Acórdão nº 139/22.1T8MFR.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelTERESA SANDIÃES
Data da Resolução06 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa O Ministério Público, ao abrigo do disposto nos artigos 138º e 141º, nº 1 do Código Civil e 891º e seguintes do CPC, com as alterações introduzidas pela Lei nº 49/2018 de 14 de agosto, instaurou ação especial de acompanhamento de maior, contra ML.

Concluiu pela procedência da ação, nos seguintes termos: “- decretar-se o Acompanhamento de ML, relativamente à gestão da sua pessoa e bens mediante representação geral por razões de saúde, nos termos do artigo 145º nº 2 al b) 1ª parte do Código civil uma vez que não tem capacidade para exercer qualquer actividade que lhe diz respeito quer no âmbito da gestão da sua pessoa quer no âmbito da gestão de bens; - que a data de início de incapacidade seja aferida pelo Perito Médico competente aquando da avaliação médica nos presentes autos. (…) Para exercer as funções de acompanhamento, em qualquer das suas vertentes pessoal ou patrimonial (representação geral) indica-se: PL, filho do beneficiário.“ Face à impossibilidade de citação do beneficiário foi nomeada defensora, que apresentou contestação, tendo requerido a realização de prova pericial ao beneficiário, bem como a sua audição. Requereu, ainda, que seja nomeada para as funções de acompanhante ao beneficiário a sua mulher, com quem reside; e nomeado como protutor o filho do beneficiário.

Foi realizada perícia ao beneficiário.

Notificado do relatório pericial e face ao seu teor, o beneficiário requereu, por ter por necessária, a sua audição “afim de cabalmente melhor se aferir das medidas de Acompanhamento, nomeadamente, as limitadoras de direitos pessoais, e de quem, logisticamente e afetivamente, deverá ser o Acompanhante/tutor do Beneficiário do Beneficiário.” O Ministério Público pronunciou-se no sentido de nada opor ao requerido, diligência que também requereu por considerá-la como essencial e obrigatória.

De seguida foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “a) Declaro a necessidade de representação geral de ML, por razões de saúde, desde 2021; b) Nomeio como sua acompanhante a mulher, AL; c) Constituo Conselho de Família, nomeando como vogais do Conselho de Família PL e CR, filho e nora, respectivamente; d) Designo como Protutor PL; e) Declaro que se desconhece a existência de testamento vital e de procuração para cuidados de saúde.” Previamente à prolação da sentença, e sob a mesma conclusão, foi proferido o seguinte despacho: “Considerando o conteúdo do relatório pericial que antecede, a vigência da Lei n.º 1- A/2020 de 19.03, cuja eficácia retrotrai a 09.03.2020, nos termos do seu artigo 10.º, conjugado com o artigo 37.º do Dec. Lei n.º 10-A/2020 de 13.03, e bem assim o estado de alerta por virtude do SARS COV 2 e a doença COVID 19, declarado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022 de 26.08, dispenso a realização da audição do beneficiário, ao abrigo do artigo 26.º, n.º 2 da Lei n.º49/2019 de 14.08.” O Ministério Público interpôs recurso do despacho de dispensa de realização da audição do beneficiário, e consequentemente da sentença final, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: “1. Por decisão proferida a 26.09.2022, em momento anterior à prolação da sentença, a Mm.ª Juiz do tribunal a quo decidiu dispensar a realização da audição do beneficiário, fazendo-o ao abrigo do artigo 26.º, n.º 2 da Lei n.º49/2019 de 14.08 e “considerando o conteúdo do relatório pericial (…), a vigência da Lei n.º 1-A/2020 de 19.03, cuja eficácia retrotrai a 09.03.2020, nos termos do seu artigo 10.º, conjugado com o artigo 37.º do Dec. Lei n.º 10-A/2020 de 13.03, e bem assim o estado de alerta por virtude do SARS COV 2 e a doença COVID 19, declarado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022 de 26.08”.

  1. Mais considerou que “as razões arguidas nos requerimentos que antecedem relativamente à audição do beneficiário prendem-se essencialmente com o diferimento do cargo de acompanhante, não bulindo com a aferição da necessidade de acompanhamento ou sua extensão, razão pela qual não se vislumbra necessidade de proceder à audição daquele, atendendo às razões expostas no corpo do texto, sendo quanto àquele diferimento os autos já possuem elementos que permitem decidi-lo sem necessidade de outras diligências.” 3. Ora, após o exame médico realizado ao beneficiário e na sequência do relatório pericial junto, este, por intermédio do seu defensor, veio requerer a sua audição pessoal, “afim de cabalmente melhor se aferir das medidas de Acompanhamento, nomeadamente, as limitadoras de direitos pessoais, e de quem, logisticamente e afetivamente, deverá ser o Acompanhante/tutor do Beneficiário do Beneficiário”, em conformidade com o previsto nos artigos 139.º, n.º 1, do C. Civil e art.º e 898º do C.P. Civil.

  2. Tal requerimento mereceu a concordância do Ministério Público, requerendo igualmente a audição daquele.

  3. Porém, em momento imediatamente anterior à sentença proferida, a Mm.ª Juiz do tribunal a quo decidiu pela dispensa da audição do beneficiário, fazendo-o ao abrigo do disposto no art.º 26.º/2 da Lei n.º 49/2019 de 14.08 e com base nos fundamentos supra aduzidos.

  4. Ora art.º 26.º da Lei n.º 49/2019 de 14.08, que criou o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, estabelece no seu n.º 1 que a “presente lei tem aplicação imediata aos processos de interdição e de inabilitação pendentes aquando da sua entrada em vigor”, referindo o n.º 2 que o “juiz utiliza os poderes de gestão processual e de adequação formal para proceder às adaptações necessárias nos processos pendentes”.

  5. Acontece, que a presente ação foi já instaurada após a entrada em vigor de tal lei, não havendo, no nosso entender, que efetuar qualquer gestão processual ou adequação formal do processado em face do novo regime estabelecido, porquanto tal apenas se justifica nos processos de interdição e/ou inabilitação anteriores.

  6. Consideramos ainda que a invocação da vigência da Lei n.º 1-A/2020 de 19.03, e do Dec. Lei n.º 10-A/2020 de 13.03, e bem assim o estado de alerta por virtude do SARS COV 2 e a doença COVID 19, diplomas que, na altura da sua entrada em vigor vieram estabelecer medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, não é fundamento suficiente para dispensar a diligência de audição pessoal do beneficiário a qual, perante o invocado estado de alerta, sempre poderia ser realizada através de meio de comunicação à distância adequado (nesse mesmo sentido vide o art.º 6.º-E/n.º 2 al. b), n.º 4 al. a) e n.º 5 da primeira citada lei).

  7. Nos processos de maior acompanhado a diligência de audição pessoal e direta do beneficiário é obrigatória e em caso algum pode ser dispensada, sendo que qualquer eventual impossibilidade de proceder àquela audição deve ser pessoalmente verificada pelo juiz, aquando a realização da diligência – art.ºs 897.º e 898.º ambos do Código Processo Civil 10. Com efeito, esta audição pessoal deve sempre ocorrer, mesmo que o juiz se tenha que deslocar ao local onde o beneficiário se encontre, pois que um dos princípios orientadores do processo especial de acompanhamento de maiores é o da imediação na avaliação da situação física ou psíquica do beneficiário, não só para se poder conhecer a real situação daquele, mas também para se poder ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas a essa situação e, a nosso ver, da pessoa que melhor desempenhará as funções de acompanhante.

  8. Prescindir da audição pessoal do beneficiário implicaria reduzir, de modo desproporcionado e sem motivo bastante, o seu direito a ser consultado, contrariando assim um dos mais relevantes princípios norteadores do regime do maior acompanhado.

  9. Cremos, pois, que o despacho da Mm.ª Juiz do tribunal a quo, que dispensou a realização da audição pessoal e direta do beneficiário, violou a norma legal prevista no art.º 897º, nº 2 do CPC, o que, por ter manifesta influência no exame e decisão da causa, configura uma nulidade processual, nos termos previstos no art.º 195º, n° 1, 2ª parte, do CPC, e que tem como consequência a anulação do processado subsequente, maxime da sentença final, proferida posteriormente.

  10. Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar-se a decisão que dispensou a realização da audição do beneficiário, anular o processado subsequente à decisão recorrida, incluindo a sentença final, e determinar-se a audição pessoal e direta de ML, nos termos do artigo 139º, nº 1 do Código Civil e nos artigos 897º, nº 2 e 898º ambos do Código de Processo.” Não foram apresentadas contra-alegações.

O beneficiário apresentou recurso da sentença, terminando com as seguintes conclusões: “I- O presente destina-se à parte da douta Sentença, que após declarar “(…) a necessidade de representação geral de ML, por razões de saúde, desde 2021; (…)” vem a decidir, nomeando, CR, como uma das vogais para composição do conselho de família, tendo como pressuposto, entre outros e nomeadamente, que a atrás referida CR é nora do Beneficiário ora Recorrente, conforme se passa a transcrever da Sentença supra identificada e o infra transcrito que consta a sublinhado, é nosso), isto é, i- Se não tendo sido indicada pelos Requerente/Ministério Público, nem pelo Beneficiário ora Recorrente, a CR para qualquer cargo da tutela, a mesma poderia vir a ser nomeada segunda vogal do concelho de família, sem que antes fossem ouvidos os demais que foram nomeados e os Requerente/Digno MP e Requerido/o ora Recorrente, nem que tal fosse feito por notificação elaborada para o efeito e; ii- Se estão, ou não, verificados os necessários pressupostos para a nomeação do segundo vogal, CR, para o concelho de família.

Prosseguindo com a transcrição da Sentença que ao caso interessa e consta no acima ponto I referida: “ V - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA: (…) Face ao...

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