Acórdão nº 379/21.0YUSTR.L1-PICRS de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA POTT
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Recorrente/arguida Caixa Geral de Depósitos, S.A. titular do número de identificação de pessoa colectiva 500960046, com sede na Avenida João XXI, n.º 63, 1000-300 Lisboa Recorrida/autoridade administrativa Banco de Portugal, com sede na Rua do Comércio, 148, 1100-150 Lisboa Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa 1. A recorrente/arguida, veio interpor o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (doravante também Tribunal de primeira instância ou Tribunal a quo), em 8.4.2022, com a referência citius 348822, que condenou a arguida “pela prática de uma contraordenação, na forma negligente, prevista e punida pelo artigo 210.º, alínea m), por violação do disposto no artigo 78.º, ambos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na coima de 10.000,00€”.

  1. No recurso, a arguida pede o seguinte: “(...) deve ser alterada a matéria de facto dada como provada, aditando-se-lhe um novo ponto P, nos termos expostos ou, caso não se afigure possível decidir da causa, ordenar o reenvio do processo para novo julgamento relativamente às questões concretamente identificadas acima (apurar se as instruções foram concretas ou abstractas), por erro notório na apreciação da prova ou, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos previstos nos artigos 426.º e 410.º, n.º 2, ambos do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO.

    Caso assim não se entenda – o que se considera por mera cautela de patrocínio, sem conceder – sempre deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva a ora Recorrente da prática de uma contraordenação por violação do dever de sigilo bancário, nos termos supra expostos (...)” 3. Nas alegações de recurso, vertidas nas conclusões, a arguida invoca, em síntese, motivos de discordância que o Tribunal agrupa como se segue: Vícios decisórios da sentença § Provou-se que o funcionário da arguida, não tinha autorização para prestar a terceiros informações sobre a conta bancária em questão e que o fez por negligência, para ajudar um cliente, sabendo que estava obrigado a manter o segredo bancário quanto a tais informações; § É essencial para a descoberta da verdade material apurar se as instruções sobre o sigilo bancário foram abstractas ou concretas; § O acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, STJ 3/2019 estabelece que no recurso da decisão judicial proferida em processo contraordenacional a recorrente pode suscitar questões novas que não tenha suscitado na impugnação judicial da decisão administrativa; § Deve ser alterada a matéria de facto provada aditando-lhe um ponto P, com a seguinte redacção: “A Recorrente implementou os meios e procedimentos adequados para assegurar que situações de violação do dever de guardar sigilo bancário não se verificavam, tendo dos órgãos competentes sido emanadas ordens expressas nessa matéria, as quais foram confessadamente violadas pelo funcionário Miguel Bernardino, que afirmou conhecê-las.”; § Ou em alternativa, há que reenviar o processo para apurar tal facto, nos termos do artigo 426.º do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ex vi artigo 41.º n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações (RGCO); § A sentença recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova por violação do princípio da presunção de inocência, por valoração da prova contra as regras da experiência comum ou, subsidiariamente, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vícios decisórios previstos no artigo 410.º n.º 2 – a) e c) do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO; Violação do direito à não autoincriminação § Na fase orgiacamente administrativa o Banco de Portugal violou o direito da arguida à não autoincriminação, uma vez que, foi no exercício do seu poder de supervisão que recolheu junto da arguida os elementos que serviram para exercer o poder sancionatório nos presentes autos, sem ter constituído arguida a recorrente quando surgiu a suspeita de que cometera um ilícito contraordenacional, o que infringe o disposto no artigo 58.º n.º 1 do CPP; Falta de requisitos da responsabilidade da pessoa colectiva § No que diz respeito à responsabilidade da pessoa colectiva, a decisão recorrida violou o artigo 203.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIFSF), cuja redacção é idêntica à do artigo 11.º do Código Penal (CP), uma vez que nem está preenchido o requisito formal da responsabilidade da pessoa colectiva, porque o funcionário em questão não tinha posição de liderança, nem está preenchido o requisito material, porque foram adoptadas medidas organizativas e existiam normas internas expressas para obstar à prática do ilícito, tendo o funcionário actuado contra as instruções que a arguida lhe transmitiu.

  2. A recorrida respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo, em síntese: § Não existiu violação do direito à não incriminação na medida em que o conhecimento da infracção pelo Banco de Portugal resultou de uma reclamação de um cliente e da resposta enviada pela arguida, transmitidas por esta ao Banco de Portugal, no âmbito da competência fiscalizadora deste último, nomeadamente, ao abrigo do disposto no artigo 77.º n.º 3 do RGICSF e do artigo 5.º do DL n.º 156/2005 de 15 de Setembro; § O direito à não incriminação significa que a arguida não é obrigada a depor contra si mesma, mas não impede o Banco de Portugal de utilizar, na fase sancionatória, os elementos obtidos na fase da supervisão; § Sem prejuízo de poder conhecer dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º do CPP, o Tribunal da Relação não pode conhecer da matéria de facto no presente recurso, como resulta dos artigos 74.º e 75.º n.º 1 do RGCO, pelo que a junção de documentos para prova de factos novos e a pretensão da recorrente de que seja aditado um novo facto à matéria de facto provada, devem improceder; § O acórdão de fixação de jurisprudência STJ - 3/2019 é inaplicável no presente caso uma vez que, o que a recorrente pretende é que o Tribunal da Relação proceda a uma alteração da matéria de facto, que não é admitida; § O que está em causa é saber se a norma interna, o código de conduta e o acordo de empresa, se integram no conceito de ordens expressas sendo forçoso concluir que não; § A responsabilidade da arguida enquanto pessoa colectiva existe desde que a conduta seja praticada ou determinada em seu nome por qualquer das pessoas mencionadas no artigo 203.º do RGIFSC, que não se restringem a pessoas que ocupem lugares de chefia ou liderança.

  3. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal de primeira instância respondeu, pedindo que seja negado provimento ao recurso, alegando, em síntese, que: § Os vícios previstos no artigo 410.º n.º 2 – a) e c) do CPP, invocados pela arguida, devem resultar do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugados com as regras da experiência, o que não se verifica neste caso; § O poder de cognição do Tribunal da Relação restringe-se à matéria de direito e quanto a esse aspecto a sentença recorrida fez uma interpretação correcta das normas aplicáveis.

  4. Na segunda instância, o digno magistrado do Ministério Público emitiu parecer no qual acompanha a respostas do digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal de primeira instância e a resposta do Banco de Portugal, pugnando pela improcedência do recurso.

  5. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º do CPP, admitido o recurso, mantido o seu efeito e corridos os vistos.

    Requerimento de prova nas alegações de recurso 8. A recorrente juntou quatro documentos às alegações de recurso e indicou prova testemunhal para a eventualidade do processo ser devolvido à primeira instância. Nos termos do artigo 165.º n.º 1 do CPP aplicável ex vi artigo 74.º n.º 4 do RGCO, os documentos podem ser juntos até ao encerramento da audiência quando não seja possível juntá-los antes. O artigo 430.º n.º 1 do CPP prevê que o Tribunal da Relação admite a renovação da prova, incluindo da prova testemunhal, quando deva conhecer de facto e de direito. Porém, por força do disposto no artigo 75.º n.º 1 do RGCO, no presente recurso, o Tribunal da Relação não pode apreciar questões de facto, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º n.ºs 2 e 3 do CPP e dentro dos limites aí previstos que não incluem a produção de novos meios de prova perante o Tribunal da Relação. Isto é assim, quer seja quer não seja requerida a realização de audiência em segunda instância. Em consequência, não é admissível o requerimento de prova junto às alegações de recurso que, pelos motivos acima indicados, não será levado em conta para a decisão do presente recurso. Por último, improcedendo o recurso pelos fundamentos que se seguem, fica prejudicada a apreciação do requerimento de prova testemunhal a ser produzida em primeira instância, como será explicado, em particular, na análise da questão A, infra.

    Delimitação do âmbito do recurso 9. São as seguintes, as questões relevantes para a decisão do recurso: A. Vícios decisórios da sentença B. Violação do direito à não autoincriminação C. Falta de requisitos da responsabilidade da pessoa colectiva Factos provados constantes da decisão recorrida Nota preliminar: na enumeração que se segue este Tribunal mantém a indicação das alíneas pelas quais foram enunciados os factos provados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões.

  6. A. No dia 8 de fevereiro de 2018, M…, funcionário da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA, perante uma tentativa de levantamento de cheque ao balcão, revelou a A… que a conta de depósitos à ordem com o n.º 2017.004955330, titulada por L… e MR…, respetivamente irmã e pai de A…, não tinha saldo, tendo ainda informado que a situação se devia a transferência efetuada nesse mesmo dia, via...

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