Acórdão nº 305/19.7 BEALM.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelTERESA SANDIÃES
Data da Resolução17 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa JA instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, ação administrativa comum contra Autoridade Tributária e Aduaneira, FC, CT, D. Lda., AC, HD e ID, pedindo: - a condenação da Fazenda Pública e da Ré FC a justificarem a anulação da divida no valor de €252.489,11 de imposto de sisa; - a condenação do Réu CT a justificar como é que o preço de venda do imóvel pelo valor de €85.000,00 deu para anular a divida de €252.489,11 de imposto de sisa; - a condenação solidária dos Réus CT, D. Lda, AC, HD e ID, a restituírem ao liquidatário da F. Lda., o montante de €612.890,53, valor este que resulta da diferença de €948.790,00 do valor patrimonial tributário do prédio e do montante de €335.899,47 das dividas reclamadas nos autos de insolvência e que deveriam ter sido pagas com o produto da venda do bem, pelo enriquecimento ilícito que obtiveram nos termos expostos, acrescidos de juros legais.

Todos os RR. apresentaram contestação, tendo a contestação da R. FC sido desentranhada por extemporaneidade.

Nas respetivas contestações, os réus CT, D. Lda, AC, HD e ID, arguiram, além do mais, a ilegitimidade ativa do A..

O A. apresentou resposta às exceções, pugnando pela sua improcedência.

Em 12/05/2020 foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “(…) julga-se: a) procedente, por provada, a exceção de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria e, consequentemente, absolve-se os Réus CT, D. Lda., AC, HD e ID da presente instância; b) procedente, por provada, a exceção inominada de falta de apresentação prévia de requerimento e, consequentemente, absolve-se os Réus Autoridade Tributária e Aduaneira e FC da presente instância; c) as custas serão a suportar pelo Autor, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.” Em virtude de o A. ter requerido a remessa dos autos ao Tribunal Judicial de Almada, Juízos Centrais Cíveis, foi o mesmo aí distribuído.

Neste foi proferido despacho saneador sentença, com dispensa de realização de audiência prévia, que julgou procedente a exceção de legitimidade ativa do Autor e consequentemente absolveu os Réus da instância.

A dispensa de realização de audiência prévia foi justificada nos seguintes termos: “(…) a audiência prévia não tem lugar quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados (artigo 592.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil).

No caso vertente não há lugar a realização de audiência prévia porquanto se impõe conhecer da excepção de ilegitimidade activa, excepção esta que já se mostra amplamente debatida em sede de articulados. Face ao exposto, não se procede à realização de audiência prévia.” O A. recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

  1. O objeto do presente recurso de apelação consiste da decisão vertida na douta sentença recorrida julgou procedente a exceção da legitimidade ativa do Autor, declarou-o parte ilegítima e absolveu os Réus da Instância.

  2. O tribunal “a quo”, através de uma decisão surpresa e sem designar data para a realização da audiência prévia, veio julgar procedente a exceção da ilegitimidade do Autor, que contradiz a decisão proferida pelo TAF de Almada.

  3. Ao proferir “novo” despacho saneador/sentença, o Tribunal “a quo” violou o disposto nas normas legais supra citadas, o que constitui uma nulidade processual.

  4. A questão em análise é a de saber se o Apelante, na qualidade de Liquidatário da F. Lda., após o registo da dissolução e encerramento da liquidação desta, tem legitimidade para intentar a ação nos termos peticionados.

  5. O Autor deduziu a presente ação pedindo que: a) Os Demandados Fazenda Pública e Senhora Chefe do Serviço de Finanças de … sejam condenados a justificar a anulação da divida no valor de 252.489,11€ da divida do imposto de sisa (processo nº 2194/2007.01040308 – ano de 2007).

    1. O Demandado Dr. CT ser condenado a justificar como é que preço de venda do imóvel de 85.000€ deu cobertura para anular a divida de Sisa no montante de 252.489,11€.

    2. O Demandado Dr. CT, solidariamente com os Demandados D. Lda; AC; HD e ID serem condenados a restituir ao liquidatário da F. Lda. o montante de 612.890,53€ (seiscentos e doze mil, oitocentos e noventa euros e cinquenta e três cêntimos) resultado da diferença de 948.790€ do valor patrimonial tributário do prédio e do montante de 335.899,47€ das dividas reclamadas nos autos de insolvência e que deveriam ter sido pagas com o produto da venda do bem, pelo enriquecimento ilícito que obtiveram nos termos atrás expostos, acrescidos de juros legais.

  6. Entrando na análise dos factos relevantes, dir-se-á que, no âmbito do processo de insolvência da F. Lda. em apreço, o Recorrente foi nomeado administrador da Insolvente, como se verifica pela sentença de fls. … dos autos.

  7. Em 29/09/2011 pela inscrição 12, AP.7/20110929, foi registada na matrícula da F. Lda. a decisão judicial de encerramento do processo de insolvência (cfr. fls. … dos autos) H) Na mesma data e pela Inscrição 13, oficiosa AP.7/20110929, foi inscrito o regresso à atividade baseado na homologação do plano de insolvência (cfr. fls… dos autos) I) Pela Inscrição 14, AP.23/20120120, foi registada a dissolução e o encerramento da liquidação, tendo sido designado depositário o aqui Recorrente (cfr. fls…. dos autos) J) Na mesma data, pela Inscrição 15, Oficiosa, Ap. 23/20120120, foi registada o cancelamento da matrícula (cfr. fls…. dos autos) K) Mantendo-se o Recorrente como gerente da sociedade F. Lda., na qualidade de representante legal da mesma, ou seja, representante legal dos sócios (cf. cópia da certidão comercial de fls…. dos autos) L) Lê-se no artigo 11.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que a personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte.

  8. Com efeito, a legitimidade ou a capacidade judiciária são atributos das partes. As partes é que são legítimas ou ilegítimas, capazes ou incapazes judiciariamente. Estes pressupostos por seu turno pressupõem uma parte, de que são atributos, e de que a suscetibilidade de o ser funciona, num plano anterior, como pressuposto ainda.

  9. Dispõe, ainda, o n.º 2 do citado normativo legal que, quem tiver personalidade jurídica tem personalidade judiciária. Assim, pode afirmar-se de forma que cremos indubitável, que é este o critério geral de atribuição da personalidade judiciária - critério da correspondência ou coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária.

  10. Relativamente às sociedades comerciais, dispõe o artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais que elas gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem.

  11. Acresce que, a personalidade judiciária das sociedades comerciais mantém-se mesmo após a dissolução. Isto porque, a sociedade, como pessoa coletiva, não se extingue quando se dissolve: apenas entra na fase de liquidação, pelo que se mantém a sua personalidade jurídica e bem assim a sua personalidade judiciária.

  12. Tal apenas deixa de ocorrer com o registo do encerramento da liquidação, altura em que a sociedade se considera extinta (artigo 160.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais).

  13. Não olvidou, porém, a lei que, mesmo após a extinção da sociedade, podem ainda subsistir relações jurídicas que anteriormente a tinham tido como sujeito e cujo destino importa regular.

  14. No caso concreto, é importante considerar o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 164º do CSC, que prescreve que os sócios podem, enquanto liquidatários, propor ações para cobrança de créditos da sociedade após a extinção desta.

  15. Para justificar a legitimidade do Autor enquanto liquidatário de uma sociedade extinta em peticionar nos termos em que o fez, importa que o mesmo alegue e prove, os factos constitutivos do seu direito.

  16. Só com tal alegação e prova, haverá possibilidade e utilidade no prosseguimento da lide, com aproveitamento do processo (cfr. artigo 276º, nº3 do Código de Processo Civil).

    No fundo, tal exigência, mais não é do que a aplicação do preceituado no artigo 342º, nº1, do Código Civil: “[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

  17. Reitera-se que, só supervenientemente à extinção da F. Lda. é que o Autor teve conhecimento da existência da escritura pública junta aos autos a fls.., pela qual o Réu CT vendeu à Ré D. Lda., o prédio - lote 23 – (melhor identificado nos autos), pelo preço de 85.000,00€, quando o mesmo tinha, à data, o valor patrimonial tributário de 948.790,00€, o que lesou gravemente os direitos dos sócios da sociedade e dos credores.

  18. A responsabilidade pelo pagamento das dividas fiscais da F. Lda. continua a recair sobre o Recorrente, como se verifica pelas duas notas de citação pessoal de 27/11/2020, cuja junção na presente alegação como Doc. nº 1 e nº 2, se justifica ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 651º do CPC.

  19. Ou seja, a legitimidade do Recorrente está ainda fundamentada no facto de estar a ser interpelado pela Autoridade Tributária para pagar as dividas da F. Lda. que deveriam ter sido pagas pelo Réu CT, com o produto da venda do imóvel – lote 23 -.

  20. Não obtida esta conclusão, pode-se questionar, em nome da prevalência da justiça material sobre a justiça formal, se deveria a Meritíssima Juíza a quo ter convidado o Autor a suprir a sua insuficiência de alegação, no âmbito do dever imposto pelo artigo 265º, nº2 do Código de Processo Civil, como foi...

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