Acórdão nº 1441/19.5T9MAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA RAMOS
Data da Resolução16 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROC.º 1441/19.5T9MAI.P1 Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO:Neste processo, por sentença datada de 27/01/2022 – e não 26/01/2022 como dela consta - (refª. 432707307), e no que ora importa salientar, decidiu-se julgar a acusação pública procedente, e o pedido cível procedente, por provados e, em consequência: · condenar o arguido AA, pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de oito euros, num total global de oitocentos euros; · condenar o arguido BB, pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, com regime de prova.

· condenar o arguido AA a pagar ao demandante Centro Hospitalar ..., EPE, a quantia de duzentos e vinte euros e cinquenta e um cêntimos, acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a sua notificação e até efetivo e integral pagamento Inconformado com a sobredita decisão, veio o arguido AA interpor recurso da mesma nos termos constantes dos autos e aqui tidos como especificados (refª. 31489903), tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição): i.

Tendo o tribunal a quo dado como provado que:

  1. No dia 06.02.2019, pelas 11h30, quando os arguidos que trabalham como motoristas a prestar serviço para a S..., S.A., se encontravam nas instalações da empresa, sitas na Rua ..., na Maia, começaram a discutir e quando o arguido AA virou costas ao arguido BB, o arguido BB desferiu um pontapé na parte de trás do joelho do arguido AA.

  2. Foi então que o arguido AA se voltou de frente para o arguido BB e desferiu-lhe um murro na face do lado direito, fazendo com que o arguido BB caísse no chão.

    ii.

    Concluindo assim que há uma agressão inicial levada a cabo pelo arguido BB e uma reacção imediata a essa agressão por parte do arguido AA.

    iii.

    Não poderia ter condenado o recorrente pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. no art. 143º, nº1, do Código Penal.

    iv.

    Uma vez que, atenta a dinâmica dos factos e das agressões em causa, necessariamente se teria que se concluir por uma causa de exclusão da ilicitude, no caso, o facto do recorrente ter agido em legitima defesa, nos termos do art.º 32.º CP.

    v.

    Isto porque, conforme resultou provado, foi o arguido BB quem inicialmente agrediu o recorrente, a que se junta ainda o também por este admitido que ainda dentro do camião “chamou à razão” o recorrente, que “se exaltou dentro do camião, dizendo que aquilo não eram atitudes para um colega de trabalho (tudo por causa das guias!!), que o arguido AA refutava e que ele deu murros no tablier (…).

    Diz ainda que o arguido AA não lhe ligava e continuou à volta com os seus papéis”.

    vi.

    Tendo sido este quem se dirigiu ao recorrente, que estava no lado contrário do camião, para o agredir com um pontapé (com botas de biqueira de aço).

    vii.

    E, nessa sequência, Foi então que o arguido AA se voltou de frente para o arguido BB e desferiu-lhe um murro na face do lado direito, fazendo com que o arguido BB caísse no chão.

    viii.

    Agindo assim em legítima defesa.

    ix.

    Na verdade, o recorrente só reagiu quando agredido, em resposta à agressão e com o intuito de suster a agressão.

    x.

    Não agindo assim o recorrente com a intenção de agredir o arguido BB, mas sim com o único propósito de se defender do arguido BB, reacção essa que foi imediata à agressão sofrida por este e que, diga-se, só desse modo permitiu pôr fim à mesma.

    xi.

    Verificada que está a existência de uma causa de exclusão da ilicitude, deveria o recorrente ter sido absolvido da prática do crime de ofensa à integridade física simples.

    Sem prescindir e, xii.

    Mesmo que assim não se entendesse, sempre se teria que se concluir pela dispensa de pena, nos termos do art.º 143.º n.º 3 al. b) CP, verificada que estaria a retorsão.

    xiii.

    Já que, no limite, se teria que se concluir que o recorrente unicamente teria exercido retorsão sobre o agressor.

    Sem prescindir ainda, xiv.

    Condenou o tribunal a quo o recorrente na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de 8,00€ (oito euro), num total de 800,00€ (oitocentos euros).

    xv.

    Pena essa que sempre se revelaria excessiva, atento uma vez mais tudo quanto o já exposto.

    xvi.

    Pelo que se imporia assim, uma redução substancial de tal pena, cujo montante diário não deverá ultrapassar os 3,00€.

    Também não se conformando com tal decisão, dela veio recorrer o arguido BB nos termos que constantes dos autos e aqui se consideram como reproduzidos (refª. 31515238), tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição, excepto quanto às referenciadas transcrições da prova gravada): 1 - Vem o recurso interposto da sentença lida no dia 26 de janeiro de 2022, depositada no dia 28 do mesmo mês e ano, na qual o M.º Juiz “a quo” condenou o arguido BB pela prática de um crime de ofensa á integridade física p. e p. no art. 143.º, n.º 1, do C.P., na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, com regime de prova; 2 – A sentença enferma dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do C.P.P., nomeadamente, contradições insanáveis na fundamentação e entre esta e a decisão e erro notório na apreciação de prova, levando a uma errada qualificação jurídica dos factos; 3 - Verifica-se, na leitura da sentença, que são dados como provados um conjunto de factos que nada têm a ver com a prova produzida; 4 - In casu, a sentença determina como factos provados, na al. a) e b), que não são compatíveis com a prova produzida, nomeadamente, com os diversos depoimentos ocorridos em sede de julgamento; 5 - Dessas declarações resulta, claramente, que o aqui Recorrente não agrediu com um pontapé o arguido AA, sendo este facto puramente inventado para dar guarida à estratégia de desistência de queixa prosseguida por este; 6 - De facto, para a formação da sua convicção o tribunal a quo relevou toda a prova constante dos autos e conjugou-a com a análise critica dos depoimentos das testemunhas ouvidas e das declarações dos arguidos; 7 - Ora, foi exatamente nesta análise crítica que o tribunal falhou rotundamente; 8 - O Tribunal a quo, apesar de ter em seu favor, por exemplo, o princípio da imediação em sede penal, não pode afastar-se da realidade fáctica que resulta dos depoimentos suprarreferidos.

    9 - Não pode esquecer que, ouvidas as testemunhas e os arguidos, resulta, quanto aos factos de que o aqui Recorrente vem acusado, 4 (quatro) versões distintas, tantas quantas as pessoas ouvidas, e que, dos 4 depoimentos, três resultam, claramente, de versões apresentadas (montadas/ficcionadas) em favor do arguido AA; 10 - Sumariamente, vinha o aqui Recorrente acusado de, no dia 6 de fevereiro 2019, pelas 11h 30m, quando se encontrava nas instalações da S..., S.A., quando o arguido AA virou as costas, ter desferido um pontapé na parte de trás do joelho deste; 11 - Com efeito, depois de serem ouvidas as testemunhas e os arguidos é claro que isso não aconteceu, apesar do Tribunal a Quo ter entendido o contrário; 12 - Relativamente á análise critica realizada pelo Tribunal a quo dos depoimentos das testemunhas ouvidas resulta o seguinte: - Da análise realizada ao depoimento da testemunha CC cabe em sede do presente recurso concordar com a análise realizada pela sentença recorrida; 13 - De facto, esta testemunha mostrou ter uma visão seletiva dos factos, claramente, em favor do arguido AA. Contudo, o Tribunal a quo não fez uma análise cuidada do depoimento desta testemunha, pois, ela referiu alguns aspetos que pela sua importância decisiva para a determinação da veracidade das versões levadas a julgamento devem ser valorados; 14 - Assim, se atendermos ao teor das declarações prestadas por esta testemunha podemos concluir que, sem nenhum favor, ou esforço interpretativo, esta declara claramente que, viu o aqui Recorrente a pontapear o arguido AA, na parte da frente da perna deste arguido (claramente em contradição com o que foi referido por este); 15 - Na verdade, quando presta declarações, nomeadamente, aos 8m48s, refere o seguinte (…); 16 - Este excerto das declarações da testemunha embora tenha passado despercebido relata precisamente o alegado chuto, sendo, manifestamente mais uma forma fantasiosa de criação de um facto inexistente; 17 - Já o depoimento da testemunha DD, cuja decisão do Tribunal a quo, classifica de sereno, isento e objetivo, inteiramente merecedor da credibilidade do tribunal, refere um conjunto de factos que foram totalmente esquecidos na análise critica feita pelo Tribunal, nomeadamente, quando este refere o detalhe do alegado pontapé que o aqui recorrente deu ao arguido AA; 18 - É este detalhe que vai determinar a veracidade ou não dos factos relatados, sobretudo, quando conjugados com os outros depoimentos e a demais prova produzida; 19 - O aqui recorrente não compreende como o Tribunal a Quo não referiu todo o circunstancialismo referido (…).

    20 - Atentemos, de seguida, ás legitimas e compreensíveis dúvidas da Sra. Procuradora, nomeadamente, quando pergunta o seguinte (…); 21 - Note-se que, a Sra. Procuradora, tal como o recorrente e qualquer pessoa, entendeu que dificilmente a história narrada pela testemunha faria sentido, pois jamais o arguido, ou qualquer pessoa normal, seria agredido com um pontapé com umas botas de biqueira de aço e não apresentava qualquer mazela de relevo, nem se queixava de dores, nem caia ao chão, pura e simplesmente, nada.; 22 - Depois é de realçar o teor das palavras usadas pela testemunha durante o seu depoimento que, no nosso entender, de isento e credível, não tem nada. Desde logo, começa por tratar o arguido AA por AA e o aqui recorrente por SR. BB, denotando uma clara proximidade e amizade com o primeiro. Refere aos 5m e 10s do seu depoimento o seguinte (…); 23 - Esta frase denuncia, desde logo, a relação de amizade...

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