Acórdão nº 311/11.0BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução02 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul A..... intentou ação administrativa especial de impugnação contra a C....., S.A., peticionando a anulação da deliberação do Conselho de Administração de 02/12/2010, através da qual lhe foi aplicada a sanção de demissão. Alegou, em síntese, que a sanção disciplinar é desproporcionada e ilegal.

Por decisão de 24/11/2016, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a ação procedente e, nessa medida, anulou a deliberação impugnada.

Inconformado, a ré interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “1. A douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, representa uma injusta condenação que decorre essencialmente de uma errada apreciação dos factos e, consequentemente, de uma errada aplicação do direito.

  1. Não obstante a Recorrida se ter apropriado ilegitimamente e ilicitamente da quantia de 3.200,00 €, pertencente a uma cliente da Recorrente, na douta sentença recorrida, a Meritíssima Juiz a quo entendeu que a sanção de demissão se mostrava, no caso, violadora do princípio da proporcionalidade.

  2. Fê-lo, exclusivamente, com fundamento em três argumentos, a saber: i) a pretensa ‘confissão espontânea e imediata’ da infracção; ii) a ponderação, segundo a Meritíssima Juiz a quo, como agravante do facto de a Recorrida não ter reparado o dano de 3.200,00 €; e iii) ter sido ponderado, também segundo a Meritíssima Juiz a quo, como agravante, a anterior punição de 15 dias de suspensão, com perda de vencimento, por deliberação do Conselho de Administração da Recorrente de 18.04.2008.

  3. A própria Meritíssima Juiz a quo reconhece que, como vem sendo sedimentado na Jurisprudência, a prática disciplinar consiste num acto discricionário da administração que só pode ser sindicada pelos Tribunais se estivermos perante erro manifesto ou grosseiro, conforme, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.02.2006.

  4. De onde se infere, legitimamente, que a Meritíssima Juiz a quo entendeu que no caso dos autos se tratava, efectivamente, de um erro manifesto ou grosseiro.

  5. O que não é correcto, pois, em primeiro lugar, porque a Meritíssima Juiz o quo entende que deveria ser considerada como atenuante a suposta ‘confissão espontânea e imediata’ da Recorrida.

  6. A confissão da Recorrida não foi espontânea nem imediata. Na verdade, terá escapado à Meritíssima Juiz a quo que a confissão da Recorrida, a que se refere a alínea H) dos factos provados, não foi espontânea nem imediata pois apenas teve lugar quando a ora Recorrida foi confrontada com os factos que lhe eram imputados, conforme decorre do auto de declarações que consta a Fls. 173 do procedimento disciplinar, reproduzido na alínea H) dos factos provados.

  7. Apesar da Meritíssima Juiz a quo ter valorado uma suposta confissão espontânea e imediata da Recorrida, a verdade é que não se verificou qualquer confissão espontânea nem imediata, mas apenas o reconhecimento da prática dos gravíssimos factos quando estes lhe foram imputados pela Inspecção da Recorrente.

  8. Em segundo lugar, porque as agravantes do prejuízo causado, ou seja, da não reparação do dano causado e da sanção disciplinar anteriormente aplicada não são determinantes para a aplicação da sanção de demissão. Dito de outro modo, os gravíssimos factos praticados pela Recorrida justificariam, ou melhor imporiam, em qualquer caso a sanção de demissão.

  9. Essas agravantes, embora não constem expressamente da deliberação punitiva - cfr. alínea P) dos factos provados também não são excluídas de uma leitura actualista e extensiva do Regulamento Disciplinar de 1913, sobretudo considerando a sua aplicação a uma instituição de crédito como é a Recorrente.

  10. Em terceiro lugar, a ponderação feita pelo Conselho de Administração da Recorrente foi manifestamente adequada, pois, como se pode verificar da alínea P) dos factos provados, a Recorrente considerou a atenuante da situação familiar da Recorrida, muito embora a tenha ponderado considerando que tal atenuante já fora considerada também aquando da sanção disciplinar de 15 dias de suspensão. De onde decorre, com clareza, a adequada ponderação que a Recorrente fez de todas as circunstâncias.

  11. Em quarto lugar, a Recorrente é uma instituição de crédito, sendo certo que a Jurisprudência, na apreciação da proporcionalidade nos casos de justa causa para despedimento, tem considerado — e bem! - como muito relevante o sector de actividade que está em causa e que é o sector bancário, exigindo dos trabalhadores bancários, como era a Recorrida, o cumprimento escrupuloso das regras a que estão sujeitos.

  12. Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-01-2013. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-09-2012. e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08-05-2013, todos disponíveis ín www.dgsi.pt.

  13. Sabendo-se a importância que o elemento da confiança assume no sector bancário e, portanto, na Recorrente, recorde-se que a Recorrida se apropriou ilicitamente da verba de 3.200,00 €, verba que pertencia a uma cliente da Recorrente.

  14. Não pode, pois, a Recorrente conformar-se com a gravosa sentença em crise.

  15. A douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por decisão que julgue totalmente improcedente a acção, absolvendo a Recorrente de todos os pedidos.

  16. A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 6.º, 7.º, 8.º, 19.º e 20.º do Regulamento Disciplinar de 1913, o artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e os artigos 5.º, n.º 2 e 135.º do Código do Procedimento Administrativo (então em vigor).” A recorrida apresentou contra-alegações, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “(…) 1ª. - Relativamente ao primeiro ponto do recurso, a verdade é que a Recorrente não só não considerou a confissão da Autora como atenuante, em qualquer medida - imediata ou não, espontânea ou não como de facto se apura dos autos que a Autora terá efectivamente confessado as suas infracções logo que confrontada com os factos, num contexto familiar abusivo e estando sujeita a represálias em função de todo o seu comportamento, factos que a Recorrente também não considerou na sua decisão.

    1. - No segundo ponto do seu recurso, pretende a Recorrente, com uma alegada leitura actualista do Regulamento Disciplinar de 1913, impor à Arguida nos autos que fique sujeita a uma agravante do seu comportamento que, legalmente, não existe.

    2. - Ora, como se sabe, o direito sancionatório não admite suposições nem está na disposição do acusador determinar os critérios de apuramento da culpa - é o direito que o faz -, pelo que, com o devido respeito, não pode aquela socorrer-se das suas considerações sobre o que considera constituir uma agravante, no sentido estrito, do comportamento da Autora, a que acresce o facto de, como se lê na douta sentença recorrida, a Recorrente ter omitido várias outras considerações, como a referida confissão e ainda o contexto familiar e social da trabalhadora, determinantes para a aferição da sua culpa.

    3. - “Vemos ainda que no Relatório final não foram feitas quaisquer alusões às circunstâncias invocadas pela Autora em sua defesa, como sejam a do seu contexto familiar, violento e depressivo, a confissão espontânea, ou ainda de ter sido colocada num outro serviço (DAC), onde se encontrava após ter sido afastada da agência de Queluz, tendo-se adaptado perfeitamente e com informações favoráveis dos seus superiores.” 5ª. - Quanto ao fundamento alegado pela Recorrente, segundo o qual, tendo já em processo disciplinar anterior considerado a situação familiar da Autora, não deveria considerá-lo a respeito da infracção em causa (terceiro ponto do recurso), o mesmo não tem qualquer suporte legal, o qual a Recorrente também não indica.

    4. - No quarto ponto do seu recurso, a Ré limita-se a afirmar que a Autora deveria ser demitida porque se apropriou de dinheiro, com o fundamento único de ser uma instituição de crédito e por isso existir uma especial censurabilidade do comportamento da Autora, mas a verdade é que, salvo o devido respeito, tal fundamento ignora totalmente, não só as circunstâncias concretas do comportamento da Autora que se demonstrou não terem sido consideradas pela Ré, como ainda a fundamentação vertida na douta sentença recorrida sobre tal censurabilidade. “Vemos ainda que no Relatório final não foram feitas quaisquer alusões às circunstâncias invocadas pela Autora em sua defesa, como sejam a do seu contexto familiar, violento e depressivo, a confissão espontânea, ou ainda de ter sido colocada num outro serviço (DAC), onde se encontrava após ter sido afastada da agência de Queluz, tendo-se adaptado perfeitamente e com informações favoráveis dos seus superiores...”.

    O Juiz Relator, por decisão sumária de 26/09/2022, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.

    Notificada desta decisão, veio a recorrente interpor reclamação para a conferência.

    Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da decisão recorrida, ao entender que a sanção de demissão viola o princípio da proporcionalidade.

    * II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: A) A Autora esteve ao serviço da ED até Dezembro de 2010, vinculada a esta por contrato administrativo de provimento – acordo e fls. 186 e 210 do PA apenso (I Vol); B) Através de carta, de 2010.01.11, dirigida ao Conselho de Administração, que deu origem à reclamação n° …..813, o cliente F..... alega que foram efectuados levantamentos irregulares sobre a conta n°…….100, no montante total de € 2.600,00. Informa, ainda, de que, anteriormente, em 2009.11.24, comunicou tal facto à Agência de Queluz e, em 2009.12.09, ao Conselho de Administração da Caixa, não tendo recebido...

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