Acórdão nº 788/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução17 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 788/2022

Processo n.º 999/2022

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, foi apresentada reclamação por A. do despacho proferido por aquele Tribunal, datado de 20 de setembro de 2022, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos.

2. O ora reclamante foi condenado, por acórdão proferido em 1.ª instância em 17 de dezembro de 2020, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática, em coautoria e na forma consumada e continuada, de um crime de fraude fiscal qualificada.

Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão datado de 24 de janeiro de 2022, julgou o recurso parcialmente procedente e reduziu a pena para 3 anos e 8 meses de prisão.

O ora reclamante arguiu então a nulidade deste acórdão (que foi julgada improcedente acórdão datado de 4 de abril de 2022) e interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Por despacho de 8 de maio de 2022, o Juiz Desembargador relator no Tribunal da Relação de Guimarães decidiu não admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Da não admissão do recurso, reclamou o arguido para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Por despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 6 de junho de 2022, foi a reclamação indeferida, mantendo-se a decisão de não admissão do recurso.

O ora reclamante arguiu então a nulidade desta última decisão. Por despacho datado de 23 de junho de 2022, foi a arguição de nulidade integralmente indeferida.

3.1. O ora reclamante interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, em requerimento com o seguinte teor:

A., recorrente melhor identificado nos autos à margem referenciados,

Notificado do Acórdão que indeferiu a Reclamação deduzida a respeito da não admissão do recurso para este tribunal,

Vem, nos termos do disposto nos artigos 69.º e seguintes da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro)

Recorrer deste acórdão, com efeito suspensivo e a subir nos próprios autos, para o Tribunal Constitucional, em secção,

O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

O reclamante e aqui recorrente, arguiu a nulidade do acórdão que indeferiu a Reclamação contra o despacho de não admissão do recurso, por violação do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) do C.P.P., ex vi artigo 425.°, n.º 4 do mesmo diploma legal,

Com fundamento na falta de fundamentação e omissão de pronúncia por parte do tribunal, a respeito da verificação ou não de uma situação de dupla conforme ali colocada em crise e trazida à apreciação deste juízo e, subsequentemente, no que toca à aplicação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do C.P.P, sustentada pelo recorrente, ao invés da alínea f) da aludida norma, cuja aplicação o tribunal reclama.

Sabendo-se que um dos requisitos da sentença, previsto no artigo 374.º, n.º 2, do C.P.P, consiste na "fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão (...) ".

E que o tribunal se encontra vinculado a pronunciar-se sobre todas as questões submetidas a apreciação, sob pena de nulidade (artigo 379.º n.º 1, alínea c) do C.P.P),

Afigura-se evidente que a decisão proferida por este Venerado Tribunal, ao dar como adquirido e sem qualquer justificação ou fundamentação, a observância da dupla conforme e, consequentemente, a não aplicação da norma invocada pelo requerente, não satisfez, salvo melhor entendimento e com todo o devido respeito, as exigências legalmente impostas por aqueles preceitos normativos.

Com efeito, o então reclamante fundamentou a sua reclamação por entender que, no caso dos autos, por não haver dupla conforme, é de aplicar a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.° do C.P.P., na redação anterior à conferida pela Lei 20/2013, porque a lei em vigor à data da prática dos factos era mais favorável ao arguido.

A questão submetida à reclamação prende-se com a sucessão de leis processuais penais ao tempo, cujo princípio geral se rege pelo tempus regit actum, conforme o preceituado no artigo 5.º do C.P.P.

No Acórdão em crise pode ler-se que a alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, não tem relevância para a presente decisão (porque) a norma invocada não se aplica quando haja dupla conforme, como é o caso, por a lei processual penal ter regime próprio, constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.° do CPP.

A este respeito - o de saber se no caso dos autos existe ou não uma situação de dupla conforme e, subsequentemente, se é de aplicar a previsão da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.° do C.P.P. ou se é de aplicar, ao invés, a previsão da alínea e) do mesmo normativo legal — nada é dito no Acórdão ora posto em crise.

Pois que nesta Decisão é dado como adquirido, sem qualquer justificação ou fundamentação, que no caso existe dupla conforme.

E essa fundamentação e pronúncia - sobre se no caso existe ou não uma situação de dupla conforme - impunha-se que tivesse sido feita.

Porquanto tal seria relevante para efeitos de aplicação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.° do C.P.P.

Tanto assim que na reclamação apresentada foi expressamente mencionado que o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães não se limitou a manter a decisão proferida em 1.a Instância (ainda que tivesse reduzido a pena de prisão aplicada), porquanto através desse Acórdão o Tribunal da Relação decidiu:

- Julgar procedente a exceção de prescrição do procedimento criminal, deduzida pela "B., Lda.", por via disso se declarando contra si extinto o procedimento criminal; e

- Julgar também parcialmente procedente o recurso apresentado pelos arguidos A. e, por via disso; cl) considerar agora como não provada a matéria que constava do ponto 29, Ia parte da matéria de facto provada, referente ao facto de com a atividade faturada pela "C." ter a "B." deduzido indevidamente a título de I. VA., a quantia de 25 383.05€ (vinte e cinco mil, trezentos e oitenta e três euros e cinco cêntimos); c2) reduzindo-se assim e correspondentemente, o montante global calculado no art.º 77.º da mesma matéria de facto provada, referente à vantagem patrimonial global obtida pela "B. " em termos de I. VA. nos anos de 2 004 e 2 005, para 159 334.11€ (cento e cinquenta e nove mil, trezentos e trinta e quatro euros e onze cêntimos); c3) resultando pois como não provada quanto a esta matéria, a quantia global de 184 717.76€ (cento e oitenta e quatro mil, setecentos e dezassete euros e setenta e seis cêntimos), anteriormente dada como provada.

Pelo que, tal como invocado na Reclamação oferecida, se constata que: ... ao contrário do que reza o despacho de que se reclama, o Acórdão de que se pretende recorrer não confirmou a decisão de 1.a Instância;

Deste modo, não estamos na presença de uma "dupla conforme", na medida em que o Acórdão de que se pretende recorrer não se limitou a determinar a redução da pena aplicada ao reclamante, tendo antes julgado procedente parte do recurso apresentado, pelo que é manifesto que esse Acórdão não confirmou a decisão de 1.a Instância;

Como tal, ao caso dos autos não é de aplicar a previsão da alínea f), do n.º 1 do artigo 400.° do C.P.P. (como indevidamente foi aplicado no despacho de que se reclama), mas é antes de aplicar à situação sub judice a previsão da alínea e) do mesmo normativo legal.

Sendo esta a questão essencial vertida à apreciação na Reclamação deduzida, impunha-se que o Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça tivesse apreciado tal questão e se tivesse pronunciado sobre a mesma.

Fundamentação essa que se exigia, desde logo, porque a questão em apreciação tem sido discutida e apreciada por esse mesmo Venerando Tribunal.

Com efeito, no Acórdão proferido em 27/01/2010, no processo 401/07.3JELSB.L1.S1, em que foi Relatora a Exma. Juiz Conselheira Isabel Pais Martins, pode ler-se que:

III- Quando a divergência se situa ao nível da pena aplicada, nas duas instâncias, mas a pena aplicada na Relação é inferior à aplicada na 1.a Instância, tem este Tribunal entendido, maioritariamente, que, ainda assim, se verifica a confirmação in mellius.

IV- Todavia, mesmo no entendimento de que, para efeitos de verificação da dupla conforme, é confirmativo o Acórdão da Relação que corrobora a condenação da 1.a Instância, embora alterando a pena aplicada — por redução do seu quantum — reconhece-se que não existe confirmação se, embora confirmada a condenação, ocorre uma substancial alteração da qualificação jurídica dos factos.

V- E também não se pode afirmar a confirmação da decisão da 1.a Instância se entre esta e o Acórdão da Relação há uma divergência no âmbito da matéria de facto, com reflexo ou na qualificação jurídica dos factos ou, apenas, na operação de determinação da medida da pena: havendo uma divergência na matéria de facto tida por assente numa e noutra das instâncias. com relevo para a decisão de direito, falha o pressuposto da conformidade reclamado pela al. F do n.º 1 do art.º 400.°do CPP.

Ora, é precisamente o que se verifica nos presentes autos e é precisamente esta a questão que foi posta à apreciação e decisão na Reclamação deduzida pelo reclamante.

No mesmo sentido também decidiu este Venerando Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão proferido em 18/05/2016, no processo 653/14.2TDLSB.E1.S1, em que foi Relator o Exmo. Juiz Conselheiro Sousa Fonte:

II - Segundo a jurisprudência maioritária do STJ, a confirmação não pressupõe a coincidência ou identidade absoluta entre as duas decisões, mas apenas a...

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