Acórdão nº 24900/18.2T8PRT.P3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1.

AA, instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum contra Banco BIC Português, S.A. (anteriormente designado BPN, Banco Português de Negócios, S.A.), onde concluiu pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia global de €58.164,38, sendo €50.000,00 de capital e €8.164,38 de juros, à taxa legal de 4%, desde 28.10.2014 até à data da interposição da ação, bem como os juros vincendos, à mesma taxa, até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente, pediu que seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os €50.000,00 que o autor entregou ao réu em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004, bem como seja declarado ineficaz a aplicação que o réu tenha feito dos referidos montantes, sendo, ainda, condenado a restituir ao autor a quantia de €50.000,00 que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao réu, acrescido de juros legais, vencidos e vincendos, desde a data da citação até integral cumprimento.

Pediu, por fim, que seja o réu condenado a pagar-lhe a quantia de €1.800,00 a título de dano não patrimonial.

Articulou, com utilidade, que era cliente do banco réu e que foi contactado por um seu funcionário para efetuar uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, tendo-lhe sido transmitido que a aplicação financeira em causa tinha capital e juros garantidos pelo banco e com rentabilidade assegurada.

Acrescentou que não lhe foi dado a conhecer o tipo de produto e as condições da aplicação financeira, nem tão-pouco recebeu qualquer nota informativa ou informação relativa à entidade emitente ou lhe foram entregues documentos comprovativos da aquisição do produto em causa.

Mais alegou, que o funcionário da ré sabia que o autor não tinha formação técnica que lhe permitisse à data conhecer o referido produto financeiro e que tinha um perfil conservador, sendo certo que o autor só aceitou efetuar a referida aplicação financeira dado lhe ter sido assegurado que se tratava de um produto garantido pelo banco e, ainda, que se tratava de um produto que podia ser reembolsado em qualquer altura, mediante a sua vontade.

Alegou, ainda, que nunca lhe foi entregue qualquer documento escrito relativo à subscrição do produto, o qual, seria sempre nulo por violação do regime das cláusulas contratuais gerais.

Asseverou que na data de vencimento da subscrição não lhe foi devolvido o capital investido apesar das suas diversas solicitações junto do banco réu, nem foi cumprido o pagamento de juros acordado, sendo certo que a referida situação causou e causa ao autor preocupação, angústia e receio de que não venha a recuperar o seu dinheiro.

  1. Regularmente citado, o réu veio contestar, por exceção e por impugnação.

    Invocou a exceção de prescrição pelo decurso do prazo de dois anos, e sem prescindir e por impugnação, negou os factos alegados.

  2. Notificado, o autor apresentou resposta à matéria de exceção, mantendo no essencial a posição vertida na petição inicial e pugnando pela improcedência da exceção de prescrição.

  3. Após ter sido julgada a questão da competência territorial, foi dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador e foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

  4. Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e condenou o réu Banco BIC Português, S.A. a pagar ao autor AA a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros à taxa legal vencidos desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, bem como a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal, vencidos desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.

  5. Inconformado, o /Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão mantendo a sentença proferida em 1ª Instância.

  6. Novamente irresignado, o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. insurgiu-se contra o aludido acórdão, interpondo revista excecional, aduzindo as seguintes conclusões: “1) O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

    2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

    3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

    4) Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

    5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja - como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

    6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

    Além disso, 7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

    8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º n.º 1 als. a) e b) do Código de Processo Civil.

    Acresce que...

    9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão! 10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto - corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! 12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave! 13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

    14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia! 15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante! 16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

    17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

    De resto, 18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

    19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

    20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme.

    21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

    22)...

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