Acórdão nº 14/18.4 BEPDL de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 10.03.2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Ponta Delgada, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por D..., S.A.

(doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, relativas aos primeiro e segundo trimestres de 2013.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “A. Na Sentença produzida nos presentes autos foi julgada procedente a impugnação interposta pela sociedade D..., S.A., contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios relativas aos períodos 03 e 06 de 2013, no montante global de 133.646,18 €, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que sobre a mesma incidiu, com os fundamentos constantes da Sentença que aqui se dá por reproduzida.

  1. Salvo o devido respeito, que é muito, a AT não se pode conformar com a decisão tomada e daí a apresentação do presente recurso porque, na nossa opinião, verificou-se um erro no julgamento da questão aqui em causa, pelas razões que seguidamente se desenvolvem.

  2. A posição da Impugnante é absolutamente clara desde o princípio, sustentando que a fundamentação aduzida pela administração tributária para desconsiderar as facturas a que respeitam essas liquidações, e consequentemente o IVA nelas liquidado e alegadamente suportado pela impugnante, não é válida e é insuficiente, não tendo ficado demonstrada a existência de indícios sérios de que sejam falsas as operações tituladas.

  3. A presente sentença, não obstante, considerar provados os factos constantes no Relatório da Inspecção Tributária — que transcreveu no ponto 6) do relatório da Sentença - acolheu o entendimento da impugnante, posição que, salvo o devido respeito, não podemos acompanhar.

  4. A douta sentença, dá também por provado, e bem, o facto da apreensão de elementos contabilísticos — cfr. n° 11) da fundamentação de facto da Sentença) com vista a servirem de meio de prova no processo de inquérito crime n° 131/12.41DAVR a tramitar no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, em que figura como arguida a impugnante.

    F.

    Por outro lado, quanto à matéria de facto não provada, a douta sentença fixou, e bem na opinião desta RFP, a falta de comprovação da ocupação e utilização do espaço necessário por parte da Impugnante, e a descredibilização da prova testemunhal dadas as respostas "genéricas", "implausíveis", e não "espontânea", "segura” e "desinteressada" das testemunhas atento o seu envolvimento em "diversos inquéritos criminais" — citando, os n° 131/12.41DAVR, ° 47/03.51DAVR e n° 342/16.31DAVR — concluindo pelo seu evidente interesse no desfecho desta impugnação.

  5. E não obstante em termos de direito a douta sentença, correctamente fixar que no caso em apreço foi recusada a dedução do IVA com fundamento no artigo 19.°, n.° 3 do Código do IVA — Na redacção dada pelo DL n° 197/202 de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013, e aqui aplicável — ali se dispondo que não pode ser deduzido o imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente, veio a final, a douta sentença decidir a contrario do direito e dos factos apurados.

  6. Nessa mesma sequência a douta sentença transcreve: "Efetivamente, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão do Pleno de 17 de Fevereiro de 2016, no processo n.° 0591/15 (disponível em —jurisprudência confirmada no acórdão do pleno de 27-02-2019, processo n.°01424/05.2BEVIS), decidiu que a administração tributária apenas tem de demonstrar factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte". "Em suma, a administração tributária não tem de demonstrar o intuito e acordo simulatório e o animus nocendi em desfavor do Estado nem, tão pouco, a falsidade das faturas. De forma a abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da contabilidade e a estabelecer um juízo fundado e consistente sobre o carácter simulado de tais operações, têm que ser invocados factos que traduzam a elevada probabilidade de falta de concretização das operações mencionadas nas faturas.".

    I. "Quanto à distribuição do ónus de prova dos pressupostos referidos do n° 3 do artigo 19.° do Código do IVA, tem sido entendido que compete à Fazenda Pública demonstrar a existência de indícios sérios e fundados que as operações económicas não correspondem à realidade. Efectuada a mesma, passa a competir ao sujeito passivo de imposto o ónus da prova da materialidade da operação (cfr. Supremo Tribunal Administrativo, acórdão do Pleno de 7 de Maio de 2003, recurso n.° 1026/02 e acórdão de 4 de Maio de 2005, no recurso n.° 943/04." J. Ora, aqui chegados, tendo em vista o princípio da economia processual, importa dar aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, o conteúdo integral do Relatório da Inspecção Tributária (RIT) constante do processo, onde se encontram exaustivamente elencados todos os indícios recolhidos pela AT, que de forma absolutamente adequada, fundada, suficiente e séria, fundamentam de facto e de direito a convicção de que as operações sub judice, são efectivamente fictícias e inexistentes e consequentemente, por serem operações simuladas não conferem o direito à dedução do IVA4.

  7. Efectivamente, em conformidade com o direito e com a melhor jurisprudência invocada, a AT — no RIT — demonstra toda a factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte. Os fortes indícios recolhidos e demonstrados pela Inspecção Tributária, afastam a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da contabilidade e estabelecem um juízo fundado e consistente sobre o carácter simulado de tais operações, e invocam factos que traduzam a elevada probabilidade de falta de concretização das operações mencionadas nas faturas.

    L. Aliás e a propósito, também o Digníssimo Procurador da República no seu douto Parecer, salienta: "A administração tributária concluiu — em face desse circunstancialismo, de outros que descreve detalhadamente no relatório de inspecção tributária (v.g., relativas à utilização do mesmo veículo em operações de carga e descarga realizadas em simultâneo em locais distintos), e da irracionalidade, em termos de funcionamento de mercado, da "intermediação" que a impugnante passou efectuar entre empresas que antes se relacionavam comercialmente entre si de forma directa — que as operações tituladas pelas facturas timbradas das empresas C.... Lda e U..., Unipessoal. Lda, antes emitidas directamente para a M..., e que passaram a ser "intermediadas" pela impugnante, constituíam uma "perfeita réplica do esquema de faturação falsa em cadeia".

    Com base nos fundamentos descritos na alínea anterior foram consideradas simuladas as transacções tituladas pelas seguintes facturas emitidas por C..., Lda Data.

    e do mesmo modo as transacções tituladas pelas seguintes facturas emitidas por U... Unipessoal Lda Nessa medida, foram propostas as correspondentes correcções técnicas em sede de IVA, por dedução indevida de IVA, no decurso do exercício de 2013.

  8. Ora, dispõe o n.° 1 do artigo 75° da Lei Geral Tributária que "presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos".

  9. Todavia, tal presunção deixa de verificar-se se "as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo" - alínea a) do n.° 2 do citado preceito legal.

  10. E foi justamente isso que sucedeu. A AT recolheu indícios fundados da falta de correspondência com a realidade das facturas em causa. "Senão, vejamos a empresa impugnante não revelou exercer actividade económica, desde logo porque os custos evidenciados na sua contabilidade se cingiram ao pagamento aos seus administradores, não havendo evidência de qualquer outro custo operacional, designadamente com arrendamento de instalações, pagamento de energia eléctrica, combustível ou outros, fosse na sua sede inicial, fosse na ilha do Pico, para onde no decurso do ano de 2013 a sede formal foi transferidas. Os administradores, ademais, também eram pagos pela empresa que actuava a jusante da sua posição no mercado. Por outro lado, são nulas a utilidade e a necessidade da intervenção da impugnante no mercado, posto que, a existir, a sua operação apenas introduziria um patamar adicional no relacionamento entre empresas que antes transaccionavam directamente os bens que aquela se proporia comprar e vender. Nenhuma racionalidade existiria, em termos de mercado, em introduzir um agente desnecessário na cadeia de comercialização de qualquer bem. Também as relações familiares (de progenitura e conjugalidade) existentes entre os gerentes da empresa impugnante e os da empresa a quem alegadamente seriam vendidos todos os bens por aquela comprados são indiciadoras de que a contabilidade e declarações não reflectiam a sua matéria tributável real." (cfr. Parecer do Digníssimo Procurador da República).

  11. Ainda do mesmo Parecer do Digníssimo Procurador da República, importa extrair a análise à prova produzida: "A impugnante pretendeu, neste processo, fazer prova de que tiveram efectivamente lugar, ao contrário do pretendido pela administração tributária, as operações económicas...

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