Acórdão nº 5735/19.1JFLSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelANA PAULA GRANDVAUX
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em audiência, na 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO 1 - No âmbito do processo de inquérito n.º 5735/19.1JFLSB o Ministério Público, no Departamento de Investigação e Acção Penal - Procuradoria da República da Comarca de Lisboa, apreciou a queixa crime apresentada em 22.11.2019 pela firma “Roche – Sistemas de Diagnósticos, Sociedade Unipessoal Lda”, contra HF_____, AP____, MP____, VS____, BSK Medical, S.A., Healthco - Business Services & Management, SGPS, S.A., Burgolegacy, SA., Delka Pharma, Unipessoal, Lda., Delk Açores, Lda. e Healthco, Unipessoal, Lda., pela prática em concurso real, de crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento.

2 - No termo desse inquérito, o M.P. decidiu-se em 10.7.2020 pelo seu arquivamento, nos termos do art.º 277º/1 do C.P.P, conforme consta do despacho de fls 1098-1102, por entender ter sido possível recolher no decurso do mesmo, prova bastante de não se ter verificado qualquer crime.

3 - Subsequentemente, a firma Roche - Sistemas de Diagnóstico, Sociedade Unipessoal, Lda., foi notificada desse despacho de arquivamento do M.P e por não se conformar com o mesmo, tendo-se constituído assistente, veio para efeitos do disposto no artigo 287º nº 1 al. b) do CPP, requerer a abertura da instrução, sustentando dever ser proferido despacho de pronúncia contra HF_____, MP____, VS____, BSK, Healthco SGPS, Burgolergy, Delk Phainia, Delk Açores, Healthco Unip, pelos factos descritos no seu requerimento de abertura de instrução (RAI) de fls. 1106 a 1203, por integrarem os mesmos na sua óptica, a prática, em concurso real, de crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento, nos termos ali expressos no RAI.

4 - No termo dessa instrução, que correu os seus termos, no Tribunal Central de Instrução Criminal – Juiz 7, por decisão de 26/11/2021, o Sr JIC decidiu NÃO PRONUNCIAR os arguidos, HF_____, AP____, MP____, VS____, BSK Medical, S.A., Healthco - Business Services & Management, SGPS, S.A., Burgolegacy, SA., Delka Pharma, Unipessoal, Lda., Delk Açores, Lda. e Healthco, Unipessoal, Lda., pela prática em concurso real, de crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento, imputados pela assistente Roche Lda, no RAI.

5 - Inconformada com a decisão instrutória de não pronúncia, dela recorreu a Assistente, Roche - Sistemas de Diagnóstico, Sociedade Unipessoal, Lda., tendo requerido que o seu recurso fosse apreciado em julgamento, ao abrigo do art.º 411º/5 do C.P.P, e apresentado motivação que terminou com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões: 1. O presente recurso tem por objeto a Decisão Instrutória datada de 26.11.2021 que não pronunciou os Arguidos HF_____, MP______, MP____, VS____, BSK, Healthco SGPS, Burgolegacy, Delk Pharma, Delk Açores e Healthco Unipessoal pela prática dos crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento de capitais que lhes havia sido imputado pela Recorrente em sede de RAI.

2. Entende a Recorrente que a Decisão Recorrida (i) é nula por terem sido incumpridos os deveres de narração e fundamentação impostos ao Tribunal Recorrido, (ii) representa uma leitura enviesada e seccionada dos factos que não permite a correta análise e interpretação dos factos vertidos pela Recorrente no RAI, (iii) avança argumentos que não têm suporte nos elementos constantes dos autos ou nas regras de experiência comum - sendo estes, inclusivamente, contrários àqueles -, (iv) reconduz, indevidamente, a questão de fundo, quanto à prática do crime de burla a um mero incumprimento contratual, não cuidando de analisar, corretamente, os factos contidos nos autos, assim distinguindo, como resulta da jurisprudência dos Tribunais superiores, que, em casos como o presente, em que existe uma pré-determinação dos agentes ao engano e erro do outro contratante, há uma burla, e não uma mera fraude civil.

3. Em suma, entende a Recorrente que os elementos fácticos e probatórios constantes dos autos foram incorretamente analisados pelo Tribunal a quo e que dos mesmos resultam, inequivocamente, indícios suficientes da prática, pelos Arguidos, dos crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento, nos termos imputados no RAI.

4. A Decisão Recorrida é nula por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 308º nº 2, com referência ao artigo 283º nº 3 alínea b) do CPP, uma vez que omitiu, da listagem de factos indiciados e não indiciados, um conjunto de 177 (cento e setenta e sete) factos articulados pela Recorrente no RAI, sem que exista uma justificação para essa omissão, quedando por compreender, atenta a extensão e relevância desses factos, o racional do Tribunal quanto à prática dos crimes em causa, porque assim o impossibilitou o Tribunal ao ter omitido o enquadramento dos ditos factos no elenco de factos indiciados e não indiciados.

5. Atenta a ausência de referência especificada e análise crítica da prova por parte do Tribunal a quo em relação à prova produzida em fase instrutória, e a sua relevância para apreciação dos elementos discutidos no recurso, recorda-se que deverá ser incluída na análise: a. em termos de prova documental, os documentos juntos com a Denúncia, os documentos juntos com o Requerimento da Roche de 24.02.2020, os documentos juntos com o RAI, os documentos juntos com o Requerimento dos Arguidos de 09.07.2021, os documentos juntos com o Requerimento da Roche de 08.09.2021, os documentos juntos com o Requerimento dos Arguidos de 01.10.2021, e os documentos juntos como Requerimento da Roche de 15.10.2021; b. em termos de prova por declarações, deverão ser consideradas as declarações do Arguido HF_____ , prestadas em diligência instrutória de dia 02.07.2021, gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, constante da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, da gravação 20210702162535_12843_4462833, com início às 14:25:36 e termo às 17:06:14, e da gravação 20210702170615_12843_4462833, com início às 17:06:15 e termo às 17:12:54; c. em termos de prova testemunhal, deverá ser considerado o depoimento da testemunha JH____— prestado em diligência instrutória de dia 01.07.2021, gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, constante da gravação 20210701144358_12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, da gravação 20210701155807_12843_4462833, com início às 15:58:08 e termo às 16:16:32, da gravação 20210701161632_12843_4462833, com início às 16:16:33 e termo às 17:12:45, e da gravação 20210701171246_12843_4462833, com início às 17:12:46 e termo às 17:19:31 — e o depoimento da testemunha ZH___ prestado em diligência instrutória de dia 01.07.2021, gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, constante da gravação 20210701174233_12843_4462833, com início às 17:42:33 e termo às 18:47:39, da gravação 20210701184740_12843_4462833, com início às 18:47:40 e termo às 18:52:51, e da gravação 20210701185251_12843_4462833, com início às 18:52:52 e termo às 19:04:02.

6. Atendendo à extensão dos depoimentos prestados, e por forma a melhor auxiliar este Tribunal, pese embora conste nos autos a gravação dos mesmos, procede a Recorrente, pelo presente, à junção das transcrições dos depoimentos do Arguido HF_____ e das testemunhas JH____ e ZH___, e ainda das alegações do Ministério Público no debate instrutório.

7. Quanto aos crimes de falsificação de documento imputados, pela Recorrente, aos Arguidos HF_____ , MP______ e BSK entendeu o Tribunal que a maioria dos factos com relevância teria prescrito, analisando apenas os factos referentes à falsificação da fatura n.

2 16/1516, que refere não terem relevância para efeitos da imputação do crime de falsificação de documento por (i) não conter um facto com interesse jurídico, (ii) a circunstância de existirem duas faturas emitidas pela BSK com o mesmo número e conteúdos diferentes ser insuficiente para concluir que uma delas é falsa, não estando indicado qual das duas faturas corresponde à realidade, e (iii) a Recorrente ter alegadamente configurado a falsificação da fatura como um artifício do crime de burla e não como uma falsificação de documento.

8. Não assiste razão ao Tribunal a quo quanto a qualquer um dos argumentos sustentados para afastar o crime de falsificação de documento, pela seguinte ordem de razões: a. Em primeiro lugar, porque compulsada a definição legal de documento contida na alínea a) do artigo 255.º do CP, nenhuma razão existe para não inscrever o conceito de fatura, ao qual, de resto, tem sido dada essa relevância pela jurisprudência, tendo os factos aí contidos relevância jurídica, tanto mais que têm importância probatória para, p. ex., a validação pela Autoridade Tributária de transações das pessoas coletivas.

  1. A fatura em causa respeita a uma transação económica inexistente, sem correspondência na faturação da BSK, resultando, quer quanto à forma, quer quanto ao conteúdo, de uma evidente manipulação de dados destinada a simular a suposta venda dos produtos adquiridos pela BSK à Roche em Angola, e procurando manter viva a relação entre aquelas empresas.

  2. Em segundo lugar, a Recorrente identificou concretamente a fatura falsa em causa, tendo, ademais, descrito os motivos pelos quais a mesma não podia corresponder à verdade, designadamente (i) que a fatura foi endereçada à Roche, pela BSK, após aquela primeira ter feito pressão para a comprovação documental das vendas em Angola, por ter tido conhecimento da existência de vendas paralelas para o mercado europeu; (ii) que a BSK referiu ter já feito, por várias vezes, essa prova e trabalhar com várias multinacionais nos mercados angolano e...

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