Acórdão nº 744/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução04 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 744/2022

Processo n.º 943/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), A. veio apresentar reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante designada por LTC), do despacho proferido por aquele tribunal que, em 12 de setembro de 2022, não admitiu o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto.

2. No processo a quo, o aqui reclamante interpôs recurso para o TRL do acórdão do Juízo Central Criminal de Cascais (Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa), prolatado em processo comum coletivo e proferido em 6 de maio de 2021, que o condenou pela prática, como cúmplice, na forma consumada, de um crime de falsidade informativa, previsto e punido no artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, da Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, e no artigo 27.º do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. Por acórdão de 28 de junho de 2022, o TRL julgou improcedente o recurso e manteve a condenação do ora recorrente (fls. 13-100).

Inconformado, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 103-118), ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, embora sem nunca o invocar explicitamente, nem delimitar a dimensão normativa que pretenderia ver apreciada.

Argumentou, em síntese, o seguinte:

«a) O Recorrente estava a tentar arrendar parte de sua casa, momento em que o Sr. B., se demonstrou interessado. Ambos não se conheciam anteriormente, sendo essa a circunstância que os levou a se conhecerem;

b) De outro vértice, o Sr. B. demonstrava não ter condições para pagar o arrendamento, pelo que, o Recorrente não o admitiu como inquilino;

c) Por derradeiro, o Sr. B. trabalhava em um restaurante que ficava no caminho da residência do Recorrente;

d) Considerando o trajeto diário do Recorrente e do Sr. B., ambos passaram a se cumprimentar quando estavam a se deslocar, o primeiro para sua casa, e o segundo, para seu trabalho;

e) Posteriormente, o Sr. B. passou a se aproximar do Recorrente e relatar a sua vida e problemas pessoais, nomeadamente, financeiros e começou a lhe pedir valores monetários à título de empréstimo:

f) Assim sendo, o Sr. B. pediu o cartão do banco C., cuja conta o Recorrente é o titular, sob o argumento de que precisava enviar dinheiro a amigo no Brasil, a fim de que este venha à Portugal e conseguir um emprego:

g) O Recorrente começou a inquirir o Sr. B. no sentido de obter mais informações acerca da pessoa que o valor seria enviado e, principalmente, alertando-o de que não poderia clonar o cartão, tampouco, realizar alguma movimentação ilícita;

h) O Sr. B. concordou e o Recorrente na boa-fé lhe emprestou o cartão com o único escopo de tentar ajudá-lo e não para recebe alguma compensação, seja pecuniária ou não;

i) No entanto, o Recorrente não tinha conhecimento e nem tinha condições de o saber que o Sr. B., desfrutou do seu cartão para fins ilegais;

j) Tanto é que após o empréstimo, o saldo da conta do Recorrentes e manteve intacto, onde o mesmo passou a confiar no Sr. B., porém, sem ter a convicção de que estava a ser vítima deste, no que concerne a utilizar os seus dados para finalidades não convencionais;

k) O Recorrente disponibilizou a sua conta bancária ao Sr. B. sem ter conhecimento de que este iria utilizá-lo para práticas delituosas, bem como, foi à título gratuito:

I) O Recorrente nunca aceitou nenhum valor pecuniário para empréstimo da sua conta bancária ao Sr. B.:

m) O Sr. B. alegava constantemente ao Recorrente ter problemas financeiros, não conseguir pagar as rendas e etc;

n) Desta feita, o Sr. B. disse que ficou desempregado e com inúmeras dificuldades económicas, inclusivamente, para manter as suas necessidades básicas e, portanto, pedia dinheiro emprestado ao Recorrente, pelo que, este lhe emprestava;

o) O Sr. B. pagava os empréstimos ofertados pelo Recorrente, consoante a sua condição financeira - ao menos, que aquele alegava passar -, e o valor de 400,00 (quatrocentos euros) que aparece neste processo é fruto dos pagamentos relativos aos empréstimos;

p) Portanto, o único e irrisório valor que não justifica a prática de crimes financeiros por parte do Recorrente é este de 400.00 (quatrocentos euros), que por sua vez, não é para efeitos do uso de sua conta pelo Sr. B., mas sim, parte dos valores à título de pagamento pelos empréstimos monetários que eram pagos de modo faseado, conforme a possibilidade deste:

q) O Recorrente desconhecia totalmente que o Sr. B. tinha conhecimentos informáticos e muito menos que tais conhecimentos seriam capazes de realizar fraudes informáticas;

r) Com efeito, o Sr. B. ao utilizar a esses conhecimentos informáticos conseguiu transferir 5.000.00 (cinco mil euros) da conta do "D., Lda.", para a conta do Recorrente, sem que este se apercebesse, especialmente pelo facto de que, quando o Sr. B. mostrava o saldo bancário, o mesmo estava inalterado;

s) O Recorrente em momento algum esteve presente em alguma casa de câmbio em conjunto com o Sr. B.,

t) Todavia, reiteramos o facto de que o Recorrente não tinha conhecimento de que essas transações do Sr. B. eram ilegais;

u) O Recorrente não fez nenhuma transferência, tanto é que conforme às fls.701 e 598, consta que não há nenhuma transferência em nome do Recorrente, através de casas de câmbio:

v) Face à referida transação em que o Sr. B. realizou indevidamente por intermédio da conta bancária do Recorrente - sem o seu conhecimento -, o banco bloqueou a conta;

w) Após o bloqueio da conta, o Recorrente deslocou-se ao banco, a fim de obter informações e desvendar a razão pela qual o banco tomou tal providência;

x) Por derradeiro, o Recorrente foi informado que a razão do bloqueio foi a ilícita transferência dos 5.000,00 (cinco mil euros) da conta da empresa "D., Lda." para a sua conta;

y) Foi neste exato momento em que o Recorrente descobriu que estava a ser vítima dos crimes em questão e cessou o vínculo de confiança com o Sr. B., que era motivado pela sua solidariedade e em prol de ajudá-lo em sua alegada escassez económica;

z) Perplexo com essa situação fáctica e com o condão primordial de esclarecer a verdade real e, consequentemente, punir o culpado por essas práticas ilícitas, após descobrir que a sua conta estava a ser usada para fins escusos, o Recorrente foi até a autoridade policial denunciar os factos, consoante vislumbramos no AUTO (fls.73);

aa)0 Recorrente foi vítima da prática de "phishing" e de acordo com os relatórios policiais acostados aos autos, é comum as vítimas denunciarem os factos criminosos após terem conhecimento de sua qualidade de ofendido;

bb) E foi exatamente o que aconteceu em relação ao Recorrente, após ter o conhecimento de que a sua conta estava a ser utilizada indevidamente, foi até a autoridade policial denunciar o facto;

cc) Inclusivamente foi esta denuncia apresentada pelo Recorrente que auxiliou a investigação na descoberta dos factos e na identificação de determinados arguidos, bem como, na respetiva produção de prova;

dd) Afinal, seria totalmente ilógico alguém cometer algum crime - se tivesse conhecimento de que estaria a fazê-lo -, e após a sua consumação, prontamente denunciá-lo;

ee) De acordo com o que foi explorado, absolutamente nenhum dos demais arguidos reconhece o Recorrente como participante dos crimes em questão, bem como, com fundamento no teor dos seus depoimentos é notório que o modus operandi que foi utilizado para os enganar é muito similar - para não dizer o mesmo -, aplicado ao Recorrente;

ff) Ou seja, à luz dos elementos probatórios constantes, nomeadamente, da prova testemunhal, o Sr. B. criou uma relação de confiança com algum dos arguidos e depois solicitava favores, em especial, pedir para usar a conta bancária por não estar com o documento válido, pedir dinheiro emprestado por estar em dificuldades económicas e, por isso, precisar da conta para transferir valores - caso do Recorrente - e etc;

gg) O Ministério Público, data maxima vénia, não logrou êxito em provar que o Recorrente estava a agir em comunhão de esforços com os demais arguidos, em especial, o Sr. B.;

hh) E, ainda, o referido órgão ministerial não conseguiu provar de maneira cabal que os 400,00 (quatrocentos euros) que o Recorrente recebeu do Sr. B. foi uma...

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