Acórdão nº 561/22.3 BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 09.08.2022, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal, apresentada por A...

    (doravante Recorrido ou Reclamante), que teve por objeto a ordem de penhora n.º 156220200000038604, referente ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 1562200201502883, e da consequente “retenção do valor mensal de € 158,73 da pensão de reforma por velhice”.

    Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “ A.

    Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a reclamação do ato do órgão de execução fiscal procedente, anulando a ordem de penhora n.º 156220200000038604, referente ao PEF n.º 1562200201502883 e apensos.

    B.

    A questão a apreciar e a decidir consiste em aferir da legalidade da penhora da pensão por velhice auferida pelo Reclamante, ora recorrido, considerando a prolação anterior das decisões de declaração e encerramento de falência pessoal.

    C.

    A Fazenda Pública não se conforma com o doutamente decidido, porquanto considera existir violação de caso julgado, nos termos do art.º 577.º, alínea i) do CPC, e erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos e consequente erro na aplicação do disposto no art.º 180.º, n.º 5, do CPPT.

    D.

    A questão da admissibilidade legal da penhora da pensão de reforma do Reclamante ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 180º do CPPT, foi anteriormente suscitada no processo de reclamação contra o ato de penhora da pensão de velhice, realizado pelo C... do Serviço de Finanças de Loures 3, em 10.08.2020, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3158200901049763 e apensos, que correu os seus termos sob o Proc. 1923/20.6BELRS, da 3ª U.O., do Tribunal Tributário de Lisboa.

    E.

    Por sentença proferida naqueles autos a 30.03.2021, transitada em julgado, foi tal questão julgada totalmente improcedente, considerando, em suma, o douto Tribunal, que a incobrabilidade dos créditos declarada em processo de insolvência não abrange os créditos tributários, podendo a execução prosseguir contra a pensão de velhice do Reclamante, nos termos do artigo 180.º n.º 5 do CPPT, uma vez que a mesma não foi apreendida nos autos de falência.

    F.

    Existe identidade de sujeitos porquanto o autor dos despachos de penhora é a Autoridade Tributária e o destinatário das penhoras o aqui Reclamante/Recorrido; identidade de pedidos, porquanto o efeito jurídico em ambas as causas é a anulação das penhoras que incidiram sobre a pensão de reforma; identidade da causa de pedir, porquanto as pretensões deduzidas nas duas ações procedem do mesmo facto jurídico, no caso, tratando-se de ação de anulação dos despachos de penhora, o facto jurídico consiste na violação do n.º 5 do artigo 180º do CPPT.

    G.

    O caso julgado constitui exceção dilatória, nos termos do artigo 577º alínea i) do CPC, a qual obsta a que o Tribunal conheça do mérito dos presentes autos, dando lugar à absolvição da instância da Fazenda Pública, nos termos do n.º 2 do artigo 576º e artigo 582º do CPC, ambos aplicáveis aos autos por força do disposto no artigo 2º alínea e) do CPPT.

    Sem prescindir, H.

    A questão em divergência com a douta sentença, prende-se com as condições legais de admissibilidade da penhora efetuada nos autos de execução fiscal, findo o processo de falência, por dívida fiscal vencida antes da declaração de falência, constantes do n.º 5 do artigo 180º do CPPT.

    I.

    A Fazenda Pública não se pode conformar com o sentido e alcance conferido pela douta sentença à expressão “vierem a adquirir bens em qualquer altura”, constante do nº 5 do artigo 180º do CPPT.

    J.

    A mencionada expressão, constante no n.º 5 do artigo 180º do CPPT, deverá ser interpretada, não no seu sentido literal, como efetuado pela douta sentença, mas sim numa formulação compatível com o seu escopo e fim teleológico, como seja o de não prejudicar os bens apreendidos a favor da massa insolvente, ou, que por qualquer circunstância, prejudiquem os direitos dos restantes credores do Insolvente, tal qual a formulação unanimemente aceite pela e jurisprudência para compatibilizar o vertido no n.º 6 do artigo 180º do CPPT com o vertido nos artigos 88º n.º 1 do CIRE e 154º n.º 3 do CPEREF.

    K.

    Ou seja, poderão ser penhorados bens adquiridos antes da cessação do processo de insolvência ou termo do processo de recuperação, desde que não aprendidos a favor da massa insolvente, ou que, por qualquer forma, não prejudique os direitos dos restantes credores ou os direitos e legítimos interesses das empresas em recuperação, e, bem assim, “sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.”, à semelhança da doutrina unanimemente consolidada para a disciplina do artigo 180.º n.º 6 do CPPT.

    Com efeito, L.

    O artigo 180.º, n.º 1 e 6 do CPPT, por um lado, e os artigos 154.º n.º 3 do CPEREF e artigo 88º n.º 1 do CIRE, aparentemente contraditórios entre si, têm sido harmonizados e interpretados consistentemente na jurisprudência e doutrina como permitindo a instauração de novas execuções fiscais após a declaração de insolvência, mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência.

    M.

    Ora, por questões de unidade e coerência do sistema jurídico, igual entendimento deverá ser transposto para admissibilidade legal da penhora nas execuções fiscais por dívidas vencidas antes da cessação do processo de insolvência ou do termo do processo de recuperação, nos termos do n.º 4 e 5 do artigo 180º do CPPT.

    N.

    Os motivos que presidem ao entendimento que defende que nas situações previstas no n.º 6 do artigo 180º do CPPT, só seja admitida a penhora de bens não aprendidos a favor da massa insolvente, são idênticas às razões que no n.º 5 do artigo 180º do CPPT foram contempladas pelo legislador para permitir apenas a penhora de bens que o Executado venha adquirir em qualquer altura, que são, se a Fazenda Pública bem entende a problemática subjacente, a proteção dos restantes credores da massa insolvente e dos legítimos direitos e interesses da empresa em recuperação.

    O.

    A pensão de reforma do Reclamante não foi apreendida a favor da massa insolvente, pelo que nunca fez parte daquele acervo patrimonial, tendo, inclusive, o processo de insolvência do Reclamante cessado por insuficiência de bens e os créditos sido declarados incobráveis.

    P.

    O bem penhorado nos autos, pensão de velhice, nunca foi objeto de qualquer diligência no processo falimentar, pelo que, na conceção da Fazenda Pública, não existe qualquer impedimento legal ou restrição à sua penhora decorrente do artigo 180º n.º 5 do CPPT, acrescendo ainda o facto de que o processo de insolvência já se encontra findo, pelo que a penhora da pensão de reforma não irá afetar os direitos dos restantes credores falimentares.

    Q.

    A expressão “vierem a adquirir bens” utilizada no artigo 180º n.º 5 do CPPT, não poderá ser entendida, exclusivamente, como se referindo apenas a bens adquiridos posteriormente ao fim do processo de falência.

    R.

    Se o bem não tiver sido apreendido, ou, findo o processo de falência, regressar à disponibilidade do falido, não se vislumbra motivo ou razão preponderante, nos termos do n.º 5 do artigo 180º do CPPT, que impeça que esse bem seja utilizado para saldar as dívidas que ainda subsistam e que possam ser executadas, como é o caso da dívida dos autos.

    S.

    A pensão de reforma é uma prestação periódica, renovável mensalmente, cujo direito o Reclamante, ora recorrido, adquire sucessivamente na data do seu vencimento.

    T.

    A penhora dos autos incidiu sobre prestações de reforma adquiridas posteriormente à declaração de insolvência do Reclamante e à cessação do respetivo processo de insolvência, pelo que se mostram de acordo com os pressupostos impostos pelo n.º 5 do artigo 180º do CPPT, na interpretação da douta sentença recorrida.

    U.

    Ao decidir em sentido contrário a douta sentença cometeu erro de julgamento, por violação do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 180º do CPPT, pelo que deverá ser revogada, e substituída por douto acórdão que admita a penhora reclamada, a qual, contrariamente ao decidido, poderia ter sido ordenada, uma vez que não existe impedimento legal à sua realização.

    Termos em que, com o douto suprimento, requer a V. Exas se dignem admitir o presente recurso, julgando o mesmo procedente por provado, e, em consequência, revoguem a douta sentença recorrida, substituindo a mesma por douto acórdão que julgue verificada a exceção de caso julgado ou, alternativamente, declare a legalidade da penhora realizada nos autos, com todas as consequências legais.

    Assim decidindo, farão V/ Ex.ªs, aliás, como sempre, a costumada justiça”.

    O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: “1. A atribuição legal ao presente recurso de efeito suspensivo, tem por base o reconhecimento de que, ponderados os interesses em jogo, se pretende a continuar a garantir a exequibilidade da decisão da primeira instância enquanto o caso não se encontrar definitivamente julgado, 2. A sentença a quo é clara na sua decisão “julgo a presente reclamação procedente e determino a anulação da ordem de penhora”, que impõe à Fazenda Pública e em concreto ao SF que, -no âmbito do presente processo e seus apensos- não pode continuar a penhorar a pensão do reclamante ou a reter o seu valor seja a que título for.

    1. Vem a Fazenda Publica alegar excepção dilatória, nos termos do art. 577º, al. i) do CPC, fazendo para tanto alusão à existência de caso julgado, em concreto o Proc. 1923/20.6BELRS que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa.

    2. O art. 278º do CPC (aplicável ex vi art. 2º, al. e) do CPPT), determina que o juíz deve abster-se de conhecer o pedido e absolver o réu da instância, sempre que tenha conhecimento de uma excepção dilatória, 5. A sentença recorrida refere...

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