Acórdão nº 804/03.2PCALM-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA PENHA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO No Juízo Local Criminal de Almada - J1 (em 14/2/2008), no processo 804/03.2PCALM foi proferida sentença a condenar (sem a sua presença) o arguido, ………….. (nascido em Angola a ………….. e melhor identificado nos autos), pela prática (a 1/6/2003 em Portugal), de um crime de condução sem habilitação legal (previsto e punível pelo art. 3º, nºs 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 3-1) na pena de multa de € 600 (correspondente a 120 dias com a taxa diária de € 5).

Esta sentença foi notificada ao arguido em 21/6/2018 e transitou em julgado em 6/9/2018.

O arguido não pagou essa pena de multa, tendo sido proferido despacho (em 20/9/2019) a convertê-la em 80 dias de correspondente prisão subsidiária e (quando ainda estavam em curso diligências tendentes ao seu cumprimento desta) o Exmº. Juiz proferiu (em 19/9/2022) despacho a declarar prescrita a pena de multa nos termos e com os seguintes fundamentos (transcrição): « DESPACHO * ……………, arguido nos presentes autos, foi condenado na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,00, num total de €600,00, por decisão que transitou em julgado no dia 06.09.2018.

Não obstante todas as diligências efectuadas, não foi possível iniciar o cumprimento da pena aplicada ao arguido.

Nos termos do art.º 122.º, n.º 1, al. d) do Código Penal o prazo de prescrição da presente pena é de 4 anos, começando a correr no dia em que transitar em julgado a decisão, ou seja, a 06.09.2018.

Não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição nos termos do art.º 125.º e 126.º do Código Penal.

Não tem aqui aplicação a suspensão prevista na Lei n.º 1-A/2020, porquanto a aplicação ao prazo de prescrição da pena de uma nova causa de suspensão do respetivo prazo, não prevista no momento do trânsito em julgado da decisão condenatória, não é constitucionalmente permitida, por não respeitar os princípios da legalidade e da proibição da retroatividade da lei penal, seguindo-se a jurisprudência prevista no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.03.2021 no âmbito do Processo n.º 207/09.5PAAMD-A.L1-5 em que foi relator Vieira Lamim.

Consequentemente, verifica-se que já ocorreu a prescrição da pena aplicada ao arguido nos presentes autos, o que sucedeu no dia 06.09.2022.

Destarte, declaro extinta a pena aplicada ao arguido, por prescrição, nos termos conjugados do art.º 122.º, n.º 1, al. d) do Código Penal e 475.º do Código de Processo Penal, impondo-se a respectiva comunicação ao registo criminal, por força do disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio.

Notifique.

Solicite a devolução de quaisquer mandados pendentes.

* Comunique a presente decisão ao Exmo Sr. Juiz Presidente para os devidos efeitos.

* Oportunamente, arquivem-se os autos. ….» * Inconformado com esta decisão, o Ministério Público veio interpor o presente recurso (em 20/10/2022), pedindo a revogação dessa decisão, alegando ter havido suspensão da contagem do prazo da prescrição que esta só ocorrerá em 12/2/2023. Tendo formulado, no termo da motivação, as seguintes conclusões: «1º. O presente recurso versa matéria de Direito - art.º 412º nº 2 do CPP.

2º. O presente recurso assume alguma urgência atenta a data do trânsito em julgado da sentença, as consequências do despacho recorrido e o prazo de prescrição da pena: 12/02/2023.

3º. No âmbito dos presentes autos, foi o arguido ……………. condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelos artigos 3º nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 03/01, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5 euros, num total de 600 euros de pena de multa, ou subsidiariamente em 80 dias de prisão, nos termos do artigo 492 do Código Penal.

4º. A sentença foi lida e depositada em 14-02-2008 - fls. 95 e 96.

5º. O arguido foi julgado na ausência.

6º. A sentença foi pessoalmente notificada ao condenado, em França, em 21-06-2018 (fls. 267).

7º. A sentença transitou em julgado em 06-09-2018 — fls. 274.

8º. As guias para pagamento da pena foram remetidas ao condenado em 07-03-2019 — fls. 279, 282.

9º. Em 13-05-2019 o MP promoveu a conversão da pena em prisão subsidiária — fls. 288.

10º. Em 22-05-2019, o Mmo. Juiz decidiu conceder novo prazo para pagamento da pena — fls. 289.

11º. Foram enviadas novas guias para pagamento da pena em 24-05-2019 — fls. 290 a 292.

12º. Em 20-09-2019 a pena de multa foi convertida em 80 dias de prisão subsidiária - fls. 296.

13º. Foram emitidos mandados de detenção datados de 03-12-2019 - fls. 302.

14º. Em 14-05-2020 a GNR devolveu os mandados certificados negativamente por o condenado não ter sido encontrado — fls. 306.

Em 27-11-2020, o MP promoveu se procedessem a diligências com vista a apurar o paradeiro do condenado, o que foi deferido em 09-12-2020 — fls. 310 16º. Em 12-09-2022, o MP promoveu se iniciassem as diligências tendentes a declaração de contumácia do condenado, com vista a evitar a prescrição da pena, nos termos do art.º 335º do CPP, artigo 97º nº 2 e 138º nº 4 al. x) do CEPMPI.

17º. Diga-se, para efeitos dos artigos 125º nº 1 al. b) e 126º nº 1 al. b) do CP.

18º. Os autos não foram tramitados durante os primeiros 11 meses do ano de 2020 nem durante todo o ano de 2021, ou seja, durante o período do estado de emergência, alerta e calamidade a que nos levou a pandemia COVID 19.

19º. O perdão de penas consagrado por força da legislação que entrou em vigor nestes estado excepcional de coisas, no artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, só foi concedido a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da entrada em vigor daquele diploma legal, ficando, consequentemente, excluídos da medida de graça referida os condenados que não tenham ingressado em estabelecimento prisional, que é o caso dos autos (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo: 210/20.4TXCBR-C.C1, Nº Convencional: JTRC, Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA, Descritores: PERDÃO DE PENA, Data do Acórdão: 28-10-2020, Legislação Nacional: ART.º 2.º DA LEI N.º 9/2020, DE 10 DE ABRIL, disponível em www.dgsi.pt).

20º. A pena em causa prescreve logo que sobre o transito da sentença tiverem decorrido 4 anos, nos termos dos artigos122º nº 1 al. d) do CP.

21º. O prazo normal de prescrição da pena, inexistindo causas de suspensão, ocorreria 4 anos após o transito da sentença, ou seja, em 06-09-2022 (art.ºs 122º nº 1 al. d) do CP e nº 2, 279º al. c) do CC e 296º CC).

22º. O despacho recorrido considerou que "Não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição nos termos do art.º 125º e 126.º do Código Penal".

23º. Porém, no período pandémico, em contexto de declaração de estado de emergência, contingência, alerta e calamidade, as leis excepcionais que, então, entraram em vigor, com vista a fazer face ao mesmo e a preservar as funções essenciais do Estado de Direito, previram situações de suspensão de prazos de prescrição das penas, nomeadamente nos termos e para os efeitos do art.º 125º nº 1 al. a) do CP.

24º. Prevê esta norma, sob a epígrafe "Suspensão da prescrição", que "1 -A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar... 2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão".

25º. Nos anos de 2020 e 2021 existiram causas de suspensão do prazo de prescrição das penas previstas por lei.

26º. A Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março, no seu art.º 7.º, n.ºs 3 e 4, versão primitiva, determinou que a situação excecional epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

27º. Igualmente, a Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, no seu art.º 6.2-B, n.ºs 3 e 4, veio determinar que são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT