Acórdão nº 1902/22.9YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Relatório I.1 – Questões a decidir AA, portuguesa e brasileira3, e BB, brasileiro4, ambos residentes no ..., interpuseram recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 11 de Outubro de 2022 que julgou improcedente a acção de revisão de sentença estrangeira, onde formularam o pedido de confirmação da “escritura declaratória de união estável”, que haviam outorgado no Brasil.

Apresentaram alegações de recurso que culminam com as seguintes conclusões: 1.

Dispõe o art.º 985.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que «Da decisão da Relação sobre o mérito da causa cabe recurso de revista».

  1. No caso dos autos, o acórdão recorrido reveste a natureza de decisão de mérito, sendo de improcedência da acção e não de absolvição da instância.

  2. No sentido da admissibilidade do recurso em caso idêntico ao dos autos, vide o recente acórdão deste Venerando Tribunal de 07.06.2022, proferido no processo n.º 641/22.5YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt; também em caso similar ao dos autos, com fundamento em que o acórdão da Relação pôs termo ao processo, o acórdão de 20.10.2015, proferido no processo n.º 50/14.0YRGMR.S1, consultável em www.dgsi.pt.

  3. Sendo assim admissível o presente recurso. Da ilegalidade da decisão recorrida/Da inexistência de qualquer violação à alínea f) do art.º 980.º do CPC 5.

    O acórdão recorrido discorda da posição explanada em alguns acórdãos deste Venerando Tribunal (vide acs. STJ 29-01-2019 (Exmo. Conselheiro Alexandre Reis), p. 896/18.0YRLSB.S1; STJ 08-09-2020 (Exmo. Conselheiro Jorge Dias), p. 1884/19.4YRLSB.S1, e 21-12-2021 (Exma. Conselheira Ana Resende), p. 2200/21.0YRLSB-7) segundo os quais “numa ação que tem por objeto a revisão e confirmação de escritura declarativa de união estável não cabe à Relação apreciar se a sentença que proferir pode ou não constituir instrumento bastante para obtenção da nacionalidade portuguesa…”.

  4. Entende o douto Tribunal da Relação que nas acções de simples apreciação como é o caso da acção de revisão de sentença estrangeira, a finalidade visada com a propositura da ação desempenha um papel preponderante”.

  5. A decisão em sindicância é controversa, tanto assim é que obteve um voto de vencido da Exma. Sra. Dra. Juiz Desembargadora, Micaela Sousa, que entendeu, para o que aqui interessa que “…Conforme sustentei no acórdão proferido em 28 de Setembro de 2021, no processo n.º 1274/21.9YRLSB, de que fui relatora, nada impede que uma escritura possa ser objecto de um processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira, nos termos regulados pelo artigo 978º e seguintes do Código de Processo Civil, sem que na aferição da verificação dos pressupostos da sua confirmação deva ser atendida a probabilidade de a finalidade última dos requerentes ser a aquisição da nacionalidade portuguesa por um deles, posto que venha apenas pedida a revisão e confirmação da escritura/sentença…”.

  6. A decisão recorrida não questiona o facto de poder ser revista, em condições análogas à da sentença, a escritura pública aqui em causa, 9.

    Não obstante tal, entende o acórdão recorrido que “…outros obstáculos se apresentam à procedência da presente causa”.

  7. No entendimento do Tribunal da Relação “Não existe em Portugal um estado civil para o “unido de facto”, não podendo invocar-se essa situação como “impedimento matrimonial” (v.g. arts. 1600.º e ss do C.C.), nem sequer como impedimento para a constituição doutras uniões de facto. A admitir-se semelhante efeito tal constituiria um limite inaceitável ao direito constitucional de constituir família, sob a tutela do Estado (art. 67.º da CRP) e, bem assim, ao seu inverso, a saber, o direito de não constituir família. Em todo o caso, como referido, existem situações em que a união de facto assume relevância, não propriamente como “estado”, mas como “situação de facto” a que são atribuídos certos efeitos jurídicos. Sucede que, essas situações não podem estar compreendidas no âmbito específico das ações de revisão de sentença estrangeira”.

  8. E conclui o Acórdão recorrido que “Nesta conformidade, e considerando a importância vital que todos os Estados atribuem às regras substantivas e procedimentais que regulam os mecanismos de reconhecimento e atribuição da nacionalidade, consideramos que o reconhecimento da sentença revivenda na ordem jurídica nacional ofende a Ordem Pública Internacional do Estado Português”, o que, segundo o Acórdão em sindicância nos termos do disposto no art.º 980.º al. f) do CPC, obsta “ao reconhecimento e confirmação da sentença revivenda, conduzindo por isso à improcedência da presente acção”.

  9. Não subscrevemos tal entendimento, sendo aliás, salvo o devido respeito ilegal, pois extravasa a finalidade que se pretende com a revisão de uma sentença estrangeira, neste caso, de uma escritura pública de reconhecimento de união estável entre os recorrentes.

  10. No regime jurídico brasileiro é atribuído à união de facto um conjunto de efeitos jurídicos que vão muito além do que decorre a nível nacional da lei da união de facto (Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio).

  11. No Código Civil Brasileiro consta sob o Título III – Da União Estável o seguinte: Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Nos termos do art. 215º do Código Civil Brasileiro, a escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.

  12. Como refere Ronan Cardoso Naves Neto, in A União Estável nas Serventias Extrajudiciais, 2017, pp. 73-74 “[…] a escritura pública declaratória de união estável, apesar de não possuir presunção absoluta de veracidade, serve de prova pré-constituída da existência da união estável, uma vez que incide fé pública sobre a declaração dos companheiros no tocante à convivência pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família. Assim, constitui instrumento apto a disciplinar as relações patrimoniais entre os conviventes. […] Não obstante a força probante da escritura pública declaratória de união estável, certo é que apenas o registro de tal documento no registro público é que operará efeitos em relação a terceiros e cognoscibilidade das demais pessoas acerca de tal relacionamento familiar. Repise-se que, embora destituído dos atributos dos documentos públicos, é possível que os conviventes formalizem seu relacionamento afectivo através de documento particular devidamente assinado. Todavia, imprescindível é que tais documentos tenham ingresso no registro público para que operem efeitos contra terceiros de boa-fé.” 16.

    No que respeita ao registo da união estável, veja-se o Provimento...

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