Acórdão nº 436/21.3PBELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução22 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Local Criminal de Grândola - o processo comum singular supra numerado, contra, AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia ... – ..., onde nasceu a .../.../1957, solteiro, residente na Avenida ..., ..., em ..., imputando-lhe factos susceptíveis de integrarem a prática em autoria material e na forma consumada, um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, nº 1, alínea a) e 69.º, nº 1, alínea c), do Código Penal, 152.º, nº 1, alínea a) e nº 3, do Código da Estrada.

* Em 06-04-2022 foi lavrada sentença que: a) Condenou o arguido AA pela prática em 05-11-2021, como autor material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348.º, n.º1, al. a), do Código Penal, ex vi art. 152.º, n.º1 al. a) e n.º3, do Código da Estrada, na pena de sete meses de prisão; b) Suspendeu a pena de prisão aplicada ao arguido AA pelo período de dois anos, mediante a sujeição a regime de prova, nos termos dos artigos 50.º, n.º1 e n.º5 e 53.º, n.º1 e n.º2, do Código Penal.

  1. Condenou o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir todo e qualquer veículo motorizado terrestre, prevista no artigo 69.º, n.º1, al. c), do Código Penal pelo período de oito meses, devendo entregar a carta na secretaria deste tribunal ou qualquer posto de polícia, em 10 (dez) dias a contar do trânsito da presente decisão sob pena de a mesma ser apreendida nos termos do art.º 500.º do Código de Processo Penal e com a advertência de, se o não fizer incorrerá na prática de um crime de desobediência (cf. Ac. de fixação de jurisprudência n.º 2/2013, publicado no DR de 08.01.2013).

  2. Condenou o arguido AA no pagamento das custas processuais fixando-se a taxa de justiça em duas unidades de conta.

* Inconformado, recorreu o arguido da sentença proferida, com as seguintes conclusões (transcritas): 1. Não como pode o Tribunal concluir pela aplicação de uma tão pesada pena acessória com base em factos vagos e indeterminados, tais como: “grave é o circunstancialismo de o arguido ter desobedecido à elaboração do teste para assim defraudar o resultado quantitativo que se pretendia e, eventualmente, julgá-lo pelo crime de condução sob o efeito do álcool, bem como o modo em que foi interceptado, bem como a necessidade de o desmotivar de futuro à prática de crimes de natureza rodoviária que continuam a causar os elevados níveis de sinistralidade por todos conhecidos”.

  1. E, igualmente não pode a existência de antecedentes criminais, ser determinante para tal aumento temporal da pena a aplicar, quando, os mesmos (como aliás a própria decisão reconhece) são, com exceção de um, pela prática de crime de natureza diversa.

  2. E tanto mais isto é verdade quando estão dados como provados os seguintes factos: “(…) 10. Antes da condução do arguido às instalações da PSP, nas circunstâncias de tempo e lugar em 1, DD, agente da PSP, solicitou que o arguido efectuasse teste qualitativo de álcool, o que começou por negar.

  3. Após insistência do agente DD, e após pelo menos duas tentativas de sopro pelo arguido, através de teste qualitativo de álcool, o mesmo acusou positivo.

  4. Consta do termo de constituição de arguido termo de identidade e residência que o arguido se recusou a assinar. (…)” 4. Desde logo, é referido no Relatório Social junto aos autos que o arguido “Não revela juízo critico, apresentando uma postura de revolta, face aos presentes autos.” 5. O arguido fez o teste de alcoolémia e acusou positivo.

  5. O arguido é analfabeto e consta do relatório social que “O contexto educacional, de baixa exigência aos vários níveis, não lhe permitiu interiorização de regras e limites e não frequentou a escola, por desinteresse e falta de apetência pelos estudos. Foi já em adulto, durante o cumprimento de uma pena de prisão, que frequentou o curso de alfabetização, sabendo assinar o nome” – facto provado 25.

  6. O arguido agiu convencido de que a não estava obrigado a realizar mais testes, e diga-se que muitos cidadãos comuns pensariam o mesmo.

  7. Face ao exposto, e mesmo tendo por base os factos considerados com provados pelo douto Tribunal, o arguido deveria ter sido absolvido.

    Quando assim não se considere: 9. Sempre teria de considerar-se que, salvo melhor opinião, os elementos da prova acima mencionados, revelam-se, porém, suficientes para uma moldura penal mais ténue e principalmente no que à sanção acessória diz respeito.

  8. Está provado que o arguido é deficiente e não tem uma perna, sendo que o carro é o seu meio de locomoção, inclusive para tratamentos.

  9. Ficar privado de conduzir, é deixar o arguido privado de se deslocar onde quer que seja, ficando refém na sua casa e impossibilitado de fazer a fisioterapia.

  10. A pena acessória tem repercussões bem mais graves que a pena principal e que podem colocar em causa a própria liberdade do arguido.

  11. Deste modo, para a escolha e para a determinação da medida concreta da pena, e depois, para a decisão de aplicar ou não penas de substituição são fundamentais, os elementos relativos ao agente, quer os relativos ao facto ilícito, quer os atinentes à conduta anterior e posterior ao facto, quer os relativos à sua personalidade, às suas condições pessoais e à sua situação económica.

  12. Contudo, o Tribunal a quo, ignorou em absoluto as declarações do arguido e da sua testemunha.

  13. Bem como parte do relatório social.

  14. Assim, o Tribunal a quo não levou a termo todas as diligências que lhe eram exigíveis no sentido de apurar os elementos acerca das condições pessoais e económicas do arguido, violando também o disposto nos artigos 370.º e 371.º do CPP.

  15. Podemos assim dizer que, se torna necessário uma sanção acessória mais justa e adequada.

  16. Devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido.

  17. E, o cumprimento efetivo da pena acessória aplicada ao arguido é susceptível de pôr em causa a sua estabilidade a nível pessoal, social e profissional, o que tornaria mais difícil a reintegração do arguido, afectando, de igual modo, a sua estabilidade emocional.

  18. Deverá, também por esta razão, ser revogado o douto acórdão ora recorrido.

    Mas mais 21.Não foi nomeado defensor oficioso aquando da prestação do Termo de Identidade e Residência, sendo certo que o arguido é analfabeto.

  19. Dispõe o artigo 64.º do Código de Processo Penal, sob a epigrafe “Obrigatoriedade de assistência” que é obrigatória a assistência do defensor: Em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída.

  20. E Como refere o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no Processo: 125/15.8GFELV-A.E1, datado de 06-11-2018, no seu sumário: “I – É obrigatória a assistência de defensor em qualquer acto processual, com excepção da constituição de arguido, nos casos em que o arguido é analfabeto, sob pena de nulidade insanável.” 24.Ora, o arguido é analfabeto e tal facto é notório, quer na forma como o mesmo se expressa oralmente, quer pela forma como assina.

  21. Este facto não podia ser ignorado pelos senhores agentes da PSP.

  22. E se por um lado os senhores agentes referiram que o arguido não lhe contou essa circunstância, não menos verdade é a de que os mesmos não lhe perguntaram, não tendo por isso acautelado tal situação.

  23. O arguido referiu ao longo do julgamento mais do que uma vez a sua condição de analfabeto.

  24. Ditam os princípios do senso comum, que seguramente também terá referido essa circunstância na Esquadra, pois outro comportamento seria no mínimo estranho.

  25. Por essa razão, sendo obrigatório a nomeação de defensor, a falta deste, no caso, acarreta a nulidade invocada pelo recorrente prevenida na al. c) do art.119º do CPP, a qual deverá ser declarada.

    Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência: - Ser revogado o douto acórdão: a) Ao abrigo do disposto no art. 412.º, n.º 3, als. a) e b) do CPP, no que respeita ao ponto 9) dos factos provados, por erro notório na apreciação da prova documental, passando a constar do seguinte modo: Ponto 9) factos provados: O arguido não agiu com consciência da sua ilicitude; b) passar a constar um novo provado retirado do relatório social: o arguido não revela juízo critico, apresentando uma postura de revolta, face aos presentes autos; c) Bem como, quanto à aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir, sempre terá de ser considerada como excessiva e violadora das finalidades e critérios de determinação da pena, plasmados, quer no art. 40.º, n.º 1 e 2, quer nos arts. 71.º e 77.º, todos do Código Penal, sendo ainda a mesma revogada, com todas as consequências legais daí decorrentes; Por último, quando assim não se considere, sempre deverá: - Ser declarada nula a presente decisão, já que sendo obrigatória a assistência de defensor em qualquer acto processual, com excepção da constituição de arguido, nos casos em que o arguido é analfabeto, verifica-se uma nulidade insanável, por violação do disposto no artigo 64º do Código de Processo Penal. * O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer pronunciando-se pela rejeição do recurso por patente sem razão do recorrente (artigo 420.

    º, do Código de Processo Penal) ou, a não se entender assim, sempre em conferência se deverá decidir pela sua total improcedência, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.

    Foi cumprido o disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais.

    * B.1 - Fundamentação: B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos: 1. No dia 5 de Novembro de 2021, cerca das 09h50m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-TC, na Praça...

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