www.dgsi.pt).

16 – A realização de um diagnóstico ao vício/avaria no motor (prontamente denunciado à Ré) configura uma obrigação resultante da garantia. Trata-se, no limite, de um dever acessório que emerge de tal garantia contratualmente fixada e que impõe à Ré que atue no quadro da prevenção, por forma a diagnosticar a origem de tal avaria e evitar consequências mais gravosas.

17 - A Recorrente logrou demonstrar os factos que integram o cumprimento ilícito da Ré (factos 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º e 13º), bem como os prejuízos dele decorrente (factos 16º, 17º, 18º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º).

18 - “A falta de diagnóstico do problema que o veículo apresentava quando se dirigiu pela primeira vez à oficina e falta de resolução desse problema” consubstancia um incumprimento de um dever imposto à Recorrida no âmbito da garantia contratual por si prestada, cujo incumprimento culposo originou a avaria nos cilindros nº 2 e 7 do motor (ou pelo menos não evitou que a mesma viesse a ocorrer).

Termos em que, e nos melhores de direito, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente como é de JUSTIÇA.» * Contra-alegou a apelada, formulando as seguintes Conclusões:

  1. A sentença proferida pelo Ilustre Tribunal a quo não merece qualquer censura devendo ser mantida nos exatos termos em que foi proferida.

  2. A Apelante não deu cumprimento ao ónus de especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da proferida, como se lhe impunha nos termos do plasmado no artigo 640.°, n.° 1, al. b) do CPC.

  3. Em face do incumprimento deste ónus de alegação a cargo da Apelante, impõe-se a rejeição de recurso no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1 do CPC.

  4. O facto não provado n.º 2, com a redação: “A avaria registada pelo veículo ficou a dever-se a defeito de fabrico.”, não merece qualquer censura.

  5. Contrariamente ao pretendido pela Apelante, as presunções judiciais eventualmente aplicáveis conduziriam à conclusão da inexistência de defeito, caso contrário, o problema ter-se-ia manifestado antes e/ou com frequência, e não apenas após o veículo ter percorrido cerca de 63.000km ao longo de quase três anos sem que qualquer problema se tivesse verificado.

  6. Também a circunstância de a avaria ter ocorrido uma única vez desde a colocação em circulação do produto afasta a probabilidade de se tratar de um defeito de fabrico.

  7. Ademais, o facto de a luz de motor do veículo se ter acendido não indicia um qualquer defeito de funcionamento do mesmo, pelo contrário: o veículo funcionou como era devido e, perante a deteção de um possível problema no seu funcionamento, alertou o seu utilizador.

  8. A Apelada não deu quaisquer indicações ao utilizador do veículo, nem procedeu ao diagnóstico e reparação do veículo, dado que nem sequer tem oficinas reparadoras próprias - quem o fez foi a JJ, pessoa coletiva distinta da Apelada e que com a mesma não se confunde. A circunstância de a Apelada e a JJ serem entidades distintas, faz com que não se pudesse imputar à Apelada as consequências de uma eventual atuação da JJ, que nem sequer é parte nos presentes autos e, por força de tal atuação da JJ, concluir que a Apelada incumprira alegados deveres acessórios de diagnóstico, decorrentes da obrigação de garantia.

  9. De igual modo, também não existe matéria de facto provada que sustente o incumprimento de quaisquer pretensos deveres de diagnóstico por parte da JJ (cfr. Facto não provado n.° 4) ou da Apelada, ou que conceda tal amplitude à garantia contratual prestada pela mesma, nem tampouco foi requerida a adição de tal facto, o que sempre impediria a sua apreciação e procedência de argumentos com base no mesmo.

  10. Esta nova teoria da Apelante de incumprimento de deveres acessórios da garantia - trata-se da invocação de matéria de direito não submetida à apreciação do Tribunal a quo - e surge perante a constatação da evidência da...

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