Acórdão nº 0936/16.7BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Novembro de 2022
Magistrado Responsável | ADRIANO CUNHA |
Data da Resolução | 24 de Novembro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.
A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP (“CGA”), Ré na presente ação administrativa urgente por acidente de serviço, prevista no DL nº 503/99, de 20/11, proposta por A………………..
, interpõe recurso de revista do Acórdão proferido em 9/6/2022 pelo Tribunal Central Administrativo Norte (cfr. fls. 458 e segs. SITAF), que negou provimento ao recurso de apelação e que manteve a decisão proferida pelo TAF/Penafiel em 29/11/2021 (cfr. fls. 341/342 SITAF), de determinar, oficiosamente, a realização de prova pericial pelo INML (Instituto Nacional de Medicina Legal) tendente a esclarecer “a divergência das partes quanto à matéria de facto” que, no caso, “reside na divergência entre a alegada incapacidade da Autora e o nexo causal entre esta alegada incapacidade e o acidente sofrido em 22.12.2004”.
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A Recorrente/Ré “CGA” conclui do seguinte modo as suas alegações de presente recurso de revista (cfr. fls. 483 e segs. SITAF): «1.ª Verificam-se, no presente caso, os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista para o STA, uma vez que o tema em causa é sensível, colocando em crise a competência das Juntas Médicas a quem o legislador atribuiu a tarefa de avaliar e graduar a incapacidade decorrente de acidentes de trabalho e doenças profissionais, admitindo que as mesmas possam ser colocadas em causa por um juízo formulado por outra avaliação, realizada por um único médico e fora do contexto legal previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11.
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A decisão recorrida desbrava, também, um caminho contrário à orientação jurisprudencial tradicionalmente seguida por este STA, de acordo com a qual, só nos casos de «erro manifesto de apreciação» ou «erro grosseiro» é que os Tribunais poderão anular os atos praticados no âmbito da discricionariedade técnica da Administração.
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Nos termos do disposto no art.° 150.°, n.° 1 do CPTA, das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o STA quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma boa administração da justiça e uma melhor aplicação do direito.
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Estamos perante matéria que suscita dificuldades superiores ao comum e extravasa do caso concreto, pelo que considera a CGA ser importante para a boa administração da justiça a sua apreciação e decisão pelo Supremo Tribunal Administrativo.
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Como resulta do voto de vencido lavrado na decisão recorrida, está em causa saber se é ou não admissível a produção de prova pericial com vista ao apuramento do acerto da avaliação efetuada pela Junta Médica colegial prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 38º do D.L. nº 503/99.
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Apesar de o Tribunal a quo concluir, na página 11 do Acórdão, que “…quer se entenda ou não que o juízo técnico que a Junta Médica da CGA elaborou se insere na discricionariedade técnica e integra reserva de administração, é nosso entendimento firme que nada obsta à produção de prova pericial com vista ao apuramento do acerto [ou desacerto] dos pressupostos subjacentes que esteiam a decisão impugnada.”, a CGA considera que os Tribunais não têm os conhecimentos específicos da ciência médica que permita aferir do “…acerto [ou desacerto]…” de uma avaliação clínica efetuada por uma Junta Médica.
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Isto é, os Tribunais não dispõem dos conhecimentos próprios da ciência médica que os habilite a decidir se a melhor avaliação clínica é a que consta plasmada no Auto da Junta Médica cujo resultado foi impugnado pela Recorrida (e respetiva documentação clínica de suporte) ou se é a que resulta da perícia médico-legal que o Tribunal a quo considera dever realizar-se.
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Impondo-se, também, perguntar se será admissível que uma Junta Médica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 38º do D.L. nº 503/99, de composição colegial, possa colocada em causa por um juízo formulado por outra avaliação, realizada por um único médico e fora do contexto legal previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
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No entendimento da CGA tal não é admissível, nem fará sentido a realização de um novo exame feito no INML, quando na Junta Médica cujo resultado foi impugnado já interveio um médico do INML (cfr. n.ºs 1 e 3 artigo 38º do Decreto-Lei nº 503/99).
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Por outro lado, a decisão recorrida desbrava um caminho contrário à orientação jurisprudencial tradicionalmente seguida por este STA, de acordo com a qual só nos casos de «erro manifesto de apreciação» ou «erro grosseiro» é que os Tribunais poderão anular os atos praticados no âmbito da discricionariedade técnica da Administração (cfr., de entre outros, os Acórdãos do STA de 16/1/1986, processo n.º 20.919; de 22/3/1990, processo n.º 18.093; de 16/2/2000, processo n.º 38.862; e de 30/1/2002, processo n.º 47.657, todos disponíveis na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt).
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Sendo certo que o conceito de «erro manifesto de apreciação» ou «erro grosseiro» encontra-se bem definido pela jurisprudência: “Para que ocorra um erro manifesto, é indispensável que o ato administrativo assente num juízo de técnica não jurídica tão grosseiramente erróneo que isso se torne evidente para qualquer leigo”.
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No caso concreto, nenhuma das instâncias apontaram «erro manifesto de apreciação» ou «erro grosseiro» à avaliação efetuada à interessada pela Junta Médica realizada em 2017-10-17, nos termos do art.º 38.º do Decreto-Lei n.º 503/99, composta por 3 médicos, um deles indicado pelo INML, de cujo Auto não consta qualquer voto de vencido ou ressalva (cfr. Documento junto aos autos a coberto do requerimento com ref.ª da peça processual: 201051) 13.ª Pelo que considera a CGA que a realização da perícia médico-legal agora determinada pelo Tribunal a quo consubstancia a realização de um ato inútil como resulta do Acórdão do TCA Sul, proferido no âmbito do recurso jurisdicional n.º 3486/08, de 2008-02-28 em que se decidiu, relativamente a uma questão conexa, que: «A averiguação da capacidade ou incapacidade da ora recorrente para se manter ao serviço (…) compete àquela junta médica da CGA, não aos juízes, nem a quaisquer peritos médicos nomeados “ad hoc” para o efeito».
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Tratando-se de matéria que cai no campo da discricionariedade técnica da Junta Médica da CGA, a sindicabilidade dos seus pareceres pelo Tribunal deve cingir-se, como é jurisprudencialmente pacífico, à eventual falta de fundamentação.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ª Ex.ªs deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, com as legais consequências» 3. Não foram apresentadas contra-alegações.
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O presente recurso de revista foi admitido pelo Acórdão de 8/9/2022 (cfr. fls. 2003/2004 SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos: «(…) A questão que a Recorrente pretende ver apreciada nos autos é a de saber se num caso de acidente em serviço, como é o presente, é admissível a realização de prova pericial. Defende que a atribuição de competência à Junta Médica, prevista no art. 38°, n° 1, aI. a) do DL n° 503/99, de 20/11, não permite tal produção de prova pericial, tanto mais que na própria junta médica já intervém um médico do INML (n°s 1 e 3 do art. 38° do DL n° 503/99).
O TAF decidiu admitir a perícia médico-legal requerida, tendo por objeto a análise da...
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