Acórdão nº 3754/18.4T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA e mulher, BB, instauraram contra o Banco BIC Português, S.A.

a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação do R. a pagar aos AA. a quantia de €123.767,12, acrescida de juros de mora vincendos, contados desde 14.08.2018 até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alegam, em síntese: que foram e que são clientes do Banco R. (antes Banco BPN, S.A.), com conta à ordem na sua agência de ..., tendo, em Maio de 2006, um funcionário do R. proposto aos AA. a subscrição de um produto financeiro dito igual a um depósito a prazo, sem qualquer risco, com uma boa rentabilidade, sendo o capital investido garantido pelo próprio banco; que, convencidos de se encontrarem a subscrever um produto seguro, como um depósito a prazo, os AA. investiram €100.000,00, nos termos propostos pelo funcionário do R., no chamado produto ‘SLN Rendimento Mais 2006’, convictos de que não corriam qualquer risco e de que o capital era garantido pelo R., convicção que se manteve até Novembro de 2014, data em que o R. se recusou a pagar o capital investido pelos AA.; que os AA. não foram informados sobre o tipo de aplicação que estavam a subscrever, não sabiam quem era a SLN, e que, caso soubessem da existência de qualquer risco ou que o produto não era garantido pelo Banco, nunca o teriam subscrito, não lhes tendo sido entregue qualquer documentação explicativa do produto financeiro subscrito.

Em consequência do que invocam ter sofrido danos de natureza patrimonial, sendo €100.000,00 de capital e €23.767,12 de juros de mora vencidos até 13.08.2017 e não pagos.

Concluem pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, que o R. seja condenado a pagar aos AA. a quantia de €123.767,12, bem como os juros de mora vincendos, contados desde 14.08.2018 e até efectivo e integral pagamento.

Contestou o R., por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou a prescrição do eventual direito dos AA., por ser do conhecimento dos AA. o tipo de investimento efectuado, tendo o R. actuado de boa-fé e com mera negligência, enquanto intermediário financeiro e tendo assim decorrido o prazo para o exercício do direito pelos AA.. Em sede de impugnação, alegou: que os AA. tinham experiência em investimentos bancários, sabendo o tipo de produto que subscreviam, tendo sido informados de todas as condições inerentes ao investimento em causa; que o produto financeiro em causa era, à data da sua emissão, seguro, tendo o seu incumprimento tido origem num facto imprevisível e anormal: a nacionalização do Banco BPN e a insolvência da SLN; e que nunca foi referido aos AA. que o Banco garantiria o capital, sabendo os AA. caber tal obrigação à SLN.

Concluiu pedindo que a acção fosse julgada improcedente e que o R. fosse absolvido do pedido.

Na resposta os AA. pugnaram pela improcedência das excepções.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, relegando para final o conhecimento da excepção de prescrição invocada.

Foi proferida sentença pela qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar o R. Banco BIC Português, S.A. a pagar aos AA. a quantia de €100.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 10.05.2016 até integral pagamento.

Inconformado, interpôs o R. recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 28 de Janeiro de 2020 foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

  1. Veio o R. interpor recurso, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido por acórdão de 26 de Junho de 2020 da Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil.

  2. Formulou o Recorrente as seguintes conclusões: [excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade do recurso por via excepcional] «9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso [ao] desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão! 10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! 12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave! 13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

    14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia! 15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante! 16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

    17) Ao parecer entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

    De resto, 18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

    19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

    20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospecto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento! 21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

    22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

    23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

    24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

    25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

    26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

    27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

    1. Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento; b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado; c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo; d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

    28) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação! 29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

    30) O...

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