Acórdão nº 00351/22.3BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução28 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: AA, veio interpor o RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 26.07.2022, pela qual foi julgado (totalmente) improcedente o processo cautelar que deduziu contra a Universidade do Porto para a suspensão da eficácia do acto do seu Reitor, de 22.03.2022, de aplicação da pena disciplinar de despedimento.

Invocou para tanto, em síntese, que: a decisão recorrida é nula, nos termos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, uma vez que não deu por provado um só facto que tenha sido praticado pelo arguido (e em que data os terá praticado), o que era absolutamente essencial para que pudesse concluir pela não comprovação do fumus boni iuris; em todo o caso, a decisão recorrida errou ao considerar não verificado este requisito quando, ao invés, deveria ter julgado verificados todos os requisitos a que alude o artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo.

A Universidade do Porto contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público não emitiu parecer.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1.ª O presente recurso jurisdicional foi interposto contra a sentença cautelar proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 26 de Julho p.p., que julgou improcedente a providência cautelar de suspensão da eficácia do despacho punitivo por, alegadamente, o requerente não ter logrado demonstrar sumariamente o fumus boni iuris.

2ª Consequentemente, o presente recurso é, deste modo, restrito ao segmento decisório que considerou não verificado o fumus boni iuris, uma vez que relativamente à comprovação do periculum in mora a sentença em recurso não merece qualquer reparo e nem sequer é objecto de recurso.

3º Salvo o devido respeito, ao não decretar a providência cautelar por não comprovação da aparência do bom direito, o tribunal a quo incorreu em flagrante erro de julgamento, cometendo uma sucessiva série de erros jurídicos, dificilmente compreensíveis por parte de quem tem a obrigação de não ignorar a natureza instrumental da tutela cautelar e, sobretudo, de respeitar e fazer respeitar o princípio constitucional da presunção da inocência.

Na verdade, 4ª O aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do art.º 615º do CPC, uma vez que não deu por provado um só facto que tenha sido praticado pelo arguido (e em que data os terá praticado), o que era absolutamente essencial para que pudesse concluir pela não comprovação do fumus boni iuris, uma vez que sem dar por provados os concretos factos praticados pelo arguido não poderia o Tribunal a quo afastar a presunção de inocência de que este beneficiava nem considerar que quem se presumia inocente não lograra demonstrar a aparência da sua inocência e o erro nos pressupostos em que incorrera o acto punitivo.

5ª Ora, o aresto em recurso apenas deu por provado (tendo transcrito) o texto da acusação, não tendo em parte alguma dado por provado que efectivamente o arguido proferira qualquer afirmação perante os seus alunos, pelo que o aresto em recurso não especificou o ou os factos que eram essenciais para poder afastar a presunção de inocência de que aquele beneficiava e para poder concluir que o vício de violação da lei por erro nos pressupostos não se verificava.

Acresce que, 6.ª O aresto em recurso atentou contra a natureza instrumental, perfunctória e provisória da tutela cautelar, pois se na apreciação de alguns vícios tudo decidiu e nada deixou para o juiz da acção principal decidir, já noutro vício – o da violação de lei por erro nos pressupostos – se demitiu completamente da sua função de juiz cautelar e nem sequer quis saber se os factos que fundamentavam tal vício tinham ou não verosimilhança ou uma probabilidade séria de serem verdadeiros.

Para além disso, 7ª O aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento ao considerar não demonstrado sumariamente o fumus boni iuris, desde logo porque se não especificou como provado um só comportamento que tenha sido praticado pelo requerente - designadamente que afirmações proferiu na sala de aula e quando as proferiu-, muito naturalmente que não poderia deixar de considerar verificada a aparência do bom direito, uma vez que, presumindo-se o Requerente inocente e não tendo sido dado por provada a ocorrência dos factos pelos quais foi acusado e punido pela entidade demandada, não havia qualquer facto que legitimasse o afastamento da presunção de inocência e que permitisse considerar que a factologia constante da acusação era verdadeira e que, portanto, não era provável a procedência do vício de violação d elei por erro nos pressupostos.

Por outro lado, 8º O aresto em recurso incorreu em manifesto erro de julgamento e em clara violação do princípio da igualdade das partes e do direito à tutela judicial efectiva ao considerar que o requerente não lograra demonstrar a probabilidade da procedência do vício de violação de lei por erro nos pressupostos, uma vez que só atendeu à factologia constante do processo instrutor e nem sequer permitiu que fosse realizada a prova que o Requerente arrolara para comprovar a sua inocência e a probabilidade de procedência de tal vício, o que é inadmissível num estado de direito, conforme ainda recentemente deixou bem claro este douto Tribunal Central Administrativo em Acórdão de 15 de Julho de 2022.

9ª Com efeito, um dos vícios imputados e que fundamentavam a aparência do bom direito era o vício de violação de lei por erro nos pressupostos, tendo o requerente alegado factos contrários àqueles pelos quais fora acusado e punido e requerido a produção de prova testemunhal para comprovar a ocorrência de tal vício, pelo que o Tribunal a quo não se poderia demitir da sua função e dar por verdadeiros os factos alegados pela Administração sem antes permitir ao requerente provar a veracidade dos factos que alegara para sustentar a procedência do vício de violação de lei por erro nos pressupostos.

10ª Neste mesmo sentido, ainda recentemente este TCANORTE deixou bem claro que “… se cabe ao interessado o ónus da prova dos factos que alega, não lhe pode ser recusada a possibilidade de os provar sob pena de coartar “o direito à prova” dos seus apresentantes. De facto este direito à prova postula a ideia as partes têm o direito (i), por via de ação e da defesa, de utilizarem a prova em seu beneficio e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal, de (ii) contradizer as provas apresentada pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como (iii) o direito à contraprova” (v. Ac.º TCA Norte, de 15 de Julho de 2022, Proc. n.º 653/21.6BEAVR).

11ª Refira-se, aliás, que também relativamente à nulidade do procedimento disciplinar por violação do art.º 208º da LTFP, o tribunal a quo não permitiu ao requerente ouvir as testemunhas que poderiam comprovar que existiam professores com formação jurídica que podiam ser instrutores e depois concluiu que o requerente não lograra provar que havia tais outros professores, devendo-se perguntar como é que o Requerente poderia comprovar a veracidade do que afirmara e a aparência da procedência do vício se o Tribunal a quo nem sequer quis ouvir a sua prova? 12ª Consequentemente, é manifesta o erro de julgamento em que incorreu o aresto em recurso ao considerar que o requerente não lograra demonstrar a probabilidade da procedência do vício de violação de lei por erro nos pressupostos, podendo-se dizer que com a tese sufragada pelo Tribunal a quo não há tutela cautelar que seja decretada nem igualdade de partes ou tutela judicial efectiva que seja assegurada.

13ª O aresto em recurso incorreu igualmente em erro de julgamento ao considerar que o requerente não lograra demonstrar sumariamente que o procedimento disciplinar enfermava de nulidade insuprível por falta de descrição das circunstâncias de modo em que a infracção teria sido cometida, uma vez que não só o próprio Tribunal a quo reconhece que “nem todos os comentários foram textualmente reproduzidos…” e que em alguns até se fala apenas em “…não assumir uma postura dinâmica…” – o quer por si só é suficiente para sumariamente se considerar demonstrado o fumus boni iuris, seja por da acusação terem de constar textualmente as afirmações imputadas ai arguido, seja por uma postura dinâmica ser uma conclusão que tem de ser alicerçada em factos -, como uma simples leitra da acusação permitir ainda verificar que as circunstâncias de tempo são diluídas por dois longos anos – sem ao menos se referir o mês ou semana em que o arguido terá praticado os factos - e que a maioria das acusações imputadas ao arguido se baseavam em muitas outras conclusões desprovidas de qualquer facto que as alicerce ou comprove.

14ª O aresto em recurso incorreu ainda em erro de julgamento ao considerar que o direito de instaurar o procedimento disciplinar ainda não estava prescrito, uma vez que não só não compete ao juiz cautelar decidir se a infracção é espontânea ou continuada – e nem a acusação sequer considerou que a infracção era de natureza continuada - como, em qualquer dos casos, não sabendo o Tribunal a quo em que data cada afirmação imputada ao arguido teria sido proferida e competindo a quem acusa comprovar as circunstâncias de tempo, muito naturalmente que por força da presunção de inocência de que beneficia o arguido teria o Tribunal a quo de admitir como sendo provável que o procedimento disciplinar já estivesse caduco em 28 de Fevereiro de 2021 e, como tal, dar por sumariamente verificado o fumus boni iuris.

Para além disso, 15ª O aresto em recurso incorreu ainda em erro de julgamento ao considerar que não era provável que o vício de caducidade do direito de aplicar a pena fosse procedente, uma vez que não só não compete ao juiz...

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