Acórdão nº 19480/21.4T8SNT.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Novembro de 2022
Magistrado Responsável | CRISTINA LOURENÇO |
Data da Resolução | 17 de Novembro de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I.
Relatório J…, residente na Rua …, Estoril, veio instaurar ação executiva para pagamento de quantia certa contra Herança de M….., com referência a domicílio sito em Rua de …., em Lisboa, e contra J.T…., residente em morada que alegou desconhecer, apresentando como título executivo um cheque no qual figura como sacadora sua mãe, M…, entretanto falecida.
Alegou os seguintes factos: “I. Questão Prévia A autora da herança, M…., faleceu no dia 14 de janeiro de 2021, pelas 20h30, conforme declaração de óbito que se junta como Doc. N.º 1, e que se reproduz para todos os efeitos legais.
Os herdeiros da falecida são (i) J… e (ii) J.T.…, conforme Imposto de Selo da Herança e Habilitação de Herdeiros, que ora se junta como Doc. N.º 2, 3 e 4 e se reproduz para todos os efeitos legais.
De acordo com o consagrado no art.º 54.º, n.º 1.º do Código de Processo Civil (“CPC”), são os herdeiros supra referidos, quem tem legitimidade para ser parte na presente ação.
Adicionalmente, refira-se que a herança é citada na pessoa do Exmo Senhor P.M., portador do NIF …….., na qualidade de Cabeça de Casal da herança supra referida.
Aliás, a este respeito, veja-se o disposto no art.º 33.º da Lei Uniforme Relativo ao Cheque (“LUC”): “A morte do sacador ou a sua incapacidade posterior à emissão do cheque não invalidam os efeitos deste.” Assim, é claro que o Exequente tem direito a ver pago o seu cheque, enquanto título executivo, por força do art.º 703.º, n.º 1, alínea c) do CPC, conforme Doc. N.º 5, que ora se junta e se reproduz para todos os efeitos legais.
II. Dos Factos 1. O Exequente é legítimo portador de 1 (um) cheque, no valor de EUR 200.000,00 (duzentos mil euros), emitidos pela sua falecida mãe, M... sacado sobre o Banco BPI, S.A., conforme infra melhor se descreve: - Cheque n.º 4665334321, com data de emissão de 01.06.2021.
-
O cheque foi entregue ao Exequente pela sua mãe, a título de doação, no ano de 2020.
-
O cheque encontra-se datado de 01.06.2021, uma vez que a mãe do Exequente só nessa data queria que fosse levantado o montante.
-
Acontece, porém, que a mãe do Exequente vem a falecer em janeiro de 2021.
-
O Exequente é dono e legítimo portador do cheque n.º 4665334321 sacado pela falecida M…, que constitui título executivo.
-
Apresentado a pagamento, o referido cheque não foi pago na data do vencimento (02.06.2021), nem posteriormente, pelos Executados, apesar de, por diversas vezes, instados a fazê-lo.
-
Assim, atento o disposto nos artigos 28.º, 29.º, 40.º e 44.º da LUC, são os Executados solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Exequente, não só do valor do cheque junto como Doc. N.º 3, no montante de EUR 200.000,00, mas também pelos juros de mora legais calculados à taxa legal de 4%, desde a data do vencimento até efetivo e integral pagamento, sobre o montante de capital de EUR 200.000,00.
-
Deste modo, na presente data (09.12.2021), os juros de mora vencidos relativamente ao cheque junto como Doc. N.º 5, ascendem o valor de EUR 4.164,38.
-
Deste modo, os Executados devem ao Exequente a quantia global de €204.164,38, a que acrescem os juros de mora que se vencerem desde esta data até efetivo e integral pagamento, calculados à referida taxa de 4%, sobre a verba de capital de €200.000,00, relativamente ao cheque junto como Doc. N.
* Foi proferido despacho liminar que convidou o exequente a aperfeiçoar o requerimento inicial, prestando esclarecimentos sobre a aceitação, ou não da herança, visando, assim, aferir da personalidade jurídica da executada; sobre a invocada solidariedade do seu irmão, e executado, quanto ao pagamento do valor titulado pelo cheque que alega constituir uma doação que lhe foi feita pela falecida mãe de ambos, e finalmente, para esclarecer se a alegada doação lhe foi ou não feita por conta da legítima.
* Prestados os esclarecimentos pelo Exequente, foi proferida a seguinte decisão: “J… intentou a presente execução contra a Herança de M…, representada pelo cabeça de casal P.M., e contra J.T…., apresentando como título executivo um cheque que alega ter-lhe sido entregue, a título de doação, pela sua falecida mãe, M…, mais alegando que os executados são solidariamente responsáveis pelo pagamento do valor daquele cheque e dos juros.
Notificado para informar se a herança já foi aceite pelos herdeiros, para justificar a razão pela qual intenta a execução contra o seu irmão e para esclarecer a que título lhe foi feita a doação, respondeu dizendo que a herança já foi aceite, mas que nem todos os bens foram partilhados entre os herdeiros da falecida, que o seu irmão, tal como ele próprio, apenas responde pelo valor dos bens que tenha recebido por parte da autora da herança, não respondendo os seus outros bens pela dívida, e que a doação está dispensada de colação, tendo sido feita por conta da quota disponível.
Vejamos, A personalidade judiciária é a suscetibilidade de ser parte em juízo, como autor ou como réu, sendo certo que quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária (art.º 11.º do Código de Processo Civil, diploma a que respeitam todos os normativos legais infra citados, sem menção de fonte diversa).
A personalidade judiciária consiste, assim, na possibilidade de requerer ou contra si ser requerida, em nome próprio, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei (cfr. Antunes Varela, in «Manual de Processo Civil», 2ª Ed., pág. 108).
Nos termos do art.º 12.º, al. a), só a herança jacente dispõe de personalidade judiciária, o que não acontece com a herança indivisa.
Ora, a herança, a partir do momento em que é aceite, deixa de ser jacente e passa a denominar-se por indivisa (até ao momento em que é partilhada), deixando por isso de ter personalidade judiciária, não podendo, assim, demandar nem ser demandada.
A Herança de M…., tendo sido já aceite, carece, pois, de personalidade judiciária, pelo que deve a execução ser liminarmente indeferida quanto à mesma.
De outra sorte, na ação executiva, contrariamente ao que acontece na ação declarativa, o interesse direto em demandar e em contradizer não radica nas pessoas que são titulares da relação material controvertida tal como esta é configurada pelo autor (art.º 30.º, n.º 3); ao invés, na ação executiva a legitimidade das partes afere-se através de um critério formal definido pelos art.ºs 10.º, n.º 5, e 53.º.
Estatui o n.º 3 do art.º 10.º que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
Por outro lado, dispõe o n.º 1 do art.º 53.º que “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.
Assim, e conforme se decidiu no Acórdão da R.L., de 26.11.1996, tirado no Proc. 0011531, disponível in www.dgsi.pt, “Nas execuções a legitimidade resulta de indicação da Lei (art.º 26º nº 3 e art.º 55º nº 1 C. P. Civil), devendo a execução ser promovida pela pessoa que figure no título executivo como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor. II - Assim, os sujeitos da obrigação devem figurar como tais no título executivo.”.
É, portanto, o título executivo que delimita subjetivamente a execução.
No caso, o exequente demanda J.T…., mas o mesmo não é obrigado (devedor) em face do documento dado à execução, uma vez que não apôs a sua assinatura no cheque.
A ilegitimidade de alguma das partes constitui exceção dilatória, insuprível, de conhecimento oficioso, que, no caso, conduz ao indeferimento liminar da execução, também relativamente ao executado J.T…..
Mostrando-se a Herança de M…...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO