Acórdão nº 01480/17.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução28 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I. RELATÓRIO 1.

AA, residente na Rua ...

e o MINISTÉRIO da ADMINISTRAÇÃO INTERNA, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 07 de Setembro de 2020, que julgando parcialmente procedente a Acção Administrativa que o A./Recorrente AA, havia instaurado contra o ESTADO PORTUGUÊS e o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - na qual pedia o reconhecimento da sua categoria profissional condizente com os conteúdos funcionais que tem vindo a desempenhar desde 10/10/2013 e ainda a condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 15.467,68 acrescida de juros moratórios, bem ainda no pagamento de indemnização ilíquida, correspondente a todas as diferenças salariais devidas -, decidiu: "(i) Julgo procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Réu, ESTADO PORTUGUÊS e absolvo o mesmo da instância; (ii) Julgo procedente a exceção dilatória de intempestividade para a prática de ato processual, quanto aos diferenciais remuneratórios anteriores ao período de 20/03/2017; (iii) Condeno o Réu, MAI, a reconhecer que o Autor exerceu as funções de Adjunto do Comandante da Divisão Policial da ... Policial do Porto, do Comando Metropolitano do Porto da PSP, desde 10/10/2013 até 15/05/2019, as quais se integram no conteúdo funcional da categoria de Subintendente da carreira de oficial de polícia; (iv) Condeno o Réu, MAI, a pagar ao Autor, pelo exercício das funções exercidas entre 20/03/2017 e 15/09/2019, os diferenciais remuneratórios entre aqueles que efetivamente auferiu a título de retribuição na categoria de Comissário e o valor de retribuição mensal base ilíquida de € 2.282,81, relativo ao nível 36 da tabela remuneratória única a partir da data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 243/2015 e do suplemento das forças e serviços de segurança no valor mensal ilíquido de € 456,56, a título de enriquecimento sem causa, quantias a que acrescem juros de mora, desde a citação até efetivo e integral pagamento; e (v) Julgo improcedente a exceção perentória de prescrição".

* 2.

O A./Recorrente, AA, finalizou as suas alegações, com as seguintes conclusões: "1.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na parte em que absolveu da instância o Réu Estado Português, na parte em que julgou procedente a excepção de intempestividade para a prática de acto processual e, bem assim, na parte em que julgou parcialmente improcedente o pedido indemnizatório por si formulado.

  1. O Tribunal recorrido julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelo Réu Estado Português e, em consequência, absolveu-o da instância.

  2. Ora, por força do disposto 30.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, aplicável por remissão do art. 1.º do Cód. Proc. Tribunais Administrativos, a legitimidade é apreciada considerando a relação material controvertida, nos termos em que a mesma foi configurada pelo autor na petição inicial.

  3. Na petição inicial, o Autor invocou expressamente como causa de pedir, ainda que a título subsidiário, o instituto da responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas.

  4. Apesar das alterações introduzidas pelo legislador no art. 10.º do Cód. Proc. Tribunais Administrativos, o Estado Português continua a ser parte legítima nas acções destinadas a efectivação da responsabilidade extracontratual.

  5. Uma vez que, na petição inicial, o Autor invocou o regime da responsabilidade extracontratual, a título supletivo, o Réu Estado Português sempre teria interesse em contradizer e, nessa medida, sempre seria parte legítima.

  6. Entende, pois, o Recorrente que a douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 30.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, aplicável por remissão do art. 1.º do Cód. Proc. Tribunais Administrativos, e do art. 10.º, n.º 1 do Cód. Proc. Tribunais Administrativos.

  7. Deve, pois, ser revogada, nessa parte, e substituída por Douto Acórdão que julgue o Estado Português como parte legítima, condenando-o nos pedidos formulados pelo Autor.

  8. O primeiro dos pilares em que assentou a douta sentença recorrida foi o da consideração dos actos de processamento de vencimento como actos administrativos, com a consequente necessidade de impugnação dos mesmos no prazo de 3 (três) meses previsto nos arts. 58.º, n.º 1, al. b) do CPTA e 163.º, n.º 2 do CPA.

  9. Está plenamente consolidada jurisprudencialmente a definição dos casos em que um acto de processamento de vencimentos deixa de ser uma mera operação material mecanizada para passar a ser qualificada como um acto administrativo, com as consequências daí decorrentes.

  10. Para que tal suceda é necessário que: o acto em causa se traduza numa decisão voluntária e unilateral da Administração, e não numa pura omissão definidora de uma situação concreta, e que o acto tenha sido notificado nos termos do artigo 114.º do CPA.

  11. Em matéria de notificações, a lei procedimental administrativa faz depender das mesmas a produção de efeitos pelos actos constitutivos de deveres ou encargos (art. 160.º do CPA), ao passo que, relativamente aos elementos da notificação, exige no art. 114.º do CPA que da mesma constem “o texto integral do ato administrativo, incluindo a respetiva fundamentação, quando deva existir”, a identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do ato e a data deste e, por fim, a indicação do órgão competente para apreciar a impugnação administrativa do ato e o respetivo prazo, no caso de o ato estar sujeito a impugnação administrativa necessária.” 13.

    Da consagração de um tal regime legal resulta uma clara intenção do legislador de defender os direitos dos particulares, assegurando que quaisquer decisões que lhe imponham prejuízo ou restrinjam direitos sigam um iter procedimental destinado a permitir um escrutínio informado pelo administrado da actuação administrativa.

  12. Perscrutados os actos de processamento de vencimento em referência nos autos, facilmente se conclui que os mesmos não se revestem dos caracteres exigidos por aquelas disposições legais.

  13. A imposição do formalismo ao nível da notificação não é despicienda, antes se revelando um pilar fundamental de uma actuação administrativa transparente, leal e conforme às exigências de boa-fé previstas no art. 10.º do Cód. Proced. Administrativo.

  14. Não é exigível ao cidadão comum que tenha conhecimentos técnico-jurídicos especiais, designadamente, em matéria de impugnação de actos administrativos. Também não é exigível a um cidadão e, neste caso, ao Autor, o conhecimento de regras próprias do contencioso administrativo.

  15. Não é exigível a um oficial de policia (nem a qualquer cidadão) que, perante uma conduta da administração (em particular, num caso como o dos autos, em que não lhe é dada a conhecer qualquer decisão, mas unicamente disponibilizados recibos de vencimento em plataforma electrónica), tenha de saber especificamente qual o meio e prazos de reacção.

  16. Defender-se uma tal tese não é mais do que aderir a uma concepção anacrónica da actuação administrativa, não coadunável com um Estado de Direito digno desse nome, própria de uma administração pouco transparente, que se serve do erro ou do desconhecimento dos administrados para disso tirar partido.

  17. Fazendo o devido paralelismo com o sistema judicial, defender-se uma tese como a contida na douta sentença recorrida e no acórdão nela referido, relativamente à notificação de actos administrativos, equivaleria a dizer que seria lícito, por exemplo, aos Tribunais enviar uma carta de citação sem esclarecer inequivocamente as partes processuais do prazo para contestar a acção, da necessidade de constituir advogado ou de quaisquer outras informações essenciais ao exercício do direito de defesa – tudo em frontal oposição ao regular exercício do direito de defesa, num Estado de Direito.

  18. É precisamente o papel dos Tribunais e da jurisprudência constituir um farol, um ponto de luz na obscuridade, um elemento que contribui para a evolução do nosso Estado de Direito, através da defesa dos direitos dos cidadãos e da reacção contra condutas administrativas ilegais.

  19. No fundo, é também papel dos Tribunais disciplinar a administração pública, fazer face à natural resistência desta à mudança, impondo-lhe uma rigorosa observância do princípio da legalidade e contribuindo, desse modo, para a modernização e evolução do nosso Estado de Direito.

  20. É aceitar e assumir que é papel dos Tribunais levar a que a Administração, muitas vezes eivada de vícios na sua actuação, evolua e acolha as regras de conduta próprias de um hodierno Estado de Direito. É conferir aos Tribunais a sua verdadeira essência e dimensão: a de principal elemento de defesa do Estado de Direito.

  21. Num tal quadro, impor à Administração a observância das regras de notificação previstas no art. 114.º do Cód. Proced. Administrativo mais não é do que contribuir para que que os particulares não deixem de exercer os seus direitos por simples desconhecimento, evitando que a Administração se sirva do mesmo para obter ganhos económicos, em prejuízo daqueles – a antítese do dever de boa-fé previsto no art. 10.º do Cód. Proced. Administrativo.

  22. Voltando à jurisprudência acima citada e, mais do que isso, à disposição do art. 114.º do CPA, para que os actos de processamento de vencimento em apreço pudessem ser considerados como actos administrativos, os mesmos sempre teriam de ser notificados nos termos previstos no art. 114.º do CPA e no art. 68.º do antigo CPA – o que confessamente não aconteceu.

  23. Ao julgar procedente a excepção de intempestividade da prática de acto processual, a douta decisão recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 10.º, n.º 1 e 2, 114.º, n.º 1, als. b) e c), e n.º 2 e 148.º do Cód. Proced. Administrativo, 58.º, n.º 1 do 32 Cód. Proc. Tribunais Administrativos e 576.º, n.º 1 e 3 do Cód. Proc. Civil, aplicável por remissão do art. 1.º do...

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