Acórdão nº 1163/22.0T8FNC.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR TABORDA LOPES
Data da Resolução06 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Decide-se na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório A… e A1 intentaram a presente acção declarativa de reconhecimento de união de facto, sob a forma de processo comum, contra o ESTADO PORTUGUÊS.

Liminarmente o Tribunal a quo proferiu a seguinte Decisão: “Decorre do artigo 122.º, supra citado, que o os Juízos de Família e Menores são os que estão vocacionados para tomar decisões acerca do estado civil das pessoas e inclusivamente a respeito de situações de união de facto (veja-se, em partícula, as alíneas b) e g) do artigo 122.º, n.º 1, supra citado).

Por sua vez, o artigo 3.º, n.º 3, supra citado, da Lei 37/81, de 3 de novembro, não obsta a que se considere que é o juízo de Família e Menores o competente para conhecer a presente causa em que se pretende o reconhecimento da situação de união de facto, não se afigurando que tivesse sido esse o intuito do legislador, sendo certo que a área de família e menores não deixa de ser uma área especializada dentro da área cível.

Daí que não se concorde com a jurisprudência que interpreta o artigo 3.º, n.º 3, aludido, no sentido de que apenas os juízos locais cíveis e não os juízos centrais de família e menores têm competência para reconhecer situações de união de facto com vista à atribuição da nacionalidade portuguesa, designadamente o Ac. STJ de 03.03.2021.

Conforme decorre da epígrafe do artigo 122.º da Lei 37/81, de 3 de novembro, o mesmo define a competência dos juízos centrais de família e menores para litígios atinentes ao estado das pessoas, numa aceção que inclui as situações de união de facto. Refere o aludido acórdão, “(…) Alguns acórdãos dos Tribunais das Relações de Coimbra e de Lisboa [1], têm vindo a decidir que a competência para julgar estas ações pertence aos tribunais de competência especializada de família e menores, considerando que esse tipo de ações se enquadra na competência especializada atribuída na referida alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º da LOSJ, aos tribunais de família e menores, por se tratarem de ação relativas ao estado civil das pessoas, uma vez que esta designação se reporta às condições ou qualidades pessoais que têm como fonte as relações jurídicas familiares, incluindo as resultantes das uniões de facto. (…)”.

Concordamos com esta visão (manifestada entre outros, pelo Ac. RC de 31.03.2020), considerando-se que é o Juízo de Família e Menores competente para conhecer uma ação como a presente em que se pretende o reconhecimento de situação de facto com vista à atribuição de nacionalidade portuguesa, à luz do artigo 122.º, n.º 1, al. g) da LOSJ, sendo certo, ademais, que, conforme realça o Ac. RP de 26.04.2021, a “(…) Constituição não admite a redução do conceito de família à união conjugal baseada no casamento, isto é, à família “matrimonializada”; constitucionalmente, o casal nascido da união de facto juridicamente protegida também é família (…)”. Importa notar ainda que o juízo local cível tem competência residual, apenas sendo competente em causas não atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada (veja-se artigo 130.º, n.º 1, da LOSJ), pelo que, havendo juízo de competência especializada, como é o caso, fica afastada a competência do primeiro.

Em face ao exposto, verifica-se que o presente Juízo Local Cível é absolutamente incompetente para conhecer a causa, sendo competente o Juízo Central de Família e Menores.

A incompetência absoluta é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da instância, nos termos dos artigos 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1 e 576.º, n.º 2, do CPC.

Pelo exposto, absolvo o réu da instância.

As custas ficam a cargo dos autores.

Valor da casa: 30.000,01€.

Registe e notifique”.

É desta Decisão que os Autores interpuseram recurso, apresentando as suas Alegações e formulando as seguintes Conclusões: 1.ª Para que um estrangeiro que viva em união de facto há mais de três anos com nacional português possa adquirir a nacionalidade portuguesa deve ser reconhecida dita união de facto por ação interposta em tribunal cível, conforme dispõe o nº 3 do art.º 3º da Lei 37/81, de 03 de outubro, com a redação introduzida pela Lei 2/2020 de 10 de novembro.

  1. A ação foi interposta no Tribunal Local Cível do Funchal, que declara a sua incompetência absoluta para conhecer a causa e refere como competente o juízo central de família e menores, absolvendo o réu da instância.

  2. Interposta a ação no Juízo de Família e Menores do Funchal, com processo nº 1297/22.0T8FNC-J2 o ministério Público apresenta contestação alegando que: “o art.º 3º, nº 3 da Lei 37/81, de 03/10, dispõe que o Tribunal Cível é o competente para conhecer da presente ação.

  3. Neste sentido o Ministério Público alega a jurisprudência dos nossos Tribunais antes assinalada e que algumas foram invocadas na ocasião da petição inicial.

  4. O legislador quis manter uma norma especial na Lei da Nacionalidade no que respeita há adquisição da nacionalidade nos termos do nº 3 do Art.º 3 da Lei 37/81, de 03/10.

  5. O Juízo Cível não aderiu à recente jurisprudência dos nossos tribunais.

O Ministério Público apresentou Contra-alegações, propugnando a revogação da Decisão proferida.

* Questões a Decidir São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (“exercendo uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das exceções na contestação”, como refere, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Almedina, 2020, página 135), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.

Assim, em causa nestes autos estará a questão do Tribunal materialmente competente para a tramitação e decisão das acções de simples apreciação positiva de reconhecimento da existência de uma situação de união de facto, para efeitos de atribuição da nacionalidade portuguesa (nos termos previstos no artigo 3.º da Lei da Nacionalidade).

Cumpre decidir.

Os Factos A factualidade a considerar é a que resulta do Relatório.

* O Direito O enquadramento e organização do sistema judiciário português tem a sua arquitectura desenhada pela Lei da Organização do Sistema Judiciário-LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) onde, no seu artigo 37.º[1] (“Extensão e limites da competência”), n.º 1, se preceitua que, na “ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território”[2].

Acresce que, nos termos do artigo 40.º (“Competência em razão da matéria”) do referido diploma: - os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (n.º 1 e artigo 64.º do Código de Processo Civil[3]); - a competência em razão da matéria é definida por esta Lei, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada (n.º 2).

O procedimento que daqui decorre na definição do Tribunal competente em razão da matéria, já José Alberto dos Reis - com a sua clareza linear - explicava (ainda que à face do, similar na matéria, Código de Processo Civil anterior) que assenta num critério geral de orientação que passa por: - “as causas que não forem atribuídas pela lei a alguma jurisdição especial são da competência do tribunal comum”; - a “lei, ao criar e organizar os tribunais especiais, deve delimitar, cuidadosamente, e delimita na verdade, a sua zona de competência, isto é, deve especificar as causas para as quais é competente”; - todas “as causas que, por lei, não são da competência dalgum tribunal especial pertencem ao foro comum. De modo que a competência dos tribunais especiais determina-se por investigação directa: vai-se ver qual é, segundo a lei orgânica do tribunal, a espécie ou espécies de acções que podem ser submetidas ao seu conhecimento”; - “a competência do foro comum determina-se por exclusão: apurado que a causa de que se trata não entra na competência de nenhum tribunal especial, conclui-se que para ela é competente o tribunal ou juízo comum. Portanto, a competência do foro comum só pode afirmar-se com segurança depois de se ter percorrido o quadro dos tribunais especiais e de se ter verificado que nenhuma disposição de lei submete a acção em vista à jurisdição de qualquer tribunal especial”[4].

Está em causa - na situação dos autos e como já se disse - a competência material para apreciação do reconhecimento judicial da existência de uma união de facto para efeitos de atribuição da nacionalidade portuguesa: - entre os Juízos de Família e Menores (posição assumida pelo Tribunal a quo) – baseada no artigo 122.º (Competência relativa ao estado civil das pessoas e família), n.º 1, alínea g)[5] (“Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar: (…) g) Outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família”) da LOSJ; - e os Juízos Cíveis (posição defendida pelos Autores e pelo Ministério Público) – baseada no artigo 130.º (Competência), n.º 1 (“Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada”), da LOSJ e do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade.

Sabendo que os tribunais judiciais de 1.ª instância são, nos termos do artigo 79.º da LOSJ - por norma - os tribunais de comarca, que estes se desdobram em juízos (que podem ser de competência especializada[6], de competência genérica e de proximidade - artigo 81.º, n.º 1, da LOSJ), que compete...

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