Acórdão nº 14572/22.5T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ COSTA PINTO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório 1.1.

AAA intentou o presente procedimento cautelar comum contra BBB., pedindo a suspensão da ordem de transferência do local de trabalho do requerente, de Bruxelas para Lisboa, com efeitos a partir de 1 de Julho de 2022.

Alegou no requerimento inicial, em fundamento da sua pretensão, em síntese: que trabalha para a requerida desde 1983 sendo o seu local de trabalho em Bruxelas, Bélgica; que o requerente não se encontrava aí deslocado e, antes pelo contrário, quando foi contratado já residia e tinha o seu centro de vida profissional e pessoal em Bruxelas; que a requerida lhe enviou uma carta em Maio de 2022, a determinar a transferência do seu local de trabalho para Lisboa em 1 de Julho de 2022, no fim de um período em que esteve cedido à …, também em Bruxelas; que a transferência de local de trabalho é ilícita pois viola por completo o procedimento legalmente previsto para as transferências temporárias e/ou definitivas dos trabalhadores por não conter todos os elementos que está obrigada a conter e não se encontrar fundamentada; que nunca trabalhou em Lisboa, nem foi contratado para trabalhar em Lisboa (e em Portugal), mas sim para prestar a sua actividade definitiva e fixamente em Bruxelas, com excepção de algumas deslocações a outro país pedidas pela requerida; que a requerida lhe exige um sacrifício que é inexigível e irrazoável e que a manutenção da ordem de transferência traduz uma lesão grave e dificilmente reparável para si, que há mais de 39 anos tem o seu centro de vida pessoal, profissional e familiar em Bruxelas, sendo aí que se encontram a esposa, filhas e netos com quem convive diariamente.

Foi designada data para a audiência final, após convidado o requerente a aperfeiçoar o requerimento inicial, o que este acatou.

A requerida apresentou requerimento de oposição no qual defendeu o indeferimento do procedimento cautelar, em suma, por considerar: que o requerente não pode justificar esta necessidade de tutela processual mais célere, quando o próprio parece não ter conferido grande urgência à decisão da requerida, propondo o procedimento cautelar com uma antecedência inferior a 1 mês em relação à data da produção de efeitos da ordem de apresentação em Lisboa; que a atuação da requerida não se traduziu em qualquer violação de direitos do requerente e que, do mesmo modo, não é apta a criar, na sua esfera jurídica qualquer prejuízo grave e de difícil reparação que imponha a tutela cautelar, sendo manifestamente escassa a alegação do requerente a este propósito.

Realizada a audiência, a Mma. Juiz a quo proferiu decisão final julgando improcedente a providência cautelar.

1.2.

O requerente, inconformado, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões: (…) 1.4.

O recorrente veio expressamente renunciar ao prazo de apresentação da resposta à matéria da ampliação do âmbito do recurso (vide fls. 126).

1.5.

O recurso foi admitido, a subir imediatamente, bem como a ampliação do seu âmbito.

1.6.

Autuada a presente apelação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal da Relação emitiu douto Parecer no sentido de ser “aceitável” a procedência do recurso, não só porque o local de trabalho do ora recorrente se situa em Bruxelas e a transferência para Lisboa não observou os requisitos do artigo 194.º, n.º 1, do CT, como porque se verifica o “periculum in mora” pois, “no caso concreto, não estão em causa «conveniências pouco relevantes» a sacrificar pelo trabalhador, em cumprimento do dever de colaboração. Está em causa toda uma alteração do núcleo central de vida do recorrente, consolidado ao longo de mais de trinta anos, tal como decorre amplamente da matéria de facto provada. Tal alteração, à luz dos princípios legais e da boa-fé no cumprimento do contrato, não encontra justificação, e traduz-se, como sempre seria evidente, em prejuízo grave para o trabalhador”.

Cumprido o contraditório, nenhuma das partes respondeu a este Parecer.

Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.

  1. Objecto do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.

    Ao tribunal de recurso cabe ainda apreciar as questões que se suscitem nas contra-alegações (artigo 81.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho), vg. para os efeitos de ampliação do âmbito do recurso previstos no artigo 636.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

    Assim, as questões a decidir são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes: 1.ª – saber se no caso em análise pode afirmar-se a existência de uma lesão grave e de difícil reparação (periculum in mora) no direito do recorrente a ver reconhecido que o seu local de trabalho ao serviço da recorrida é em Bruxelas; 2.

    ª – caso se venha a concluir pela verificação do periculum in mora, e por força da ampliação subsidiária do âmbito do recurso, se o recorrente é titular do direito que invoca a ver reconhecido que o seu local de trabalho ao serviço da recorrida é em Bruxelas (fumus bonus iuris).

  2. Fundamentação de facto Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela decisão recorrida nos seguintes termos: «[...] 1. Entre o Requerente e a Requerida foram celebrados, entre 1984 e 1990, contratos designados como Contratos de Prestação de Serviço (fls. 34, 71 a 74).

  3. Nesses contratos constava que o Requerente residia em Bruxelas 3. No ano de 1986 a Requerida abriu um escritório Bruxelas.

  4. O Requerente prestou colaboração à BBB entre outubro de 1989 e março de 1991 (fls. 24 a 33 e 39 a 49) 5. A 1 de maio de 1991 as partes celebraram um contrato de trabalho nos seguintes termos: CONTRATO DE TRABALHO ENTRE: BBB., com sede em Lisboa, …de Identificação de Pessoa Colectiva, adiante designada por BBB E: AAA, nascido em …, natural … .., Concelho da … titular do B.I. nº … emitido pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, em … Contribuinte Fiscal nº …., morador em … adianto designado por Segundo Outorgante, é celebrado o presente Contrato de Trabalho, o qual se rege pelas Clausulas seguintes. CLAUSULA lª A BBB contrata o Segundo Outorgante para exercer as funções de JORNALISTA em LISBOA. CLAUSULA 2ª Pelo trabalho prestado o Segundo Outorgante tem direito à remuneração mensal ilíquida de Esc.: 259.926$00 (duzentos e cinquenta e nove mil novecentos e vinte e seis escudos), que corresponde ao escalão base do nível 13 da Tabela Salarial em vigor. CLAUSULA 3ª O Segundo Outorgante obriga-se a prestar 36 horas de trabalho semanais, sendo considerado trabalho extraordinário o período prestado fora do período normal.

    CLAUSULA 4ª O Segundo Outorgante obriga-se a respeitar todos os Regulamentos e Normas de Serviço da Empresa.

    CLAUSULA 5ª O Segundo Outorgante compromete-se, a conduzir viaturas da BBB quando tal se mostre necessário para o exercício das suas funções.

    CLAUSULA 6ª O Segundo Outorgante compromete-se a exercer as suas funções tal como definidas no Protocolo do Acordo da Empresa celebrado entre a Empresa o os Sindicatos representativos, em 01 de Janeiro de 1990, nas quais se incluem o tratamento da informação ao nível da montagem de material videogravado e a captação de imagens e som no exterior ou em estúdio.

    CLAUSULA 7ª O Segundo outorgante ficará obrigado a frequentar um Curso de Formação a promover pela Empresa, em data a indicar pela Centro de Formação da BBB CLAUSULA 8ª A admissão nos quadros da Empresa é feita por um Período experimental de seis meses. Findo este prazo a admissão torna-se efectiva contando-se a antiguidade do trabalhador desde a data de admissão a título experimental.

    CLAUSULA 9.ª Salvo autorização prévia escrita da BBB, o Segundo Outorgante obriga-se a não desenvolver actividades concorrentes com a Empresa, entendendo-se por estas a colaboração a qualquer título, nomeadamente para estações de televisão ou de rádio, jornais, revistas, agências de informação, empresas produtoras de programas de televisão, de vídeo ou de produção audiovisual em geral.

    CLAUSULA 10ª O trabalhador compromete-se ainda a não prestar actividades a quaisquer Empresas em relação às quais, pela função exercida ou pelo seu objecto, se configure uma situação de concorrência em relação à BBB, directa ou indirecta, actual ou potencial.

    CLAUSULA 11ª No caso de criação intelectual de obra decorrente do exercício de funções no âmbito do presente Contrato de Trabalho, os respectivos direitos de autor serão da titularidade da BBB, como obra de encomenda, sem prejuízo dos inerentes direitos morais.

    CLAUSULA 12ª O presente Contrato é celebrado sem prazo e tem início em 01.05.91.» 6. A 7 de maio de 1991 as partes subscreveram um acordo denominado: "ACORDO ENTRE A BBB, E O SR. AAA ENQUANTO DESLOCADO EM BRUXELAS” CUJA CÓPIA SE MOSTRA JUNTA A fls.36 e 37.

  5. Consta da clausula 1.ª do referido acordo que o Requerente "(…) vai exercer funções de correspondente da BBB em Bruxelas, pelo prazo de três anos, renovável por acordo das partes”.

  6. No âmbito de tal acordo o Requerente comprometeu-se a efetuar: “Crónicas telefonadas, unilaterais e reportagens, por iniciativa própria ou solicitação da BBB, bem como acções de representação desta Empresa, desde que para tal seja devidamente mandatado”.

  7. Consta da cláusula 3.ª do mesmo acordo que “I- A BBB suportará o pagamento de uma viagem anual de ida e de regresso, a partir de Lisboa ou Bruxelas, para o Segundo Outorgante, respetivo cônjuge e filhos, suportando ainda, em condições idênticas às vigentes para funcionários públicos, o transporte de regresso das bagagens do Segundo Outorgante" 10. Desde esta data e até 2016 o Requerente exerceu funções de jornalista...

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