Acórdão nº 599/18.5 BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelLUÍSA SOARES
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I – RELATÓRIO Vem J....., interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra o indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivos juros compensatórios, dos exercícios de 2014, 2015 e 2016, no montante total de € 818.813,35.

O Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos: “1. No exercício da sua atividade de compra e venda de veículos usados o Recorrente fixa o preço de venda ao público das viaturas que comercializa, com o IVA incluído no preço, em conformidade com o normativo previsto no DL 138/90, de 26 de abril, com as alterações introduzidas pelo DL 162/99, de 13 de maio.

2. Do referido normativo, resulta clara a intenção do legislador, em desonerar o consumidor final de realizar contas, nomeadamente adicionar o IVA ao preço afixado; 3. Nas viaturas que comercializa o Recorrente procede à liquidação do IVA, pela aplicação de dois regimes distintos: o Regime Geral do IVA, consagrado no CIVA e o Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objetos de Arte, de Coleção e Antiguidades, regulado pelo DL 199/96, de 18 de outubro; 4. Não obstante, em determinadas situações ter liquidado IVA ao abrigo do Regime dos bens em segunda mão, quando não o poderia ter feito; 5. Todavia, mesmo nessas situações houve liquidação de IVA (ainda que indevidamente calculado), conforme resulta da alínea K) dos factos provados.

6. E que infirma a conclusão vertida na douta sentença sob a alínea AAA) da factualidade não provada; 7. Na base desse julgamento de facto, errado a nosso ver, está a menção “IVA 0%”, constante das faturas de venda das viaturas emitidas pelo Recorrente; 8. Ora, não obstante a divergência de regimes, tratou a sentença as situações de forma igualitária, fazendo uma incorreta interpretação e aplicação das normas tributárias a este respeito; 9. Porquanto, nos termos do Regime da Margem, tal menção não poderá sequer ser outra, conforme resulta do artigo 6.º, n.º 1 do DL 199/96, de 18 de outubro.

10. Nem tal resulta da própria contabilidade do Recorrente, conforme a douta sentença pretende fazer crer, argumentando com a coincidência entre os movimentos da conta #211001 – Clientes Particulares e a crédito na conta #711 – Vendas automóveis, nos anos de 2014 e 2015.

11. Tal coincidência existe, porque contabilisticamente assim é o certo, como demonstrado no esquema contabilístico mencionado no ponto 16 das Alegações de Recurso.

12. Quanto às faturas, cujo IVA é liquidados nos termos do Regime Geral, apela-se ao princípio da prevalência da substância sob a forma, com aplicabilidade e efetividade reconhecidas pela doutrina e jurisprudência tributária, que, no caso em apreço, nestes autos imporia que as exigências formais das faturas, cedessem perante a concreta e real situação de facto.

13. Sendo que a concreta e real situação de facto se traduz na circunstância do consumidor final ter pago ao Recorrente, aquando da aquisição da viatura, o valor constante na fatura e não esse valor acrescido de uma taxa de 23%, correspondente ao IVA.

14. Ora, sem colocar em causa a necessidade de se procederem a correções em sede de IVA, em virtude de uma errada aplicação do regime da margem dos bens em segunda mão, houve erro crasso por parte da AT no cômputo dessas correções, ao calcular o imposto em falta “por fora” e não “por dentro”.

15. Ao proceder dessa forma, fazendo acrescer ao valor constante da fatura a taxa de IVA, sem considerar o IVA já liquidado [ainda que de forma errada], está a onerar o Recorrente, com um imposto que deve repercutir-se no consumidor final.

16. O que não sucederia, caso o imposto em falta fosse apurado “por dentro”, conforme defende o Recorrente ser o método de cálculo adequado em função dos princípios basilares do IVA e conforme jurisprudência comunitária vertida no Acórdão do Tribunal de Justiça Terceira Secção de 07 de novembro de 2013, no âmbito dos processos apensados C-249/12 e C-250/12.

17. Tal método de apuramento do imposto em falta, que prejudica grosseiramente o Recorrente, porquanto origina correções de IVA excessivas, subverte a lógica inerente ao IVA que é, pela sua natureza um imposto sobre o consumo que, tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final, consubstancia uma violação da Diretiva 2006/112/CE, que é Direito da União.

18. Sendo que tais correções, operadas em sede de IVA, independentemente do método de cálculo adotado, terão necessariamente reflexos no apuramento do rendimento coletável em sede de IRS, por força do princípio constitucional da tributação do lucro real consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, impacto que de todo não foi considerado pela AT.

19. Em sede de IRS, novas conclusões erradas avultam na douta sentença sobre as correções levadas a cabo pela AT, designadamente quanto à coincidências entre as bases tributáveis para efeitos de IVA e as bases tributáveis para efeitos de IRS.

20. Tal coincidência não existe, nem poderá existir, tanto mais num sujeito que aplica o regime da margem dos bens em segunda mão, conforme evidenciado no exemplo que se transcreve no ponto 55 e 15 destas Alegações de recurso e de acordo com as notas explicativas da Comissão de Normalização Contabilística.

21. Sendo inequívoco que tais correções, independentemente do método de cálculo do imposto, “por fora” ou “por dentro”, têm reflexos na determinação do rendimento coletável, o que não foi tido em conta nas correções operadas em sede de IRS.

22. No que respeita às designadas “correções CMVMC –Custo aquisição em duplicado”, o Tribunal a quo, limitando-se a sancionar o entendimento da AT, conclui pela existência de uma duplicação de custos de algumas viaturas, pelo facto de num determinado exercício o Recorrente ter registado a aquisição de uma viatura, que já constava nas existências iniciais desse exercício.

23. A tal conclusão apenas se pode chegar, pelo menos de modo tão acrítico, por uma desconsideração tal dos argumentos esgrimidos pelo Recorrente, quer em sede de direito de audição e, posteriormente reproduzidos em sede de Impugnação.

24. O que gerou, em manifesto desfavor do Recorrente, correções substanciais no lucro seu tributável do Recorrente.

25. Porém, uma análise mais cuidada ao extrato da conta #311 – Mercadorias nos exercícios sob censura, veríamos que as viaturas mencionadas nas alíneas JJ) a OO) da factualidade provada, “entram e saem” da referida conta, através dos respetivos lançamentos a crédito e a débito, o que, a final, se traduz num saldo nulo.

26. Pelo que, é desprovida de sentido lógico, a afirmação vertida na douta sentença de que a putativa duplicação de custos não fica prejudicada pelo saldo nulo dessa conta. Logicamente que fica! 27. Não obstante a falta de nexo contabilístico desta operação, o que é certo é que, na fórmula com base na qual é apurado o CMVMC, o custo das referidas viaturas, apenas se encontra repercutido na parcela das existências iniciais e não nas duas componentes da fórmula, “deitando por terra”, a tese de uma duplicação no apuramento do CVMC.

28. Entendimento diverso viola o princípio constitucional da tributação do lucro real plasmado no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, que não obstante acolhido constitucionalmente no âmbito da tributação do lucro empresarial, tem a sua aplicabilidade e relevância em sede de IRS, por força do disposto no artigo 28.º e 32.º do CIRS.

A douta decisão violou, entre outros, os seguintes preceitos legais: · O artigo 1.º, n.º 5 do Decreto –Lei n.º 138/90, de 26 de abril, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 162/99, de 13 de maio; · O artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro; · A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006; · O Decreto-Lei n.º 198/2012, de 27 de agosto; · O artigo 11.º, n.º 2 da L.G.T.

· O artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V/Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.

* * A Recorrida não apresentou contra-alegações.

* * O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

* * Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado que as liquidações adicionais de IVA e de IRS dos anos de 2014, 2015 e 2016 deviam manter-se na ordem jurídica.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “Atenta a articulação das partes em juízo, e tendo em conta o disposto nos artigos 5.º, n.º 2 e 607.º, n.º 4 ambos do Código de Processo Civil (CPC), consideram-se provados os seguintes factos, constantes dos autos com relevância para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis das questões de direito, tudo se dando por integralmente reproduzido: A) Nos anos de 2014, 2015 e 2016, o Impugnante exercia a atividade de compra e venda de veículos usados (facto admitido por acordo e que se extrai dos documentos juntos aos autos, nomeadamente do relatório de inspeção tributária a fls. 200 a 259 do SITAF); B) Nos anos de 2014, 2015 e 2016, o Impugnante...

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