Acórdão nº 087/22.5BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por B………. SGPS SA e A……… SGPS SA, melhor identificadas nos autos, visando a revogação da sentença de 19-04-2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a acção administrativa que intentaram contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, do acto de indeferimento por intempestividade, do pedido de revisão oficiosa do acto tributário apresentado em 03/05/2021 e dos actos de retenção na fonte de imposto de selo realizados nos anos de 2017 e 2018.

Irresignadas, nas suas alegações, formularam as recorrentes B………. SGPS SA e A……… SGPS SA, as seguintes conclusões: A. O presente recurso é interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, de 18 de abril de 2022, que julgou improcedente a ação administrativa instaurada pelas Recorrentes contra os despachos de indeferimento e de rejeição dos pedidos de revisão oficiosa dos atos tributários (PROAT) apresentados ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (ie. no prazo de quatro anos contados desde os atos tributários), de acordo com os quais a AT se recusou a apreciar o mérito dos atos de liquidação de IS de 2017 e 2018 por alegada intempestividade dos pedidos.

  1. Da leitura dos factos dados como provados na sentença, constata-se que o Tribunal a quo compreendeu perfeitamente que o IS em causa foi liquidado e entregue aos cofres do Estado pelas instituições bancárias envolvidas nos mútuos e emissões de papel comercial e, por conseguinte e necessariamente, às Recorrentes não lhes é imputável qualquer declaração ou conduta que pudesse induzir em erro aquelas entidades. Todavia, tal não o impediu de sufragar o mesmo entendimento da AT e julgar improcedente a acção administrativa porque, avançou o Tribunal a quo, não terá sido demonstrado pelas Recorrentes que se está perante um “erro imputável aos serviços” para se requerer a revisão dos atos tributários no prazo de quatro anos à luz da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

  2. Recorde-se que, nos PROAT em apreço, as aqui Recorrentes requereram à AT a anulação das liquidações de IS processadas por diversas instituições bancárias, porquanto entendem, por um lado, que (i) por serem SGPS, são qualificadas, no âmbito do direito comunitário, como instituições financeiras e, por conseguinte, beneficiam da isenção de IS ínsita na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS, (ii) e, por outro lado, à luz do direito comunitário (Diretiva sobre as Reuniões de Capital), sobre as operações de emissão de papel comercial não poderá incidir este imposto.

  3. A quaestio decidenda neste recurso resume-se, assim, ao seguinte: os PROAT apresentados perante a AT pelas Recorrentes no prazo de quatro anos contados dos atos tributários que consistem em IS liquidado e entregue ao Estado pelas instituições financeiras mutuantes deve ter-se por tempestivo e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos mesmos? E. A ilação do Tribunal a quo de que as outrora Autoras não alegaram qualquer facto suscetível de ser subsumido ao conceito de “erro imputável aos serviços” é manifestamente contraditada pelos factos dados como provados e contidos no probatório assente nestes autos – em especial, dos factos provados 2), 3) e 4) da sentença recorrida – e também não resiste aos postulados doutrinários e jurisprudenciais já pacíficos e consolidados sobre a interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços”.

  4. Quanto às realidades passíveis de integrar o conceito de “erro imputável aos serviços”, a doutrina e a jurisprudência versadas na matéria vêm entendendo que esta é uma expressão de formulação abrangente que abarca lapsos, erros materiais, erros de facto e erros de direito.

  5. E isto independentemente da verificação concreta da culpa dos funcionários dos serviços envolvidos na emissão da liquidação que padece do erro, na medida em que a possibilidade de revisão oficiosa de atos tributários, por parte da AT, radica na obrigação de revogação de atos ilegais, em cumprimento dos princípios por que deve pautar-se a atuação da administração tributária, tais como sejam os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade tributárias, conforme previstos no artigo 55.º da LGT e no n.º 2 do artigo 266.º da CRP.

  6. Sendo inequivocamente aceite que o erro de direito é suscetível de ser reconduzido ao conceito de “erro imputável aos serviços” para efeitos da aplicação da 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º da LGT (prazo de quatro anos), é indiscutível que a não aplicação de uma isenção de imposto [a prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS] ou a inobservância do Direito Comunitário subsumem-se plenamente no conceito de erro de direito.

    I. Na situação vertente, as instituições financeiras atuaram precisamente em substituição dos serviços da AT e do contribuinte: liquidaram o IS, cobraram-no, entregaram as declarações devidas e entregaram as quantias cobradas ao Estado, o que foi devidamente compreendido pelo Tribunal a quo – cfr. factos provados 3) e 4) da sentença recorrida.

  7. Em face da jurisprudência amplamente citada nas alegações, não restam dúvidas de que, tendo as Recorrentes invocado “erro imputável aos serviços”, derivado do erro de direito por errada aplicação da lei, quando não contribuíram para a existência desse erro, os pedidos de revisão oficiosa foram apresentados em tempo pela B…… e pela A…..

  8. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo releva essencialmente o facto de nem as Recorrentes nem os serviços da AT terem participado nas liquidações do IS em causa, para daí inferir, sem apoio legal, a ausência de erro imputável aos serviços. Porém, a inferência é precisamente a oposta.

    L. Relembre-se, pois, a mecânica da liquidação do IS e entrega ao Estado. Com efeito, uma vez que estão em causa operações que foram intermediadas por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas residentes em território nacional, são estas últimas entidades os sujeitos passivos do imposto nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IS. No entanto, o encargo legal (e não somente económico) do imposto recai sobre as Recorrentes na qualidade de titulares do interesse económico das operações em apreço (artigo 3.º do Código do IS).

  9. Como é sabido, as instituições financeiras que intermedeiam as operações financeiras liquidam e cobram o IS aos clientes e aquelas mesmas instituições emitem as guias de liquidação e entregam, de seguida, o valor cobrado aos cofres do Estado. Atuam, assim, precisamente como um qualquer serviço da AT e substituem uma função que competiria, ou àqueles serviços da AT ou que caberia ao próprio contribuinte caso se colocasse o ónus da liquidação e entrega do imposto a estes como nas situações de autoliquidação de imposto.

  10. No caso concreto, não é sequer possível equacionar a possibilidade de o erro ser imputável à B…… e à A……, porque as Recorrentes surgem apenas na qualidade de entidades a quem cabe, apenas e somente, suportar o imposto liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT, que constituem o sujeito passivo do imposto referente às atinentes operações financeiras – devidamente identificadas nos factos provados 3) e 4) da sentença recorrida.

  11. Daí que, tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é cometido pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços”, o que tem sido o entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência amplamente citada supra.

  12. À luz do exposto, é manifesto que o erro não é imputável às Recorrentes, mas sim “aos serviços” nos termos explanados supra, pelo que os PROAT apresentados no prazo de quatro anos, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, devem ter-se como apresentados tempestivamente e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos pedidos.

  13. Também não é percetível para as Recorrentes como é que o facto de não terem deduzido “reclamação administrativa dentro do prazo legalmente previsto para o efeito” possa ser um argumento em desfavor da sua pretensão, como o Tribunal a quo pretende aventar – cfr. Página 18 da sentença recorrida. Isto porque, a falta de apresentação de reclamação graciosa não obsta – como também não obsta a impugnação judicial dos atos que podem ser impugnados contenciosamente por via direta – a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do ato.

  14. Acrescente-se, ainda que, sendo o IS liquidado e cobrado por instituições financeiras, que na prática cativam o IS das contas dos clientes, seria muito difícil, ou até mesmo impossível, à B……. e à A…….., simplesmente, recusarem-se a pagar o imposto nestas circunstâncias.

  15. Por fim, as Recorrentes consideram que estão verificados os requisitos para determinar a dispensa na totalidade do remanescente da taxa de justiça nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, considerando não só excessivo e desproporcional o montante a este título que seria devido – atendendo não só ao valor em si, em absoluto – mas à própria tramitação do processo aqui em causa, quer no que respeita à tramitação regular, quer à devida conduta processual das partes.

    NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE POR V. EXAS. SER O PRESENTE RECURSO JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, POR ERRADA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO, E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR UMA OUTRA QUE JULGUE A AÇÃO ADMINISTRATIVA PROCEDENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

    MAIS SE REQUER A DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA NOS TERMOS DO ARTIGO 6.º, N.º 7 DO RCP, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

    SÓ ASSIM SE FARÁ INTEIRA JUSTIÇA PEDE E ESPERA DE V. EXA. DEFERIMENTO A recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, que terminou com as...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT