Acórdão nº 1117/10.9 BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelHÉLIA GAMEIRO SILVA
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul l – RELATÓRIO B.... - B....., LDA., deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2004, e correspondentes juros compensatórios na importância de € 95.258,86.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença de 29 de junho de 2018, julgou totalmente improcedente a impugnação, mantendo, na ordem jurídica, o ato impugnado.

Inconformada, a impugnante B.... - B....., LDA., veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões: «

  1. Com base nos fundamentos de facto e de direito alegados, entende a Recorrente que a douta sentença recorrida encontra-se, de forma irremediável, inquinada dos seguintes vícios: a) está ferida de nulidade por falta de fundamentação, ao omitir a indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz, bem como ao não proceder à análise crítica da prova; b) está ferida de nulidade por défice instrutório; c) labora em manifesto e grosseiro erro de julgamento por falta absoluta de discriminação dos factos não provados, bem como por erro na fixação da matéria de facto, quanto aos factos que dá como provados e não provados e que impunham diversa solução de Direito, nomeadamente: • quanto ao valor probatório das declarações da Recorrente • na distribuição do ónus da prova na comprovação das operações declaradas • pelo erro ostensivo na apreciação da prova, no que respeita às duas facturas emitidas por C....., Lda. e ao contrato de locação financeira n.° ….955 celebrado com o …P e facturas emitidas por esta instituição bancária desconsiderados pela AT.

    B) Não se mostra, desde logo, devidamente fundamentada a sentença recorrida, incorrendo em nulidade (artigos 125.º nº 1 do CPPT e 607.º n.º 4 do CPC), pois revela-se deficiente, ambígua e obscura inviabilizando qualquer juízo inteligível sobre o seu conteúdo, razão pela qual não consegue a Recorrente descortinar que matéria de facto foi dada como provada, bem como o seu cabal exame crítico, adequado a fundamentar a improcedência da impugnação.

    C) Sobre a questão da fundamentação da decisão da matéria de facto, vem lapidarmente afirmando a nossa doutrina: “(...) a discriminação rigorosa dos factos provados e não provados e uma motivação clara, adequada e consistente são essenciais para a justa composição do litígio, são essenciais para a realização da justiça fiscal. (…) julgar implica também uma tarefa delicada e complexa que consiste em seleccionar e valorar os factos relevantes para a decisão da causa e enuncia-los como provados ou não provados, motivando a decisão” (3), sendo que, “os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exacta, de modo a retratar com objectividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correcção sintáctica e propriedade terminológica e semântica.” (4) D) No mesmo sentido avança a jurisprudência, remetendo a Recorrente para o decidido no Acórdão do TCAN de 28-01-2016, proferido no Proc. n.º 00479/09.5BEPRT, decisão que quer pela pertinência do raciocínio, quer pela clareza e pelo acerto da decisão, não pode deixar de se acompanhar de perto e secundar a sua respectiva fundamentação, pouco mais se podendo acrescentar.

    E) Porquanto, esta exigência que concerne à matéria de facto provada “de modo algum se satisfaz com a colagem de diversos elementos que nem sequer internamente se mostram ordenados”, sendo que “com facilidade se encontram exemplos de uma deficiente metodologia na elaboração de decisão judiciais (...) em que é usual a mera transcrição dos factos assentes”. Mais, “o facto provado por documento não corresponde ao próprio documento. Em vez de o juiz se limitar a “dar por reproduzido o teor do documento X”, importa que extracte do mesmo o segmento ou segmentos que sejam concretamente relevantes, assinalando, assim, o específico meio de prova em que se baseou. Imposição que obviamente colide com a pura reprodução de todo o documento (…).” (5).

    F) Confrontada a Recorrente com a douta sentença recorrida, de imediato se evidencia que a Juiz a quo na sua elaboração não cumpriu a exigência de indicação da matéria de facto, optando por seguir a prática censurável de verter nos factos provados o conteúdo do RIT, apresentando nas alíneas j) e l) como “factos provados” não “factos” mas “documentos” que integram o PAT, nomeadamente a fotocópia integral dos pontos II-2, III-2, III-3.1, III-3.2, III-4.1.1, III-4.1.2 e IX do RIT e Anexo 22 do RIT, os quais deu “por inteiramente reproduzido”, sem indicar, sem discriminar, sem especificar os factos que esses documentos comprovam (conforme resulta do teor de fls. 6 a fls. 34 da douta sentença recorrida, ou seja, um total de 27 das 47 páginas da mesma).

    G) Como se sabe, o RIT não está organizado sob a forma de “factos” que permita a sua automática transposição para a sentença, sendo antes uma informação elaborada pelos serviços inspectivos do órgão da execução fiscal, inserida num procedimento administrativo com uma estrutura e uma lógica próprias onde cabem factos, investigações, opiniões, presunções, raciocínios, diligências, conclusões, etc.

    H) Pelo que, ficou a Recorrente sem saber, com clareza e objectividade, quais os factos provados e não provados, apenas se vendo confrontada, de novo, desta feita pela douta sentença recorrida, com a amálgama incontrolada e indiscriminada, sem nexo lógico ou temporal, das investigações, opiniões, presunções, meros raciocínios, diligências, conclusões do inspector tributário, N.....(quinta testemunha do processo), relativamente a operações que este considerou simuladas, e que disseminou no RIT que elaborou na sequência da inspecção tributária aos exercícios da Recorrente dos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, em sede de IRC e IVA.

    I) Secundando o Acórdão do TCAN de 28-01-2016, acima citado, que aqui, salvo o devido respeito, se impõe reproduzir: “A prática de verter nos factos provados o conteúdo do relatório da inspecção é uma prática censurável que não cumpre dever de seleção da matéria de facto que deve constar na sentença.

    Processualmente é tão errado dar como reproduzidos documentos que constem do processo, como reproduzi-los integralmente sem indicar – discriminar, especificar –, os factos que esses documentos comprovam.

    Se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão (o que sucede na maioria das vezes), deverá cuidadosamente selecioná-los (e só os factos!) descriminando-os por alíneas ou números, refletindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.º 147º/2; 552º/d) CPC e 108º/1 do CPPT).” J) Uma outra observação que se impõe respeita à circunstância da alínea j) e l) dos factos provados se apresentar como uma exposição claramente desordenada, sem qualquer nexo ou sequência lógica ou temporal relativamente à antrcedente alínea j) e subsequente alínea l) – o que não pode igualmente deixar de beliscar o imperioso “dever de clareza” simplicidade e lógica da sentença.

    K) É, indiscutivelmente, nula a sentença recorrida por omissão relevante de factos, pois não só não foram estes especificamente autonomizados na decisão da matéria de facto, como também não se encontram os mesmos referenciados e analisados na discussão jurídica da causa.

    L) Porquanto, quando na análise crítica da prova o Tribunal a quo não demonstrou o empenho minimamente exigido na sua explicitação, evidenciando um deficiente grau de convencimento sobre a prova produzida, limitando-se a confessar que adere na íntegra à “tese” plasmada no RIT reproduzindo-a e escudando-se em fórmulas vazias destituídas de qualquer densidade que nada dizem e que nada fundamentam. Ou seja: · o que lemos na motivação da douta sentença (a fls. 41, 42, 43 e 45) mais não é do que um relato enfatizado do RIT feito pela Juiz a quo, · não se compreende o sentido da seguinte da seguinte afirmação da motivação da sentença (a fls. 45): “Basta porém uma análise da parte IX do relatório da inspeção para concluir pelo contrario do invocado, visto que como vertemos para os “factos provados”, a AT debruçou-se sobre várias questões invocadas em requerimento de audição prévia, (…)quando na alínea h) dos factos provados apenas consta que “A 03/04/2009 foi emitido oficio no sentido de a impugnante exercer o direito de audição prévia (cfr. documento de fls. 78 dos autos)”, sendo que da alínea j) dos factos provados (a fls. 32) apenas consta a fotocópia do ponto IX do RIT onde menciona a inspeção tributária que notificou o sujeito passivo para exercer o direito de audição prévia, ou seja, em parte alguma dos factos provados consta que a Recorrente tenha exercido essa audição prévia, nem de que modo a AT se debruçou sobre as questões invocadas pelo sujeito passivo no exercício desse direito! · Quanto à alínea l) dos factos provados e transcrição/fotocópia do Anexo 22 do RIT, nem uma palavra consta na motivação da sentença, a qual é totalmente omissa no que respeita a este pseudo-facto provado.

    pelo que, é forçosa a conclusão de que não houve a imprescindível apreciação...

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