Acórdão nº 757/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 757/2022

Processo n.º 315/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. e B. intentaram contra o C., S.A., procedimento cautelar de restituição provisória da posse. Por decisão datada de 29 de outubro de 2020, entendeu o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (Juízo Central Cível de Loures – Juiz 6), decretar o aludido procedimento cautelar (fls. 50-56). Todavia, por decisão proferida em 21 de março de 2021, revogou-se a providência anteriormente decretada (fls. 376-381).

Inconformados, os recorrentes interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 382-462) que, por acórdão de 13 de julho de 2021, foi julgado improcedente (fls. 491-499). Nesta sequência, apresentaram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, arguindo nulidades (fls. 505-549), e submeteram um primeiro requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 550-570), ambos em 26 de julho de 2021.

2. Por despacho datado de 18 de agosto de 2021, não se admitiu a revista e determinou-se, quanto ao requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a apresentação dos «autos à Exma. Senhora Desembargadora relatora, tendo presente o estatuído no art. 70º, n.º 2 da Lei nº 28/82, de 15 de novembro» (fls. 602). Neste ponto, reclamaram os recorrentes da decisão de não admissão do recurso, nos termos do artigo 643.º do Código de Processo Civil.

Nessa sequência, por despacho datado de 28 de setembro de 2021, considerou a Exma. Senhora Desembargadora que «o requerimento simultâneo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional será apreciado após decisão da reclamação pelo Supremo Tribunal de Justiça da decisão de não admissão do recurso de revista, tendo em conta o fundamento e o princípio do esgotamento dos recursos ordinários, nos termos do disposto no artigo 70, nº 1, alínea b), nºs 2, 3 e 4 da Lei do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro» (fls. 669). Mais entendeu que o conhecimento das nulidades arguidas face ao mesmo acórdão seria ponderado na mesma altura.

3. Tramitada a referida reclamação, proferiu o Supremo Tribunal de Justiça, em 17 de novembro de 2021, acórdão de conferência, mantendo «a decisão de não admissão do recurso de Revista interposto, nos termos do artigo 643º, nº4 do CPCivil» (reproduzido a fls. 673-678). Em 29 de novembro de 2021, os recorrentes submeteram novo recurso de constitucionalidade, assinalando que «a fim de não perderem a possibilidade de recorrer, os Recorrentes apresentam, novamente, o recu[r]so para o Tribunal Constitucional, que salvo a presente questão prévia, tem exatamente o mesmo conteúdo que o que se encontra junto aos autos» (fls. 680). Este recurso foi admitido por despacho de 29 de dezembro de 2021 (fls. 709).

4. Achando-se pendente o conhecimento das nulidades anteriormente arguidas e referidas em 2., supra, foi proferido acórdão a este respeito, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de janeiro de 2022. Nesse aresto, julgou-se «improcedente a arguição de nulidade e, em consequência, mant[eve-se] o conteúdo e sentido do acórdão» (fls. 803-805 verso). Notificados desta decisão, interpuseram os recorrentes novo recurso de constitucionalidade (fls. 811-842), admitido por despacho datado de 10 de fevereiro de 2022 (fls. 850).

5. Junto deste Tribunal Constitucional e pela decisão sumária n.º 516/2022, decidiu-se não conhecer do mérito dos três recursos de fiscalização concreta, interpostos em 26 de julho de 2021, 29 de novembro de 2021 (quanto a estes, ambos sobre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de julho de 2021) e 24 de janeiro de 2022 (este último, sobre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de janeiro de 2022), em todos os casos com fundamento em inutilidade da instância de recurso.

Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

recordemos que, nos termos relatados, os recorrentes se referem à alínea e) do artigo 70.º, n.º 1 da LTC a propósito do enquadramento da pretensão ora manifestada. Todavia, de acordo com o mencionado preceito, cabe recurso para este Tribunal Constitucional, das decisões dos tribunais «que recusem a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania, com fundamento na sua ilegalidade por violação do Estatuto de uma Região Autónoma». Ora, no caso dos autos não está em causa – nem os recorrentes o alegam ou demonstram – a recusa de aplicação de qualquer norma, muito menos com fundamento na sua ilegalidade por violação do Estatuto de uma Região Autónoma. Isto dito, não se compreende a alusão a tal dispositivo, que não apresenta qualquer pertinência in casu. Por esse motivo, revela-se inadmissível o recurso interposto nestes termos, com tais fundamentos.

Diferentemente, nos casos das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, trata-se de recursos de decisões «que apliquem norma». Equivale isto a afirmar que constitui requisito de admissibilidade de tais recursos, conforme anteriormente descrito, que as decisões sindicadas tenham amparado o correspondente sentido decisório na concreta norma sindicada pelo recorrente no recurso de fiscalização concreta.

Na hipótese em análise, as decisões ora recorridas correspondem aos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, datados de 13 de julho de 2021 e 11 de janeiro de 2022 que, respetivamente, julgaram improcedente o recurso de apelação deduzido face à decisão de primeira instância e as nulidades imputadas ao aresto de 13 de julho de 2021 (cfr. fls. 491-499; 803-805 verso).

Ora, perscrutado o teor das mencionadas decisões, constata-se, a final, que em momento algum o tribunal recorrido procedeu à aplicação das normas identificadas como suporte legal do enunciado interpretativo delimitado junto deste Tribunal Constitucional. Isto é, ambas as decisões sindicadas consistem em arestos de apreciação de vícios invocados pelos recorrentes, e não a decisões de mérito acerca da problemática subjacente ao decretamento do procedimento cautelar de restituição provisória da posse. Por outras palavras, diremos que, atentos os poderes de cognição do tribunal a quo, nas decisões em causa, não se questionava a aplicação nem do «Artigo 34° da Lei 107/2001» nem do «Decreto 2/96 de 6 de Março», pelo que não se poderá considerar verificado o requisito relativo à exigência de correspondência entre a ratio decidendi das decisões recorridas, e as questões de constitucionalidade delimitadas pelos recorrentes nos requerimentos de interposição de recurso constantes dos autos.

Prova disso é o facto de, na decisão de 13 de julho de 2021, o tribunal recorrido ter delimitado o tema decisório nos seguintes termos (fls. 495 verso):

«Sob estas coordenadas e atento o consignado no ponto prévio, o tema decisório resume-se a apreciar e decidir:

· se a decisão enferma de nulidade por omissão de pronúncia quanto às questões suscitadas pelos apelantes na pronúncia prévia, e por não especificar os fundamentos de facto e de direito que determinaram a revogação da restituição provisória da posse do imóvel;

· se face à matéria de facto indiciariamente provada, que levou à decisão inicial de decretamento da providência, deve a sentença recorrida ser anulada e prosseguir a instância com a inquirição das testemunhas do Recorrido».

Do mesmo modo, no aresto datado de 11 de janeiro de 2022, considerou o Tribunal da Relação de Lisboa que «importa então a apreciar se, este tribunal omitiu pronúncia sobre a matéria invocada pelos recorrentes» (fls. 804).

Para o que ora releva, destaca-se que nenhuma das decisões amparou o sentido veiculado na aplicação dos preceitos delimitados pelos recorrentes, tratando-se na verdade de pronúncias incidentes sobre o único aresto que poderia, no limite, ter aplicado as normas em causa – a decisão de primeira instância que revogou a providência anteriormente decretada.

9. Conforme sabemos, o pressuposto atinente à aplicação da norma ou dimensão normativa que configura objeto do recurso como ratio decidendi da decisão recorrida constitui decorrência da função instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade, que tem sido considerada pela jurisprudência deste Tribunal, de modo uniforme e reiterado, como um dos pressupostos de admissibilidade dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cujo sentido se traduz na possibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica adotada no tribunal a quo. Tal possibilidade efetiva-se quando a decisão sobre a questão de constitucionalidade é suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, despoletando necessariamente uma reponderação da resolução do caso pela instância a quo, o que apenas sucederá quando a norma delimitada como objeto do recurso constitua o fundamento jurídico determinante da solução dada ao pleito pela instância recorrida.

No caso dos autos, e como se comprovou, qualquer pronúncia deste Tribunal Constitucional relativamente ao objeto delimitado pela recorrente se revelará insuscetível de inverter as decisões aqui recorridas.

10. Resta concluir, em face de todo o exposto, pela existência de vícios da instância de recurso constituída por falta de verificação de pressupostos processuais típicos e próprios do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obstam à apreciação de mérito do recurso quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas (cfr. artigos 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República, artigos 6.º, 70.º, n.º 1, alíneas b), e) e f), 71.º, n.º 1 e 79.º-C, todos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT