Acórdão nº 02034/19.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução11 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I. RELATÓRIO 1.

“H..., L.da”, com sede na Avenida ..., ..., Felgueiras, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 20 de Outubro de 2020, que julgou totalmente improcedente a Acção Administrativa que havia instaurado contra o MUNICÍPIO da PÓVOA do VARZIM, na qual pedia a anulação dos “actos de corte de água” e que fosse restabelecido o fornecimento de água ao prédio de que é proprietária.

* 2.

Nas suas Alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “A.

O presente recurso versa sobre matéria de facto cuja apreciação indevida levou à errada aplicação de regime legal subsumido aos factos.

B.

A Autora concentra o objeto do presente recurso no ato de interrupção do fornecimento de água ocorrido em 15-05-2019.

C.

O Tribunal recorrido entendeu que o regime legal a aplicar a esse ato é o do artigo 103º, n.º 3 do RJUE, com o que a Autora não concorda, pugnando pela aplicação do regime do artigo 5º da Lei 23/96, de 26 de julho. E tudo deriva da correta apreciação da prova produzida.

D.

Sustentou o Tribunal recorrido que este ato de interrupção do fornecimento de água foi uma reposição do corte efetuado com efeito do embargo de obra, porquanto alegadamente terá havido um restabelecimento ilegal do fornecimento e, portanto, tratou-se simplesmente de um ato executório do embargo.

E.

Ora nada mais errado, porquanto, na verdade, esse ato de interrupção derivou tão-somente da mora no pagamento de faturas após o restabelecimento do fornecimento de água ocorrido já após o embargo.

F.

Essa premissa em que o Tribunal recorrido indevidamente assentou faz com que todo o seu raciocínio lógico daí adveniente seja despiciendo.

G.

No final de dezembro de 2018 foi reposto o fornecimento de água, conforme itens 25 e 26 dos factos dados como provados, donde resulta a emissão de faturas de consumos de águia emitidas pela Ré à Autora até maio de 2019.

H.

É verdade que àquela data, segundo a Ré, a legalidade urbanística da obra apurada no embargo ainda não tinha sido reposta, mas continua a não deixar de ser verdade que foi resposto o fornecimento de água.

I.

A Ré dá a entender na sua posição, na qual o Tribunal acaba por embarcar, que essa reposição não derivou de ato da mesma, mas sim de um restabelecimento ilegal.

J.

Seria por muita coincidência que a Autora pediu a religação e logo após, de facto, o serviço é ligado.

K.

E só por muita audácia de argumentação pode a Ré ousar aventar que o sistema de faturação não reconhece os embargos de obra e que, portanto, havendo consumos (do que não pode haver), simplesmente as faturas são processadas.

L.

Ora, essa argumentação, além de não se mostrar minimamente provada nos autos e sem qualquer suporte não é minimamente credível, muito menos em pleno século XXI, e ainda menos faz sentido que isso suceda durante meio ano...

M.

Trata-se de um claro contrassenso e abuso de direito a Ré argumentar sequer nesse sentido.

N.

O ato de reposição do fornecimento de água é totalmente dissociável e nada tem a ver com o do embargo de obra ou com a manutenção da sua força executória.

O.

Conforme resulta do item 35 dos factos provados, essas faturas (constantes do item 26) apenas foram pagas pela Autora em 20-05-2019, portanto, houve, de facto, mora da Autora no seu pagamento.

P.

À data desse pagamento, por causa da mora, já EM 07-03-2019 FOI ORDENADO O CORTE POR FALTA E PAGAMENTO, conforme resulta do item 28 dos factos dados como provados.

Q.

E que esse corte se concretizou na data de 15-05-2019.

R.

Resulta claro da mesma que A INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO FOI EFETUADA EM 15-05-2019 “NO SEGUIMENTO DA ORDEM DE SERVIÇO N.º ...48” e dessa ordem de serviço resulta com toda a clareza “Corte Fornecimento p/ falta e pagamento Água”.

S.

Os factos são claros e objetivos: reposição de água – falta de pagamento – corte.

T.

Todos esses factos aconteceram e não podem ser afastados pela Ré nem sequer pelo Tribunal e constituem uma sequência lógica que reproduz a realidade dos factos.

U.

A interpretação da prova em questão não permitia ao Tribunal analisá-la discricionariamente, embora que se acredite que o Tribunal incorreu em mero erro por não devida análise, nomeadamente daquele doc. n.º 8 junto com a contestação.

V.

Entre outros, foi violado o Princípio da responsabilidade, nos termos do disposto no artigo 16º do CPA.

W.

Assim, teria o Tribunal de aplicar ao caso o artigo 5º da Lei 23/96, de 26 de julho e não o do artigo 103º, n.º 3 do RJUE.

X.

Pelo que o ato de interrupção o fornecimento de água é ilegal por falta de cumprimento do dever de aviso prévio ao corte água.

Y.

O regime do Decreto-Lei 555/99, de 16 de dezembro não se pode sobrepor ao da Lei 23/96, de 26 de julho".

E termina " Termos em que se requer, a V. Ex.ª, seja a sentença proferida revogada e seja declarado ilegal o ato de interrupção do fornecimento de água de 15-05-2019 por violação do disposto no artigo 5º da Lei 23/96, de 26 de julho.” * 3.

O R./Recorrido, Município da Póvoa do Varzim, apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo: “QUESTÃO PRÉVIA – DA REJEIÇÃO DO RECURSO I – Nas alegações e conclusões do recurso, afirma a ora Recorrente que “o presente recurso versa sobre matéria de facto cuja apreciação indevida levou à errada aplicação de regime legal subsumido aos factos”.

II – Conforme expressamente previsto no n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 140º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, quando pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, “deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

III – No caso, como é patente, a ora Recorrente não cumpriu o apontado ónus – não chegou sequer a indicar os concretos pontos do elenco da matéria de facto provada que considera incorrectamente julgados –, pelo que se imporá a imediata rejeição do recurso, conforme expressamente estabelecido no referido n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil.

SEM PRESCINDIR, DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO IV – No caso de o presente recurso não vir a ser rejeitado – o que se considera por mera cautela de patrocínio –, sempre o mesmo estará votado ao insucesso.

V – Efectivamente, ao decidir como decidiu, a M.ma Juíza a quo fez uma correcta aplicação do direito, merecendo a douta sentença recorrida integral confirmação".

* 4.

O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não se pronunciou.

* 5.

Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.

* 6.

Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts. 1.º e 140.º, ambos do CPTA.

  1. FUNDAMENTAÇÃO 1.

MATÉRIA de FACTO São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida: “1.º – A Autora é uma sociedade por quotas que tem por objeto social a “Promoção e gestão imobiliária, construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim” [cf. certidão permanente da sociedade].

2.º – A Autora é proprietária da fração autónoma designado pela letra ..., do prédio urbano sito na Avenida ..., na União de Freguesias da Póvoa de Varzim, Bz... Ar..., concelho da Póvoa de Varzim, registado na Conservatória do Registo Predial do mesmo município, sob o n.º ...02, inscrito na respetiva matriz sob o nº ...79 [cf. documentos nºs 1 e 2 juntos com a petição inicial].

3.º – Pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim foi produzido documento designado por “Licença para Habitação ou Ocupação”, nos termos do qual consta que “Em reunião de 27 de Junho de 1980 foi concedida a licença a (...) para Utilização dum prédio de 8 fogos e um estabelecimento situado na Av.ª ..., ...”, do que resultou o “...” [cf. documento nº 3 junto com a petição inicial].

4.º – Com data de emissão de 02.02.2018, foi produzido documento com o seguinte teor [cf. documento nº 2 junto com a contestação]: [dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original] 5.º - Foi produzido documento com o seguinte teor [cf. documento nº 1 junto com a contestação]: [dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original] 6.º - Com data de 06.06.2018 foi produzido documento com o seguinte teor [cf. documento nº 3 junto com a contestação]: [dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original] 7.º – Foi produzido documento com o seguinte teor [cf. documento nº 3 junto com a contestação]: [dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original] 8.º – Em 18.06.2018 foi produzido documento designado por “Auto de Embargo”, referente ao processo n.º ...8, do qual se extrai [cf. fls. 211 e 212 do PA apenso aos autos]: “Aos 18 dias do mês de junho do ano de dois mil e dezoito, pelas 10h15, na Avenida ..., da União de Freguesias de Am..., A... e T..., concelho da Póvoa de Varzim, onde eu AA, Fiscal Municipal, desta autarquia, procedi, em cumprimento do despacho do Sr. Vereador com competências delegadas, datado de 15/06/2018, ao EMBARGO DAS OBRAS, executadas por representante legal da empresa H..., Unipessoal, Lda, com morada na Av. ...

porquanto foi verificado que estão a decorrer obras de alteração/ampliação, sem a respetiva licença administrativa, violando o disposto no art.º 4º, n.º...

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