Acórdão nº 983/21.7PBAVR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA RAMOS
Data da Resolução16 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 983/21.7PBAVR-A.P1 Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO: Inconformado com o despacho proferido em 01/07/2022, em que, no que ora importa, se decidiu declarar extintas as medidas de coação aplicadas ao arguido AA de proibição de contactar, direta ou indiretamente, por qualquer meio, por si ou por interposta pessoa ou utilizando meios eletrónicos de comunicação com a ofendida e de proibição de permanecer e/ou de se aproximar da residência, nos termos das disposições conjugadas nos artigos 214º, 215º, nº 1, al. a) e nº 2, por referência ao artigo 1º, al. f), aplicável por força do artigo 218º, nº 2, todos do Código de Processo Penal, dele veio o Ministério Público interpor recurso da mesma nos termos constantes dos autos, aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição): 1. O arguido AA foi detido, constituído arguido nessa sequência e sujeito a 1° interrogatório judicial a 4-11-2021, aplicando-se, no final dessa diligência, em sintonia total com a promoção do Ministério Público, para o que aqui interessa, entre outras, a proibição de contactar, direta ou indiretamente, por qualquer meio, por si ou por interposta pessoa ou utilizando meios eletrónicos de comunicação com a ofendida e a proibição de permanecer e/ou de se aproximar do residência, estabelecendo-se o raio de exclusão mínimo que vier a ser estabelecido pela DGRSP, medidas fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distância em conformidade com o disposto no art.° 35.° da Lei 112 de 2009, prescindindo-se do consentimento do arguido e das vítimas por se entender que esta é a única forma de conceder às vítimas uma proteção efetiva.

  1. Por requerimento junto aos autos a 27 de junho de 2022, veio o arguido requerer a extinção das medidas de coação pelo decurso do prazo, sendo que o MP se opôs à declaração de extinção das medidas de coação de afastamento supra indicadas entendendo, em extrema síntese, que a Lei 112/2009, no seu artigo 35º, n.° 5 configurava lei especial, pelo que os prazos previstos para extinção de medidas de coação previstas no CPP não se aplicavam às medidas de coação de afastamento fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distância, remetendo esse artigo apenas para as regras previstas nos artigos 55.° a 57.° do Código Penal e nos artigos 212.° e 282.° do Código de Processo Penal.

  2. O Tribunal assim não considerou, entendendo que, quanto à matéria concreta da duração das medidas de coação aplicadas no âmbito dos crimes de violência doméstica, aplicar-se-ão as regras gerais estabelecidas no CPP, declarando extintas as medidas de coação aplicadas ao arguido de proibição de contactar a vítima e de proibição de permanecer e/ou de se aproximar da residência, considerando que a medida de coação de apresentação periódica se mantinha vigente.

  3. A questão colocada então neste recurso é simples: O artigo 35°, n.° 5 da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, ao estabelecer que “À revogação, alteração e extinção das medidas de afastamento fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distância aplicam-se as regras previstas nos artigos 55.° a 57.° do Código Penal e nos artigos 212.° e 282.° do Código de Processo Penal.” consagra ou não um regime especial de prazo de medida de coação e, nesse âmbito, estas medidas de coação estão sujeitas aos prazos previstos no 215° n.° 2 aplicáveis por força do artigo 218°, n.° 2 do CPP? 5. Conforme melhor se fundamenta nas alegações deste recurso, a interpretação da lei obedece a princípios legais – desde logo o artigo 9º do Código Civil - e o sistema jurídico terá de ter uma determinada coerência e unidade de sentido.

  4. A Lei 112/2009 de 16/09 tem como finalidade essencial, em resumo, consagrar os direitos das vítimas, assegurando a sua proteção célere e eficaz, sendo que, nos termos dos artigos 52° e 53° da Convenção de Istambul, as medidas de interdição urgentes adotadas nos termos do presente artigo deverão dar prioridade à segurança das vítimas ou das pessoas em risco e as medidas cautelares ou de proteção devem ser emitidas por um determinado período de tempo ou até serem alteradas ou revogadas, devendo estas normas servir de guião interpretativo.

  5. As medidas de coação urgentes previstas no artigo 31° da Lei 112/2009 configuram medidas especiais e adicionais que visam robustecer a proteção das vítimas, prevendo o n.° 5 do artigo 35.° dessa lei que “À revogação, alteração e extinção das medidas de afastamento fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distância aplicam--se as regras previstas nos artigos 55.° a 57.° do Código Penal e nos artigos 212.° e 282.° do Código de Processo Penal.”.

  6. Esta norma é especial e exclui a aplicação do n° 2 do artigo 218° do CPP às medidas de coação de afastamento em contexto da prática de crime de violência doméstica, pelo que, afastada a possibilidade de lhe ser aplicada o prazo de duração máxima da prisão preventiva, as medidas de coação de afastamento extinguem-se apenas nos casos previstos no artigo 214° do CPP, a não ser que sejam expressamente revogadas por despacho judicial e nas hipóteses previstas taxativamente no artigo 212° do CPP, tendo como limite máximo de duração os prazos e nas circunstâncias previstas do artigo 282° do CPP.

  7. A remissão do n.° 5 do artigo 35° da Lei 112/2009 para o artigo 282° do CPP, referente à suspensão provisória do processo que pode ir até aos 5 anos, significa que as medidas de coação de afastamento se poderão manter vigentes durante todo o período de suspensão provisória.

  8. Adotando o entendimento do despacho colocado em crise, nunca essas medidas de coação poderiam estender-se a inquéritos nos quais se aplicou a suspensão provisória do processo - o que cremos não fazer sentido – não se podendo confundir injunções dependentes da voluntariedade do arguido e a força legal de uma medida de coação judicialmente imposta.

  9. Caso o legislador entendesse que aquela medida de coação se extinguiria com a suspensão provisória tê-lo-ia dito expressamente - e não o refere em qualquer norma do CPP – sendo ainda certo que, se assim fosse, esvaziaria completamente de sentido prático a remissão expressa do artigo 35°, n.° 5 da Lei 112/2009 para o artigo 282° do CPP.

  10. Desconsiderar este plus de proteção a que nos temos vindo a referir significa admitir involuntariamente a incompreensão do fenómeno da violência doméstica e das melhores formas de, adequada e eficazmente, proteger as suas vítimas.

  11. O entendimento assumido pelo MP é aquele que permite dotar de eficácia e efeito útil os objetivos de proteção eficaz das vítimas de violência doméstica, configurando a Lei 112/2009 lei especial, que afasta intencionalmente o regime regra dos prazos de extinção das medidas de coação previstos no CPP.

  12. A proteção das vítimas não...

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