Acórdão nº 10513/19.5T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO CURA MARIANO
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* I – Relatório A Autora intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Réu, pedindo: a) a declaração de nulidade, por falta de forma, do contrato de intermediação financeira celebrado entre a autora e o réu, e, em consequência, a reposição da situação anterior, com a condenação do réu a restituir à autora o montante de €50.000,00, quantia acrescida de juros moratórios até efetivo pagamento; b) subsidiariamente, a condenação do réu a pagar à autora o capital e os juros vencidos e garantidos, o que, na data, perfaz a quantia global de €57.000,00, bem como os juros vincendos, desde a citação até integral pagamento; c) subsidiariamente ainda, a declaração de nulidade de qualquer contrato de adesão que venha a ser invocado pelo réu para a aplicação da quantia de €50.000,00, pertença da autora no produto financeiro «Obrigações SLN2006»; d) a declaração de ineficácia em relação à autora da aplicação feita pelo réu com tal quantia; e) a condenação do réu a restituir à autora a quantia de €57.000,00, acrescida de juros de mora contados à taxa contratada, e de juros vincendos, desde a citação e até efetivo cumprimento; f) a condenação do réu a pagar €3.000,00 à autora, a título de danos não patrimoniais.

Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte: - o Réu, em Janeiro de 2008, na qualidade de intermediário financeiro, subscreveu em nome da autora o produto «Obrigação SLN2006», fazendo-o sem para o efeito receber qualquer ordem escrita da Autora, e sem reduzir a escrito negócio de intermediação financeira, pelo que tal acordo de intermediação financeira é nulo por falta de forma; - jamais lhe foi explicado que o Réu estava a atuar na qualidade de intermediário financeiro, e que estava a adquirir um produto financeiro emitido por uma terceira entidade; - jamais lhe foi mencionado o nome “SLN”, ou explicado o que era esta entidade, ou ainda que iria adquirir obrigações, e que estas traduzem a emissão de dívida de uma determinada entidade.

Subsidiariamente, alegou, ainda em síntese: - sendo cliente do Réu, titular da conta à ordem n.º ...01, a 23.01.2008 o gerente da agência do ... do banco Réu informou-a que possuía uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo “BPN” e rentabilidade assegurada, mas qua tal funcionário sabia que a autora não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, tendo um perfil conservador, e por isso, até à data, sempre tendo aplicado os seus dinheiros em depósitos a prazo.

- todavia, o réu aplicou €50.000,00 pertença da autora em «Obrigações SLN2006», sem que esta soubesse em concreto do que se tratava, e desconhecendo mesmo se a SLN era uma empresa.

- autorizou a operação apenas pelo facto de lhe ter sido dito pelo gerente da agência que o reembolso do capital estava garantido pelo réu, com juros semestrais, e que poderia levantar o capital e os respetivos juros quando assim o entendesse, o que gerou na autora a convicção de estar a aplicar o seu dinheiro num produto com as características de um depósito a prazo e que não autorizaria a operação caso tivesse percebido que estaria a dar ordem de aquisição de um produto de risco sem retorno de capital garantido pelo Réu.

- até Novembro de 2015 recebeu juros semestrais pela aplicação que a maturidade do produto ocorreu em Maio de 2016, sem que tenha sido reembolsada do valor indevidamente utilizado, não tendo sido igualmente pago o valor dos juros previstos para a subscrição do produto indevidamente subscrito.

- por força da atuação do réu, ficou impedida de utilizar o seu dinheiro, o que lhe criou um permanente estado de preocupação e ansiedade, “stress”, tristeza e dificuldades financeiras.

Citado, o Réu apresentou contestação, concluindo pela improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.

Para tanto, em síntese, alegou: - a petição inicial é inepta, por ininteligibilidade da causa de pedir.

- o direito da Autora, a existir, prescreveu.

- o seu exercício corresponde a um abuso de direito.

Em sede de impugnação; - reconhece ser a autora titular de conta bancária junto do Réu, e que o valor mobiliário, «Obrigações SLN2006», foi emitido pela sociedade “SLN-SGPS, SA”, que na data detinha 100% do capital do réu, o que sucedeu até Novembro de 2008, data da sua nacionalização; - o risco da aplicação em causa era semelhante ao de um depósito a prazo constituído no Réu e que o incumprimento que, de facto, veio a ocorrer foi determinado por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais; - não transmitiu à Autora qualquer informação falsa, tendo-lhe sido transmitido que o produto em causa consistia em obrigações, sendo-lhe explicado que tais valores mobiliários constituem representação de dívida da sociedade emitente, no caso a sociedade que detinha o Réu, tratando-se de um produto financeiro com o nível de risco equivalente ao de um depósito a prazo e que foram explicadas à Autora todas as características do produto em causa (remuneração, prazo, condições de reembolso e de transmissão), que a autora compreendeu; - A Autora deu ordem expressa para subscrição do produto, sabendo que com isso não passaria a ser titular de um depósito.

- a ordem de aquisição de valores mobiliários não tem de ser dada por escrito, não existindo formalidade ad substantiam para a válida comunicação de ordens aos intermediários financeiros.

- nunca transmitiu à Autora que o Réu garantiria o cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade “SLN-SGPS, SA”.

A Autora respondeu às exceções, tendo mantido a posição assumida na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a nulidade decorrente de ineptidão da petição inicial e relegado para final o conhecimento das exceções perentórias de prescrição e do abuso de direito.

Realizou-se a audiência de julgamento após o que foi proferida sentença de onde consta: I - Julgo a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condeno o réu “Banco BIC Português, SA”, a pagar à autora AA a quantia de €50.000,00, deduzida do valor dos juros credores por aquela recebidos por crédito na conta bancária nº ...01, entre Janeiro de 2008 e Novembro de 2015, pela subscrição do valor mobiliário «obrigações SLN 2006», a liquidar em decisão ulterior, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso; II - Julgo a presente ação improcedente na parte restante O Réu interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação, tendo a Autora interposto recurso subordinado, na parte em que essa decisão lhe foi desfavorável.

O Tribunal da Relação proferiu acórdão que julgou os dois recursos improcedentes, tendo confirmado a sentença recorrida.

O Réu interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído do seguinte modo as suas alegações: (....) 10. Antes de mais, cumpre salientar que não é correto dizer-se, como fez o douto aresto, que não existe indícios de ter ocorrido um acordo de vontade entre a autora e o réu/apelante no sentido de aquela aplicar a quantia de €50.000,00 na compra de quaisquer títulos imobiliários.

  1. Pode não resultar, é verdade, como se defendeu anteriormente, de forma expressa do elenco dos factos provados (daí o Apelante ter impugnado a matéria de facto dado como não provada, concretamente a alínea r), e que não colheu vencimento junto do Tribunal da Relação do Porto) essa mesma vontade.

  2. Mas não é menos verdade que esse acordo de vontade se encontra, ademais, implícito (diríamos, até, que...

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