Acórdão nº 1112/17.7 BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelVITAL LOPES
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 – RELATÓRIO A Exma. Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida em 20/02/2022 que, em execução de julgado, condenou a titular do órgão no pagamento de sanção pecuniária compulsória “fixada no valor de 5% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor, a iniciar após o termo do prazo de 30 dias e a terminar quando se mostre realizada a execução integral da sentença”, alegando para tanto o seguinte: « I. Na douta sentença recorrida, decidiu-se condenar a titular do órgão incumbido da execução, Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante diário de 5% do salário mínimo nacional mais elevado, a iniciar após o termo do prazo de 30 dias e a terminar quando se mostre ter sido realizada a execução integral da sentença.

II. Porém, e salvo o devido respeito que é muito, decidiu mal a douta sentença de condenação na sanção pecuniária compulsória, datada de 20.02.2022, pois que padece de vícios vários, e, não pode, por isso, manter-se na ordem jurídica.

III. E, isso porque não é de acolher a forma como aí se interpretou e se aplicou à situação sub judice o instituto da sanção pecuniária compulsória, nos termos do disposto no artigo 169º do CPTA.

IV. Da leitura do artigo 169º do CPTA, infere-se que a sanção pecuniária compulsória: i. Só pode ser aplicada quando haja um primeiro incumprimento da Executada sem justificação aceitável, não podendo ser aplicada sem uma prévia averiguação, destinada a determinar se o incumprimento é ou não desculpável; ii. É intuitu personae, devendo, assim, a sentença especificar, identificando, obrigatoriamente, qual o titular do órgão que está obrigado a executar o julgado e bem assim qual o conteúdo a que este está concretamente obrigado; iii. Tem o seu termo inicial apenas a partir da notificação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução da aplicação de tal sanção, pois, ao incidir sobre o património das pessoas individuais, tem subjacente a ideia de culpa — juízo de censura - no não cumprimento da decisão; iv. Cessa quando o cumprimento do julgado já não esteja ao alcance das pessoas físicas sobre que recaiu a dita sanção, por terem cessado o exercício das suas funções, não sendo as mesmas transmissíveis aos novos titulares, ficando dependentes de novo pedido.

V. Em primeiro lugar, da análise aos presentes autos, conclui-se que a Directora Geral da Autoridade Tributária não foi notificada, a título pessoal, previamente à sentença que a condenou em sanção pecuniária compulsória, isso em ordem a determinar se o atraso na concretização do julgado era ou não desculpável.

VI. Atenta a natureza sancionatória da figura jurídica da sanção pecuniária, é evidente que o titular do órgão visado tem que obrigatoriamente ser, antes da decretação da sentença, chamado ao processo jurisdicional, a fim de lhe ser dada a palavra para, querendo, exercer o respectivo direito de audição.

VII. Isso porque, e não sendo – até ao momento em que é condenado em sanção – o titular do órgão quem surge verdadeiramente na relação material controvertida (isto é, nunca tendo intervindo no processo jurisdicional nem como parte, nem como contra-interessado, nem através do instituto processual da intervenção), tem que lhe ser obrigatoriamente dada voz para que, a título pessoal, possa justificar o atraso na execução do julgado.

VIII. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 169.º, n.º 1 do CPTA, do disposto no artigo 3.º do CPC (princípio do contraditório), e, bem assim, do disposto no artigo 20.º da CRP (princípio da tutela jurisdicional efectiva), resulta que não podem então ser tomadas quaisquer medidas sancionatórias contra uma pessoa sem que ela seja ouvida, sem que se lhe dê oportunidade de aduzir factos ou motivos que surjam como factores de exclusão de culpa; consubstanciando essa oportunidade um basilar princípio de direito substantivo e processual.

IX. Conforme ensinado por Vieira de Andrade, a propósito da audição prévia do condenado, «Embora isso não resulte com clareza da lei, como se trata de sanções pecuniárias aplicáveis a titulares de órgãos, deverá haver um mínimo de procedimentalização, com audiência prévia ou possibilidade de oposição ao interessado à liquidação (…) apropriadas a um acto que representa, a final de contas, uma sanção individualizada.» X. Também assim foi decidido no Acórdão do TCA Sul, processo n.º 11622/14, de 29-01-2015: «Estamos, pois, assentes quanto à natureza sancionatória de carácter preventivo geral e especial sujeita a reserva de juiz, somente susceptível de ser aplicadas pelos Tribunais. O que significa que tem como pilares estruturais quer o exercício do contraditório na medida em que (…) não pode ser adoptada sem prévia audição da entidade demandada e das pessoas sobre as quais recaia a cominação (art. 3.º, n.º 3 CPC).» XI. Assim também tendo sido decidido no Acórdão do TCA Sul, processo n.º 09172/15, onde se decidiu que: «a inobservância da realização da audiência da realização da audição prévia a título pessoal do titular do órgão condenado - que era imprescindível – surge como violação de formalidade essencial que enferma a sentença recorrida de vício de violação de lei. A decisão de aplicação da sanção pecuniária compulsória é por isso ilegal por falta de contraditório do titular do órgão incumbido da execução do julgado, o Director-geral da Autoridade Tributária».

XII. Tendo também assim decidido no Acórdão do TCA Sul, processo n.º 10836/14, de 12-02-2015, ou no Acórdão do TCA Norte, de 14-12-2012, processo n.º 0608-A/99, onde se defendia a obrigação garantística de abertura de contraditório ao condenado em sanção pecuniária, antes da dita condenação.

XIII. A inobservância da realização de audição prévia a titulo pessoal do titular do órgão condenado – que, frise-se, era imprescindível – surge como violação de formalidade essencial que enferma a sentença recorrida de vício de violação de lei.

XIV. A decisão de aplicação de sanção pecuniária compulsória é por isso ilegal, por falta de contraditório do titular do órgão incumbido da execução do julgado.

XV. Acresce que a sanção pecuniária compulsória, de acordo com o teor do artigo 169.º, n.º 1 do CPTA, tem natureza intuitu personae, na medida em que tem por destinatário o suporte do órgão administrativo, isto é, a pessoa física concreta que exerce a competência administrativa adstrita ao cumprimento do dever que foi jurisdicionalmente imposto, O que, como se bem compreende, implicava (e implica) na sentença reclamada a identificação individualizada do titular do órgão competente.

XVI. Isso, porque - e tendo em conta que o titular do órgão incumbido de execução é uma pessoa jurídica distinta da pessoa colectiva em que se encontra inserido o órgão do qual é titular -, não é sobre a pessoa colectiva que vai recair a sanção pecuniária compulsória, mas sim, precisamente, sobre o titular do dito órgão; XVII. E também porque o património a responder por eventual incumprimento do pagamento da sanção pecuniária compulsória é o do próprio titular do órgão e não o património do órgão incumbido de concretizar o julgado.

XVIII. Como refere Vieira de Andrade «Numa óptica subjectiva, as sanções compulsórias apresentam, no mundo administrativo, uma especificidade, que se manifesta na circunstância de ela não recair sobre o estado ou os entes públicos, mas sobre os titulares dos órgãos incumbidos da execução – é dizer, de não recair sobre o património do “devedor”, mas sobre o património do indivíduo que “representa” o devedor ou lhe administra os bens e interesses. Isso implica uma identificação individual dos responsáveis pelo cumprimento das sentenças, o que nem sempre é inequívoco ou fácil para o tribunal.» XIX. Também Bruno Carrilho Tabaio escreve que o titular do órgão incumbido de execução é uma pessoa jurídica distinta da pessoa colectiva em que se encontra inserido o órgão do qual é titular, e, como tal, para efeitos jurídicos de aplicação de medidas coercitivas ou sancionatórias, deve ser individualmente considerado, não podendo as suas esferas jurídicas ser confundidas. (...) o número 1 do artigo 169º do CPTA consagra a possibilidade de o Tribunal aplicar urna sanção pecuniária compulsória a uma esfera jurídica (a do titular) sendo que a situação factual que levou á sua aplicação (a relação jurídica controvertida) não...

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