Acórdão nº 2063/18.3 T9ALM.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA PENHA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO No Juízo Local Criminal de Almada – J1 (em 9/5/2022) foi proferida e depositada sentença a absolver o arguido, ………………….

, pela prática de um crime de ofensa à pessoa colectiva (previsto e punível pelos arts. 187º, nºs 1 e 2, al. a), e 183º, nº 1, al. a), todos do Código Penal).

* Inconformada com esta sentença, a assistente, Caixa Económica Montepio Geral, S.A., interpôs o presente recurso (em 2/6/2022), pedindo que seja revogada a decisão recorrida, substituindo-a por decisão que condene o recorrido pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de ofensa a pessoa colectiva (previsto e punível pelos art.ºs. 187º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183º, nº 1, al. a), todos do Código Penal). Tendo formulado, no termo da motivação, as seguintes conclusões (transcrição): « 1. O Tribunal de primeira instância, considerou provado que o arguido, sem qualquer fundamento, com o único propósito de prejudicar a CEMG, por via da imputação de factos que não correspondem à verdade, através de disseminação anónima, espalhou panfletos de cor amarela fluorescente, com caracteres a maiúsculas, de cor preta e a negrito, reproduzindo os dizeres “BURLA DO MONTEPIO GERAL FURTA E VENDE À REVELIA DE CLIENTE EM 2012 OURO E PEDRAS PRECIOSAS AVALIADAS EM 2002 EM CERCA DE UM MILHÃO DE EUROS", em quatro balcões do Banco Montepio, nas suas instalações e imediações (halls de acesso multibanco, via pública, pára-brisas de veículos estacionados nas imediações dos balcões…), 2. Recorre a CEMG da decisão proferida, em matéria de direito, que entendeu que tal comportamento não tem dignidade penal: a. na medida em que, o art.º 187.º, n.º 2 do CP ao não remeter para o artigo 182.º (imputação por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão), afasta a ofensa de entidade abstrata, cometida por escrito, gesto ou imagem, b. mais considerando que outra interpretação violaria o princípio da legalidade. 3. O artigo 187.º do CP estabelece como elementos do tipo os atos de “afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança” de pessoa coletiva 4. Ao longo do tempo, parecem ter-se sedimentado algumas divergências quanto à extensão do tipo incriminador que não encontram amparo, desde logo, no significado das palavras “afirmar” e “propalar”, expressamente previstas na lei.

  1. Conforme o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: a. A propósito do significado da palavra afirmar i. Estabelecer, fixar, consolidar ii. Declarar com firmeza, sustentar asseverar iii. Atestar b. A propósito do significado da palavra propalar, i. tornar público, divulgar, reiterar ii. espalhar, propagar, iii. Sin/versinonímia de divulgar c. A propósito da palavra divulgar, i. tornar público, propagar, publicar

  2. Donde resulta que, o ato de afirmar ou propalar comporta meio de atuação verbal, quer escrito.

  3. Uma das mais nobres funções do legislador é a de introduzir segurança no discurso incriminador, pelo que se a intenção do legislador fosse a de não criminalizar ofensa de entidade abstrata (no caso pessoa coletiva) cometida por escrito, não teria incluído no tipo (187.º do CP) expressões cujo significado importa o ato de divulgação escrita.

  4. Motivo pelo qual não existe remissão do art.º 187.º do CP, para o art.º 182.º, porque absolutamente desnecessária e injustificada.

  5. Como ensina Maia Gonçalves, no caso do art.º 187.º, não teria cabimento uma remissão para o art.º 182.º do CP: “Este artigo afigura-se desnecessário, porque os anteriores, relativos à difamação e injúria, são crimes de realização livre, que não particularizam qualquer tipo meio de execução do crime” 10. Assiste-lhe razão, pois, à redação dos art.ºs 180.º (“Quem dirigindo-se a terceiro …”) e 181.º (“Quem injuriar outra pessoa…”), subjaz a oralidade.

  6. Se o legislador, nestes casos (180.º e 181.º), não tivesse acautelado a remissão para o art.º 182.º do CP, aí sim, a incriminação da injuria e difamação ficaria limitada a expressões proferidas verbalmente, atento o principio da tipicidade e legalidade.

  7. Situação que, manifestamente, não ocorre com o art.º 187.º, cuja redação que salvaguardou expressões como “afirmar” e “propalar”, sinónimo de “divulgar”, “tornar público”, “propagar”, “espalhar”, “difundir” – o que tanto pode ser feito de forma verbal, como de forma escrita.

  8. Não podendo deixar de se entender - recorra-se à etimologia, ou à semântica - por manifesto, que na teleologia do art.º 187.º está incluída ofensa a pessoa coletiva verbalizada, ou redigida.

  9. Entendimento contrário, esvaziaria praticamente o âmbito de aplicação do art.º 187.º do CP, retirando-lhe o seu principal efeito útil, posto que, a esmagadora maioria das ofensas a pessoas coletivas ocorre, exatamente, através da “palavra escrita”.

  10. Cabendo sublinhar que, frequentemente, a “palavra escrita” configura um meio de divulgação, bem mais potenciador de efeito ofensivo, do que a “palavra dita” porque, tantas vezes: a. Acessível a mais destinatários, b. Facilita o anonimato (como tentou o arguido no caso destes autos), em consequência, o sentimento de impunidade e, nessa medida, a propagação de fatos inverídicos, com o propósito de prejudicar, c. Se materializa num documento, ou suporte, i. Que perdura e, ii. Não raramente torna impossível ao ofendido impedir a sua (re)divulgação.

  11. Não foi, certamente, intenção do legislador criminalizar o menos (palavra dita), para permitir o mais (palavra escrita) 17. Justamente, neste sentido tem vindo a decidir a nossa jurisprudência, conforme a título meramente exemplificativo indicamos: Ac. Tribunal da Relação do Porto Proc. 4213/12.4TDPRT.P1, DATA 02-10-2013, FONTE DGSI; Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. 7106/14.7TDLSB.L1-5, DATA: 05/04/2016, FONTE: DGSI; Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. 95/15.2PEPDL.L1-3, DATA: 05/07/2017, FONTE: DGSI; Ac. Tribunal da Relação do Porto, Proc. 454/14.8TABRG.P2, DATA: 03/08/2017, FONTE: DGSI; Ac. Tribunal da Relação do Porto, Proc. 2270/17.6T9VFR.P1, DATA: 18/03/2020, FONTE: DGSI, Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, PROC 2464/19.0T9LSB.L2-5, DATA: 16-03-2021, FONTE: DGSI.

    Sem conceder, 18. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao artigo 187.º: “O crime de ofensa a pessoa coletiva está numa relação de especialidade com o crime de ofensa à reputação económica da pessoa coletiva (art.º 41.º DL n.º 28/84 de 20.1, ver a anotação do art.º 183.º)” 19. O que, como ensina o Prof. Faria Costa, encontra plena justificação no seguinte facto: “A credibilidade de uma instituição afere-se pelo comportamento cumpridor, diligente e pontual, mas sobretudo pela sua conduta séria e parcial revelada na actuação dos seus órgãos e membros; sendo o prestígio demonstrado pela imposição da pessoa colectiva no seu domínio específico da sua actuação, perante instituições congéneres e, por isso mesmo, perante a própria comunidade que serve e que a envolve; mostrando-se uma instituição digna de confiança “quando pela sua génese e actuações posteriores se apresenta, paradigmaticamente, como entidade depositária daquele mínimo de solidez de uma moral social que faz com que a comunidade a veja como entidade em quem se pode confiar” 20. Deste modo, a capacidade ou idoneidade de ofensa da credibilidade, do prestígio ou da confiança da pessoa coletiva, para efeito do art.º 187.º e 183.º do CP, deve ser aferida de acordo com o critério objetivo da compreensão e perceção do normal homem comum.

  12. De acordo com previsão expressa da lei, ao artigo 187.º n.º 2 CP, é correspondentemente aplicável o disposto no art.º 183.º do CP.

  13. E como refere o próprio Dr. Paulo Pinto de Albuquerque, em comentário ao artigo 183.º do CP:“Os graffiti, o correio e as redes de telecomunicações (telefone, telemóvel, telégrafo) não são "meios de comunicação social", mas são um meio de "publicidade", para os efeitos do n.º 1, al. a).” Ou seja, 23. O art.º 183.º, n.º 1, al. a) prevê um conceito alargado do que são “meios de divulgação”, 24. Precisamente, com o objetivo de melhor proteger o bem jurídico alvo de tutela penal, a imagem real que os “outros” têm da pessoa coletiva (nos dizeres do Prof Faria Costa), 25. Sendo que o próprio, Dr. Paulo Pinto de Albuquerque, estende o conceito de meios de divulgação à “palavra escrita” para efeito de interpretação do art.º 183.º, n.º 1, al. a) do CP, expressamente aplicável ao art.º 187.º do CP, 26. O que se compreende, porque tais meios são facilitadores da violação da norma: a. Por permitirem fazer chegar a mensagem capaz de ofender a credibilidade, prestígio, confiança da pessoa coletiva, b. Ao cidadão comum, c. De modo a facilmente ser percebida, d. Assim ofendendo o bem jurídico que se visa proteger, e. Preenchendo o tipo incriminador.

  14. Tal como aconteceu nos autos, 28. Era impossível uns panfletos amarelos fluorescentes, e os seus dizeres, passarem despercebidos (vd fls 4 dos autos) aos transeuntes que circulavam na via pública, aos utentes das máquinas multibancos, aos Srs. proprietários de veículos, aos funcionários e clientes do banco, dado que se encontravam espalhados pelos balcões e suas imediações.

  15. Pelo que até em face da remissão prevista para o art.º 183.º do CPP, designadamente n.º 1, al. a) e a interpretação que é dada ao conceito de meio de divulgação, não faria qualquer sentido excluir do tipo incriminador do art.º 187.º a palavra escrita.

  16. A este propósito convirá apenas salientar, que: a. A acusação particular mencionou expressamente que a conduta ilícita, praticada pelo acusado, preenchia o artigo 187.º, n.º 2 al. a) do CP e 183.º n.º 1 a) e b) do CP e, b. A decisão instrutória pronunciou o arguido pela prática como autor material, e na forma consumada, de um crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 187.º, n.º 1 e 2 al. a) e 183.º, n.º 1, al. a) do CP.

  17. Teve o arguido...

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