Acórdão nº 1005/19.3GLSNT.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelISILDA PINHO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 1005/19.3GLSNT que corre termos pelo Juízo Local Criminal de Sintra [Juiz 3], do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, em 27 de abril de 2022, foi proferida sentença, no que agora interessa, com o seguinte dispositivo [transcrição]: “V. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, decido:

  1. Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos artigos 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, do Código Penal, na pena de 160 dias de multa, ao quantitativo diário de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses; b) Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 10 dias de multa, ao quantitativo diário de € 6,00; c) Condenar o arguido em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 140 dias de multa, ao quantitativo diário de € 6,00;” * I.2 Recurso da decisão Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso o arguido e o Ministério Público para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraíram as seguintes conclusões [transcrição]: Recurso do arguido: “CONCLUSÕES I. Provou-se que “Em 10-07-2019, pelas 08.41, na Avenida ..., Terrugem, Sintra, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com matrícula XXXX, fazia-o sob a influência de produto estupefaciente que havia consumido anteriormente, designadamente canabis, tendo apresentado os seguintes resultados: D9-tetrahidrocanabinol (THC) de 5,8 ng/ml, 11-Hidroxi-D9-tetrahidrocanabinol (11-OH- THC) de 1,8 ng/ml, sendo interveniente em acidente de viação, e encontrando-se acompanhado por C, o qual estava sentado no lugar da frente ao lado do condutor”.

    1. Para o preenchimento do tipo legal de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos artigos 291.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal é necessário que o condutor não esteja em condições de o fazer em segurança, por se encontrar sob a influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e em virtude desse facto cria perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.

    2. O tipo objetivo do crime consiste, pois, no ato de condução de um automóvel na via pública não estando em condições de o fazer em segurança, por se encontrar sob a influência estupefacientes e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.

    3. Apurando-se que o ora recorrente conduzia com uma concentração sanguínea de THC de 5,8 ng/ml e de 11-OH-THC de 1,8 ng/ml, por conseguinte muito abaixo de 50ng/ml, deve interpretar-se que os valores apurados são insuscetíveis de perturbar a capacidade física, mental ou psicológica para o exercício da condução de veículo a motor com segurança, uma vez que a lei apenas considera que se encontra sob a influência de substâncias psicotrópicas quem apresentar valores superiores 50ng/ml, limite este consagrado nas disposições conjugadas do art. 10º, da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, e art. 16º, da Portaria nº 902-B/2007, de 13 de Agosto, e quadro nº 2, do anexo V, à mesma.

    4. Nos termos e para os efeitos do art. 412.º, n.ºs 2, als. a) e b), face à dada como provada, a sentença recorrida violou não só o disposto nos artigos 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, do Código Penal, mas também as disposições conjugadas do art. 10º, da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, e art. 16º, da Portaria nº 902- B/2007, de 13 de Agosto, e quadro nº 2, do anexo V, bem como incorreu em errada interpretação das aludidas normas legais quanto ao preenchimento dos elementos do tipo de crime.

    5. Embora a decisão ora recorrida dê a conhecer os meios de prova em que assentou a sua apreciação, com a indicação do respetivo conteúdo, a verdade é que não apreciou nem valorou criticamente a prova, dentro dos parâmetros positivados no art. 127.º, do Código de Processo Penal, violando, por conseguinte, também esta disposição legal.

    6. Neste sentido, considerando que o tipo legal de crime previsto no art.º 291.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal apenas se preenche se o condutor se encontrar sob a influência de substâncias psicotrópicas, e que este conceito apenas se preenche se os valores apurados forem superiores 50ng/ml, limite este consagrado nas disposições conjugadas do art. 10º, da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, e art. 16º, da Portaria nº 902-B/2007, de 13 de Agosto, e quadro nº 2, do anexo V, mostrando-se que o valor apurado era inferior a 50ng/ml, é manifesto que o conceito jurídico de “influenciado por substâncias psicotrópicas” não se mostra preenchido, o que obsta ao preenchimento do tipo legal de crime p.p. pelo art.º 291.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.

      TERMOS EM QUE, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E EM CONSEQUÊNCIA DEVE A DECISÃO RECORRIDA SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ABSOLVA O ORA RECORRENTE DA PRÁTICA DO CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO, P. E P. PELOS ARTIGOS 291.º, N.º 1, ALÍNEA

      1. E 69.º, DO CÓDIGO PENAL, E DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR EM QUE FOI CONDENADO.

      (…)” * Recurso do Ministério Público: “EM CONCLUSÃO I. A sentença proferida nos presentes autos, ao efetuar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido, certamente por mero lapso, violou o disposto no nº 2 do artigo 77º do Código Penal fazendo uma incorreta interpretação dessa norma jurídica.

    7. O arguido foi condenado, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º, nº 1, al. a), do Código Penal, para além do mais, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa e, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes p. e p. pelo artigo 40º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de janeiro, na pena de 10 (dez) dias de multa, ambas no montante diário de seis euros.

    8. E, sendo considerado na referida sentença que a pena única a aplicar ao arguido “situar-se-á entre um mínimo de 10 dias de prisão e um máximo de 170 dias de prisão”, foi o mesmo condenado na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa no montante diário de € 6,00 (seis euros).

    9. No entanto, tal juízo evidencia uma incorreta interpretação da norma jurídica plasmada no nº 2 do artigo 77º do Código Penal segundo a qual “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (…) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

    10. Ou seja, tendo presentes as penas de multa aplicadas ao arguido – uma de dez dias e outra de cento e sessenta dias –, a moldura abstrata da pena do concurso de crimes por que o arguido foi condenado tem como limite mínimo cento e sessenta dias (correspondentes à pena parcelar mais elevada) – e não os indicados dez dias – e o limite máximo de cento e setenta dias.

    11. Foi, assim, em consequência desse juízo viciado, fixada uma pena única (de cento e quarenta dias) situada abaixo daquele limite mínimo de cento e sessenta dias de multa.

    12. Porém, tendo em consideração os fatores apontados na sentença recorrida, desta feita à luz da moldura abstrata supra enunciada, deverá a pena única a aplicar ao arguido ser fixada em medida não inferior a 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa (no montante diário fixado na sentença recorrida).

    13. Com efeito, sendo fixada nessa medida, a pena única revelar-se-á adequada e proporcional quer às finalidades da punição quer à globalidade dos factos e à personalidade do arguido nomeadamente à mediana ilicitude daqueles, os quais se reportam a um curto período temporal, e ao facto de, como se salienta na sentença recorrida, “estarmos na presença de um jovem que cometeu os factos num contexto excecional e irrepetível”.

    14. Pelo exposto, e sendo concedido provimento ao presente recurso, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que fixe, como limite mínimo da moldura aplicável ao concurso, cento e sessenta dias de multa, que correspondem à pena parcelar mais elevada, e, consequentemente, seja o arguido condenado numa pena única não inferior a 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa (no montante diário fixado na sentença recorrida).” [sublinhado nosso].

      * Foram admitidos ambos os recursos, nos termos dos despachos proferidos, respetivamente a 26-05-2022 e 31-05-2022.

      * I.3 Resposta ao recurso Efetuada a legal notificação, apenas o Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: “(…) I. Perante as conclusões do recurso que delimitam o seu objeto, importa “somente” apreciar se a sentença recorrida fez uma incorreta interpretação da norma jurídica constante da alínea a) do nº 1 do artigo 291º do Código Penal ao considerar que a matéria de facto dada como provada é suscetível de integrar o conceito de “influenciado por estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo”.

    15. O arguido sustenta, em síntese, que os resultados do exame ao sangue que lhe foi efetuado, por serem de valor inferior ao que, para tanto, é estipulado pelo quadro 2 do anexo V da Portaria nº 902-B/2007, de 13 de Abril, são insuscetíveis de indicar que se encontrava sob a influência de estupefacientes para os efeitos requeridos pela referida norma jurídica.

    16. Porém, nos termos do disposto no artigo 16º da Portaria nº 902-B/2007, de 13 de abril, e sem prejuízo de interpretação distinta, tal limite só é aplicável ao “exame de rastreio” previsto no nº 1 do artigo 11º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, anexo à Lei...

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