Acórdão nº 7880/18.1T8CBR.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022
Magistrado Responsável | OLIVEIRA ABREU |
Data da Resolução | 10 de Novembro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1.
Nos presentes autos que AA intentou contra, BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., pretende a autora que o réu seja condenado reembolsá-la do capital inicialmente investido no valor total de €100.000,00 e a pagar-lhe os juros remuneratórios dos cupões vencidos e em incumprimento, referentes a 08 de Novembro de 2015 e a 08 de Maio de 2016, no valor total de €1.570,56, bem como os juros moratórios vencidos, no valor total de €9.819,18€ e os vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento; e ainda, a quantia de €5.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Articula, com utilidade, que o réu lhe prestou informações falsas, intencionalmente, porquanto, subscreveu 2 obrigações respeitantes a “Obrigações Subordinadas a 10 anos da SLN 2006” com o valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) cada, num total de € 100.000,00 (cem mil euros), produto financeiro que consistia em obrigações subordinadas ao portador, sob a forma escritural, com o valor nominal de €50.000,00 (cinquenta mil euros); prazo de maturidade do produto de 10 (dez) anos, sendo que o reembolso do capital seria efetuado em 09 de Maio de 2016; a remuneração do capital investido proporcionava juros a serem pagos semestral e postecipadamente aos investidores, consistindo a primeira remuneração semestral em 4,5%, os 9 cupões semestrais seguintes à remuneração da Euribor a 6 meses acrescido de 1,15% e os restantes semestres seriam remunerados de acordo com Euribor a 6 meses acrescida de 1,50%; sendo que aquando da subscrição do produto financeiro, foi informada pelo gestor de conta, BB, à data gerente da agência bancária do ... em ..., de que o reembolso do capital era garantido, característica sem a qual jamais teria adquirido o produto; o boletim de subscrição dado a assinar à autora encontrava-se emitido em papel timbrado e certificado do então “BPN”, indicando a sua designação comercial e sede social, criando assim na autora a expectativa que estava a subscrever um produto financeiro do próprio banco réu, e nunca de uma entidade terceira; no campo destinado à “ordem de subscrição” constante do boletim de subscrição, é informado à autora que “as obrigações subscritas serão creditadas na respetiva conta de valores mobiliários escriturais aberta junto do BPN (...); e todas as ordens de emissão de obrigações subordinadas ora em litígio foram dadas a conhecer à autora, pelo Gestor de Cliente identificado sob o n.º de funcionário 6002490; no documento de suporte de venda do referido produto financeiro, distribuído aos colaboradores para a comercialização e colocação destas obrigações aos investidores é mencionado, como “argumentário de venda”, que o produto tem capital garantido e elevadas taxas de remuneração, e com tal documento pretendia o réu fazer crer nos seus clientes que o reembolso do capital era absolutamente garantido, sendo que mais tarde veio a negar tal informação, que constitui uma violação grosseira das exigências de boa-fé e de lealdade para com o investidor; no momento de subscrição do produto de investimento pela autora a entidade emitente das obrigações era a SLN, mas após a crise económica instalada sobre o BPN, e que levou à sua nacionalização, a SLN foi extinta, em assembleia geral, e o seu nome e imagem foram alteradas para “Galilei SGPS S.A.”; em 21 de Agosto de 2015, esta apresentou-se a PER cujo processo correu termos judiciais sob o n.º 22922/15.4T8LSB no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central ... – ... Secção do Comércio - ..., bem como já posteriormente a referida sociedade foi declarada insolvente, no âmbito do Processo n.º 23449/15.0T8LSB, do mesmo ... da ... Secção do Comércio da Comarca ...; e nessa circunstância, a autora foi surpreendida com uma citação judicial para efeitos de reclamação dos seus créditos, e que só nesse momento foi esclarecida que o investimento financeiro que havia realizado não se encontrava aplicado no banco, mas sim numa entidade terceira que pertencia ao grupo empresarial SLN; desde 08 de Maio de 2015 nada mais foi pago a título de juros, nem o capital foi reembolsado; interpelou a sociedade “Galilei SGPS S.A.” com vista ao pagamento voluntário, sem sucesso (cfr. Doc.4); mas as tentativas efetuadas para resolução extrajudicial foram sempre recusadas, com a invocação de que a responsabilidade de mero colocador do produto financeiro não obrigava a instituição a proceder à restituição do montante investido.
A factualidade integra a violação dos deveres consignados nos art.ºs 312.º-C e 312.º-F, ambos do Código dos Valores Mobiliários, por um lado, pela falta de documentação obrigatória a entregar ao cliente e, por outro lado, do dever de informação a prestar ao investidor não qualificado, como era o caso da autora, nos termos do n.º 2 do art.º 304.º-A do mesmo diploma, a culpa do intermediário financeiro é presumida quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e originado pela violação de deveres de informação, presunção que não se restringe à culpa, mas inclui também o nexo causal entre o facto (subscrição de produto) e o dano (não reembolso do capital investido e assumido pelo réu como capital garantido e reembolsável em 08 de Maio de 2016), facto que até ao momento presente ainda não se verificou.
O réu não observou o elevado grau de diligência que legalmente lhe era imperioso praticando ato ilícito, por violação do dever de informação a que se encontrava obrigado e que essa prática revestiu a forma de culpa grave, donde a autora está impedida de usar o seu dinheiro como bem entenda e foi colocada num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver ou de não saber quando o ia reaver; em permanente stress, doente e sem alegria de viver por se ver desapossada das economias de uma vida inteira de trabalho árduo e sem perspetivas de futuro; não obstante ser uma pessoa de conhecimento médio, não tem conhecimentos específicos nem particulares quanto aos produtos bancários comercializados pela banca, desconhecendo as suas especificidades e considerações, confiando, e seguindo por isso mesmo as sugestões do seu gestor de conta.
Conclui pela procedência da sua pretensão, que integra juridicamente - a condenação do réu à luz do n.º 1, do artigo 304.º-A do Código dos Valores Mobiliários - pois os intermediários financeiros, que violem os deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa desde que tais lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, o que se verifica no caso sub judice.
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Regularmente citado, o réu apresentou contestação, por exceção, excecionando a incompetência em razão do território e a prescrição, e por impugnação, referindo, em síntese que a ainda que o produto em causa tenha sido vendido com a indicação de capital garantido, no momento da subscrição não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga, nem do risco de insolvência do emitente; o anco réu não está obrigado a advertir o investidor sobre essa hipótese de insolvência do emitente; não era previsível, e como tal nunca poderia ter sido comunicado à cliente que em 2008 aconteceria uma nacionalização parcelar do grupo, que veio dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira e toda a lógica que presidiu à prestação de informação no momento da contratação; ademais, a referência ao capital garantido, apenas pode ser vista como alusão ao retorno certo da integralidade do capital, no final do prazo do investimento; até à altura da nacionalização, todos os cupões foram pagos na íntegra e no momento devido; refuta que através dos seus colaboradores tenha transmitido aos seus clientes que o Banco garantia a emissão, até porque esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores; o produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco, mas esta circunstância não se confunde com a prestação de qualquer tipo de garantia ou de assunção de dívida; a subscrição em análise é perfeitamente válida e eficaz relativamente à autora que terá direito a exercer todos os direitos à sua condição de detentora dos títulos em causa; o Banco réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade da subscritora; e com as instruções recebidas na mesma, consubstanciadas na assinatura do respetivo boletim de subscrição; no mês seguinte ao das referidas operações a autora recebeu por correio um aviso de débito correspondente à subscrição efetuada; foi recebendo, desde então, um extrato periódico onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, separadas dos depósitos, com menção expressa ao facto de se tratar de obrigações depositadas na sua carteira de títulos; foram-lhe sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extrato e até a emissão de avisos de lançamento que lhes eram enviados para a sua morada; tudo isto nunca suscitou reclamação da sua parte; assim, refuta que tenha violado qualquer dever legal de informação, pois a subscritora sempre foi pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património; manteve ao longo dos anos uma carteira de investimentos variada, investindo a título de exemplo em unidades de Participação do Fundo de Investimento Mobiliário BPN Conservador em 6.8.2007, Obrigações Perpétuas BPN 2008 em 31.3.2008 ou Papel Comercial SLN Valor em 4.8.2008; no momento da subscrição a subscritora foi informada que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco réu - a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. - e que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a...
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