Acórdão nº 00008/12.3BCPRT-B de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Outubro de 2022
Magistrado Responsável | Rog |
Data da Resolução | 28 de Outubro de 2022 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: D..., S.A.
veio interpor RECURSO EXCEPCIONAL DE REVISÃO do acórdão deste Tribunal de 23.05.2019 (segundo o esclarecimento prestado na resposta às excepções), que julgou improcedentes que o recurso principal interposto pela ora Recorrente quer o recurso subordinado interposto pela APDL – Administração dos Portos do A..., S. A. da decisão do Tribunal Arbitral, de 07.03.2012, pela qual: a) foi julgada a presente acção em parte procedente e provada e em parte improcedente e não provada e, consequentemente b) foi condenada a entidade demandada D..., S.A. a reconhecer que o contrato administrativo de concessão de uso privativo, que celebrou com a APDL – Administração dos Portos do A..., S. A. e a que se reportam os pontos nºs 1 a 8 do nº 2 da decisão arbitral, que constitui a causa de pedir na acção, se manteve plenamente válido e eficaz na ordem jurídica desde a data da respetiva celebração – 3 de Março de 2000; c) foi condenada a Demandada, D..., S.A., a pagar à Demandante APDL o montante de 3.113.742,21 € a título de acordadas taxas de utilização do domínio público vencidas desde 01.02.2002 até à data da propositura da acção em 23.06. 2009; d) foi absolvida a entidade demandada D..., S.A. do pedido na parte em que a demandante APDL dela reclama o pagamento dos juros moratórios convencionados que (em abstracto) se teriam vencido até à data da notificação da decisão arbitral.
* Invocou para tanto, em síntese, que: os tribunais que apreciaram a questão da sucessão legislativa que determinava a extinção ou não do contrato de concessão existente entre a APDL e a D..., S.A. não apreciaram se esta mesma sucessão seria inconstitucional ou não; a falta de apreciação da questão da (in)constitucionalidade da sucessão legislativa inerente ao contrato de concessão viola, de forma gritante, os direitos constitucionalmente protegidos de certeza e segurança jurídica, assim como o princípio basilar da expectativa jurídica formada na esfera jurídica do destinatário; o Estado é responsável por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, uma vez que a questão da (in)constitucionalidade da sucessão legislativa aqui em causa nunca foi analisada por qualquer dos tribunais nos quais a mesma foi levantada.
Danos que especifica nas conclusões XLV a LIII e que totalizam 7.985.816€57 (sete milhões, novecentos e oitenta e cinco mil, oitocentos e dezasseis euros e cinquenta e sete cêntimos).
* O Estado Português, devidamente representado pelo Ministério Público, veio contestar o recurso de revisão invocando: a ineptidão da petição inicial por falta de indicação da decisão a rever e do pedido; a incompetência deste Tribunal para apreciar o recurso; a inadmissibilidade do recurso, por impossibilidade legal do seu conhecimento e não verificação dos pressupostos de procedência do mesmo.
Pediu ainda a condenação por litigância de má-fé da Recorrente.
* A APDL – Administração dos Portos do A..., S. A.
apresentou resposta em que invocou também a matéria de excepção e de inadmissibilidade do recurso suscitada pelo Estado Português, tal como deduziu pedido de condenação da Recorrente como litigante de má-fé.
A Recorrente veio responder à matéria de excepção pugnando pela respectiva improcedência assim como pela improcedência do pedido de condenação por litigância de má-fé.
* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso: I. Em 15.05.2000, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000 aprovou o Programa Polis, de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades.
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Na sequência dessa Resolução, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho, que estabeleceu a localização e delimitação das zonas de intervenção da área de intervenção em ..., verificando-se que, entre estas, se contava o espaço que tinha sido dado em concessão pela APDL à D..., S.A..
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Em 27.01.2001, o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e a Câmara Municipal de Vila Nova de Caia aprovaram o Plano Estratégico de ..., que identifica um conjunto de ações a desenvolver no âmbito do Programa Polis - Programa de Requalificação Urbana e de Valorização Ambiental das Cidades, criado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000, de 15 de Maio.
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A 27 de Dezembro de 2000 foi publicado o Decreto-Lei n.º 330/2000 que veio determinar a extinção “de todas as concessões de obras públicas, de serviço público e de exploração de bens dominiais, bem como todos os direitos de uso privativo”, que, até à data da sua entrada em vigor, tivessem sido “constituídos sobre bens imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto- Lei n.° 119/2000, de 4 de Julho, e que respeitem ao domínio público marítimo e ao domínio público hídrico”, e que, por conseguinte, caducariam todos os contratos de concessão que haviam sido celebrados tendo como objeto as zonas que iriam ser sujeitas a intervenção.
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Assim, no que especificamente diz respeito ao contrato de concessão - na versão decorrente do contrato adicional de 17 de Janeiro de 2001 - que, na data da entrada em vigor do Decreto-Lei n° 70/2001, de 24 de Fevereiro, vinculava a APDL e a D..., S.A., as consequências que resultaram dos três diplomas legais que acabam de ser mencionados foram, a caducidade do contrato de concessão outorgado com a APDL, por direta determinação da lei, que procedeu à extinção da concessão; a colocação da D..., S.A. em situação de ocupação sine título de um espaço que, por seu turno, foi transferido, por direto efeito da lei, do domínio público do Estado para a esfera de propriedade da G..., S.A.; a extinção do dever de a D..., S.A. pagar rendas à APDL, dever que se lhe impunha no âmbito da relação de concessão, mas que cessou com a caducidade do contrato de concessão e respetivo contrato adicional; a constituição da D..., S.A. e da APDL no direito de serem indemnizadas pela G..., S.A. pelo facto da extinção da concessão.
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Em 30.11.2007, foi publicado o Decreto-Lei n.º 388/2007, que veio efetuar uma nova delimitação das zonas objeto de intervenção por parte da G..., S.A. (empresa responsável pela intervenção urbanística na zona de ..., instituída pelo Decreto-Lei n.º 70/2001, de 24 de Fevereiro), sendo que o artigo único do Decreto-Lei n.º 388/2007 não contém, no que diz respeito às áreas abrangidas pelo programa de reabilitação, a área que havia sido objeto do contrato de concessão celebrado entre D..., S.A. e a APDL.
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Segundo reza o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 338/2007, de 30 de Novembro, embora a delimitação da área de intervenção no âmbito do Programa Polis na cidade de ... tenha integrado inicialmente a zona da faixa ribeirinha compreendida entre a ... e o extremo jusante do «Cais de ...», o “conhecimento mais rigoroso de toda a área de intervenção” conduziu a que não se contemplassem “quaisquer ações na referida faixa ribeirinha, em virtude da mesma já ter sido objeto de requalificação anterior, mostrando-se assim preenchidos os objetivos de requalificação urbana e valorização ambiental do Programa Polis”.
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Nestas condições, o diploma em referência assume a necessidade de “proceder às devidas correções de forma a subtrair a referida área da zona de intervenção, através da alteração da planta de delimitação da zona reservada à intervenção do Programa Polis na cidade de ..., publicada em anexo ao citado Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho”, para o que determina a substituição da referida planta por outra, que não contempla o espaço a que se reporta a concessão em referência na presente Consulta.
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Apreciar do alcance da modificação que o Decreto-Lei n° 388/2007 veio introduzir na planta aprovada pelo Decreto-Lei n° 119/2000 é apurar se, após a entrada em vigor da referida modificação, se deve continuar a entender que se produziram e se mantêm os efeitos que o Decreto-Lei n.º 330/2000 associou ao facto de, na versão primitiva da planta aprovada em 2000, o espaço correspondente à concessão da APDL à D..., S.A. ter sido integrado na área de intervenção do Programa Polis na cidade de ... e, por via disso, transferido para a titularidade da sociedade gestora do Programa Polis, a G..., S.A..
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Contudo, o Decreto-Lei n° 330/2000, e em concreto o art.º 1.º é um normativo legal que, por razões de ordem pública, determina o sacrifício de situações contratualmente constituídas no âmbito de concessões anteriormente outorgadas, em favor de entidades - as sociedades gestoras do Programa Polis - que investe em situações jurídicas patrimoniais incompatíveis com aquelas situações contratuais.
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Na economia do Decreto-Lei n° 330/2000, a caducidade das concessões e dos direitos de uso privativo pré-existentes parece desempenhar uma função instrumental, dirigida a viabilizar a apropriação dos espaços sobre os quais tais situações jurídicas recaíssem pelas sociedades gestoras do Programa Polis.
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Em bom rigor, da desafetação do domínio público dos bens imóveis que integram aqueles espaços e sua transferência para a esfera patrimonial das referidas sociedades gestoras sempre teria necessariamente de resultar, como consequência inevitável, a extinção daquelas situações jurídicas, cuja manutenção seria incompatível com a alteração do estatuto dominial dos bens em causa e respetiva transferência de titularidade.
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Na sequência da sucessão legislativa supra referida, e tendo em conta a divergência de entendimentos entre as partes, a APDL instaurou contra a D..., S.A. uma ação arbitral, que culminou no Acórdão datado de 07/03/2012, pelo qual “a) foi julgada a presente ação em parte procedente e provada e em parte improcedente e não provada e, consequentemente b) foi condenada a entidade demandada D..., S.A. a reconhecer que o contrato administrativo de concessão de uso privativo, que celebrou com a APDL – Administração dos Portos do A..., S. A. e a que se reportam os...
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