Acórdão nº 7882/18.8T8CBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1. AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco BIC Português, S.A.

, pedindo a condenação do R. a pagar ao A. a quantia de €50.000,00, a título de capital, bem como juros remuneratórios dos cupões vencidos e em incumprimento referentes a 08/11/2015 e a 08/05/2016, no valor total de €785,28, juros moratórios vencidos, no valor total de €4.909,59, juros vincendos, desde a citação até efectivo e integral pagamento, e ainda a quantia de €5.000,00, a título de danos não patrimoniais.

Alegou, em síntese, que: - Subscreveu ao balcão do “Banco Português de Negócios” (doravante, BPN), actual “Banco BIC”, aqui R., “Obrigação SLN Rendimento Mais 2006”, no valor de €50.000,00, com garantia de reembolso de capital, o que lhe foi assegurado pelo gerente da agência onde subscreveu o produto; - Só após a nacionalização do BPN e a insolvência da sociedade gestora tomou conhecimento de que a aplicação financeira era efectivamente obrigação da SLN, devendo reclamar o crédito na insolvência; - Desde 08/05/2015 não foram pagos quaisquer juros, sofrendo o A. de preocupação por se ver privado das economias de uma vida de trabalho, assim peticionando indemnização a título de danos não patrimoniais.

O R. contestou, invocando, para além do mais, a prescrição do crédito do A. e impugnando diversa factualidade invocada por este, concluindo pela improcedência da acção.

O A., no exercício do contraditório, veio pugnar pela improcedência da matéria de excepção.

Foi proferido despacho saneador, relegando-se para final o conhecimento da excepção de prescrição.

Por sentença da 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão: «[J]ulgo parcialmente procedente a ação e, em consequência; a) Condeno o Réu a restituir ao Autor a quantia de € 50.000,00 (…) de capital acrescido dos juros contratuais vencidos desde 8/5/2015 até à data em que deveria ter ocorrido a restituição do capital contratualmente, bem como no pagamento dos juros vincendos sobre aquele capital, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento e condeno o réu a pagar ao autor a quantia de € 3.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; b) Absolvo o Réu do mais peticionado.».

Inconformado, interpôs o R. recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 13 de Novembro de 2019 o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

  1. Veio o R. interpor recurso, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido por acórdão de 7 de Maio de 2020 da Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil.

  2. Formulou o Recorrente as seguintes conclusões: [excluem-se as conclusões respeitantes à admissibilidade do recurso por via excepcional] «9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão! 10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! 12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave! 13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

    14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia! 15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante! 16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

    17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

    De resto, 18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

    19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

    20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospecto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento! 21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

    22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

    23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

    24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

    25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

    26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

    27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a...

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